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Eu e Dorival Caymmi em um começo absurdo

Por Fabian Chacur

O volume 12 da Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira é dedicado a Dorival Caymmi (1914-2008), um dos nomes mais importantes da história da nossa MPB. Como bem o definiu Gilberto Gil em uma de suas músicas, era um verdadeiro Buda Nagô, um mestre tranquilo, um gênio.

Só que não foi exatamente essa a minha primeira impressão acerca da obra desse cantor, compositor e violonista baiano. Em um desses micos que só mesmo os neófitos conseguem pagar, na verdade minha iniciação no mundo de Caymmi foi, na verdade, um vexame. Não para ele, obviamente, mas para mim. Sorte que tive colegas nessa vacilada histórica.

Eu tinha uns 13 anos de idade, o que significa ou 1974 ou 1975. Estudava em um colégio na Vila Mariana que existe até hoje, o Maestro Fabiano Lozano. Embora, por alguma razão que prefiro ignorar, na época esse nome fosse reservado ao curso primário, sendo o ginasial denominado Governador Paulo Sarasate. Era tudo na mesma bomba de prédio. Para quê dois nomes?

Deixem pra lá. Você já se situou. Estava eu lá, tendo como colega o glorioso Edgard Scandurra Pereira, muito mais famoso do que eu graças a sua atuação no grupo Ira!, mas na época tão mané quanto este que vos escreve.

Nossa professora de português era bem legal. Em uma de suas aulas, ela levou uma vitrolinha portátil dessas tipo Sonata, e nos avisou que iria nos mostrar a música de alguém que ela dizia ser um grande cantor brasileiro.

Dona Sei Lá (esqueci o nome dela) colocou a agulha no disco, e a voz do tal artista saiu de lá. “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”…. Nunca vou me esquecer da altura da gargalhada que todos nós demos, poucos segundos após ouvir aquela voz para nós estranha, improvável, chata, mesmo.

A reação era comparável a de quem via, na época, os programas de Renato Aragão e sua turma. Éramos uns 20 ou 30 gargalhadores histéricos.

Não prestou. A “fessôra” nos deu uma dura daquelas. Não sobrou pedra sobre pedra. “Mas como vocês podem rir de um gênio como Dorival Caymmi? Que absurdo, vocês são um bando de ignorantes! ” E por aí foi. Ficamos levemente envergonhados, mas achávamos que a razão estava do nosso lado.

Levei muitos anos para perceber que, sim, ela tinha toda razão. Mas, de certa forma, nós também tínhamos um fiapinho, também. Para moleques acostumados a ouvir Elton John, Paul McCartney, John Lennon, Antonio Carlos & Jocafi etc, aquela era uma voz que não fazia sentido, ainda mais a ouvindo de sopetão, sem uma explicação mais apurada sobre ele.

Mas um dia Fabian Chacur resolveu ouvir o cara com calma. E a besta histórica chegou à óbvia conclusão de que a merda fede. Ou melhor, de que aquilo não só não era merda e não fedia nada,como na verdade se tratava de uma preciosidade. Uma jóia musical. O Mar. Que música!

Hoje, me arrepio ao ouvir aquela voz encorpada, grave, doce, repleta de sabedoria, oriunda de um compositor que sabia como poucos escrever coisas profundas com palavras simples.

E que tocava um violão fluido e cristalino. Um gênio da raça, muito maior do que um certo João Gilberto que tanto insistem em venerar por aí, e que na verdade fez muito menos do que Caymmi.

Hoje eu digo isso. Mas que caí na gargalhada ao ouvir O Mar pela primeira vez, lá isso eu cai. Que vergonha…

2 Comments

  1. ha ha ha.Bela história. Consegui visualizar toda a cena.

    Essas professoras eram engraçadas, toda vez alguém criticava a música bvrasileira elas saiam com aquele discurso de: “vocês só gostam do que é estrangeiro…” e blá-blá-blá.

    (eu mesma tive uma professora dessa.)

    Sobrevivi a uma faculdade de Letras e existem muitas donas-sei-lás obtendo suas licenciaturas.

    Você abordou algo interessante no seu texto: como mostrar a molecada de hoje uma obra ímpar? Simples, contextualizando.
    Sem contexto, com uma música no ar, vocês caíram na gargalhada.

    E do Caymmi eu gosto daquela do vento!

    Saudações, Chacur!

  2. admin

    June 17, 2010 at 9:37 pm

    Muito obrigado pelo depoimento e também por ter entendido tão bem a descrição dessa experiência curiosa em minha vida. É por aí, mesmo: sem contextualização, sem uma preparação, tudo que é diferente do habitual pode soar apenas uma coisa caricatural, o que de fato ocorreu comigo em relação a Dorival Caymmi. Tudo de bom para você e volte sempre!

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