Por Fabian Chacur

fotos: Daniel Chiacos (divulgação)

Lenine é um artista que teve de penar muito para chegar onde chegou. Nascido em 1959, lançou seu primeiro LP em 1983, Baque Solto, em parceria com Lula Queiroga.

Só conseguiria lançar o segundo, Olho de Peixe, em 1992, em parceria com o percussionista Marcos Suzano e já na era do CD. E o terceiro demoraria mais cinco longos anos, O Dia Em Que Faremos Contato (1997).

A partir daí, no entanto, o cantor, compositor e músico pernambucano radicado no Rio há 30 anos se firmou de uma vez por todas como um dos grandes nomes da música brasileira, graças a um trabalho criativo, consistente e instigante, admirado aqui e no exterior.

Ele define a forma como superou as dificuldades de forma bem direta:

“A vida sorriu amarelo para mim, no começo, mas eu não sorri amarelo para ela, não, fiz muitas coisas entre o Baque Solto e o Olho de Peixe, e acabei conseguindo me consolidar. Não fiz sucesso da noite para o dia”.

Na capa do novo álbum, Lenine aparece deixado e com o neto Tom apoiado no seu peito, uma espécie de imagem tradutora do significado do título.

O autor de Hoje Eu Quero Sair Só e tantas outras músicas legais está lançando Chão, seu décimo trabalho, e fala na entrevista abaixo sobre o processo criativo deste álbum, projetos, planos carreira etc

Mondo Pop – Como você costuma conceber seus projetos musicais, e como foi desta vez, com Chão?

Lenine – Sou sempre movido por um desejo inicial, que se modifica a cada novo trabalho. O que vem primeiro é sempre o título, no caso deste aqui, Chão. Sou fascinado por esses monossílabos anasalados, é algo que não existe em nenhuma outra língua do mundo com essa ênfase. Entre os vários significados de chão, o que mais me fascina é “o que te dá sustentação”. Minha primeira resolução foi não incluir bateria nas gravações, é um disco muito íntimo, no qual me valho de um outro jeito de formatar as canções.

                    Bruno, Lenine e JR Tostoi

Mondo Pop- Você se vale nas 10 faixas de Chão de elementos curiosos, como ruídos de passos, batida de coração, máquinas e até mesmo o canto de um pássaro. Como surgiu a ideia de incluir essas sonoridades, e como você as utilizou?

Lenine – Vale registrar: todos esses elementos foram usados nas musicas sem edições, loopings ou recursos desse tipo. São espaços percorridos, usados de fato, como se fossem instrumentos, no andamento real de cada canção. Amor é Pra Quem Ama, por exemplo, tem a participação do Frederico VI, que é o canário belga da minha sogra. A gente fez uma primeira gravação da música e o meu filho Bruno percebeu o canto dele interagindo com a música. Aí, gravamos mais uma vez, e como saiu, ficou. Acabamos usando o cotidiano como elemento sonoro, nas músicas.


Mondo Pop – Uma presença essencial neste disco é a do seu filho Bruno. Fale um pouco de como surgiu essa parceria entre vocês.

Lenine – O Bruno, que tem 22 anos, não está em Chão por nepotismo. Ele estuda música, tem uma excelência no fazer. Esse disco também é dele e do meu parceiro JR Tostoi, a mixagem foi feita por ele. Sou muito criterioso em tudo o que faço, e ainda mais em relação a quem amo. O Bruno toca vários instrumentos, gosta do hardware, a física e a eletrônica deixaram de ser um monstro para ele muito cedo. Além disso, ainda canta e toca.

Mondo Pop – Como você avalia Chão em termos gerais, comparado com os outros discos que você já lançou? A ideia inicial era fazer um trabalho mais compacto, com menos música e duração menor?

Lenine– Talvez esse seja o disco mais romântico que eu já fiz. Esse trabalho pode ser comparado a um romance, para ser ouvido de uma tacada só, como se fosse uma suíte. Compus mais de 20 músicas para este CD, não faltava material, poderia ter colocado mais canções, se quisesse.


Mondo Pop – Você já está preparando o show que divulgará o álbum Chão?

Lenine – Sim. O show terá o mesmo espírito sonoro que usamos no disco, e as músicas de trabalhos anteriores que irão entrar no repertório serão transpostas para esse universo sonoro. Aliás, em alguns lugares, tocaremos usando som surround 4.2, como forma de dar ao público uma experiência nova, descolada do bidimensional, de se sentir mergulhando no meio das sonoridades de cada música.

                Bruno, JR Tostoi e Lenine

Mondo Pop – Você teve de batalhar durante muitos anos para ter o seu trabalho reconhecido. Como você avalia essa fase?

Lenine – Na minha época, o artista precisava sair do nordeste para poder ampliar seus horizontes. No começo, quando eu e o Lula Queiroga lançamos Baque Solto, foi muito difícil ser aceito, pois o pessoal do rock nos achava muito MPB, enquanto o pessoal da MPB nos achava muito roqueiros (risos). Fui aceito inicialmente no Rio pelo pessoal do samba, gente como Martinho da Vila, Beth Carvalho, Arlindo Cruz etc. Eles se surpreenderam quando participei de rodas de samba e comecei a versar. Hoje eu relembro disso e não acredito que tive tanta coragem (risos).


Mondo Pop – Aliás, duas curiosidades sobre a sua trajetória são marcantes: a de não fazer parte de nenhuma turma musical específica, e de ao mesmo tempo disputar um campeonato com Zélia Duncan para ver quem participa de mais trabalhos alheios (risos).

Lenine – Participo de muitos projetos alheios sempre com muita generosidade, sem preconceitos, com muita abertura. Eu me defino como da Turma do Eu Sozinho, uma turma que celebra a música acima de tudo.

Mondo Pop – Como você encara o cenário musical atual?

Lenine – Se na minha época eu tive de sair de Recife e vir para o Rio como forma de viabilizar minha carreira, hoje não acho que isso seja mais necessário, pois as coisas estão acontecendo de forma mais ampla e democrática, sem precisar estar no eixo Rio/São Paulo. Aposto que em cada região do país tem uma geração nova fazendo coisas novas e interessantes. A tecnologia digital facilitou muito as coisas.

Mondo Pop – Há muitos anos eu percebo que a sua trajetória musical, guardadas as devidas proporções e características próprias, tem muito a ver com a do João Bosco. Você concorda com isso?

Lenine – Fico orgulhoso de você perceber que eu tenho a ver com o João Bosco, e sinto que também tenho a ver com a tradição do violão brasileiro, da linha evolutiva do violão brasileiro, de gente como Dilermando Reis, Djavan, Jorge Ben Jor, João Gilberto. Eu me defino como um percussionista de violão.


Mondo Pop – Você normalmente lança seus trabalhos de uma forma mais espaçada. Isso tem a ver com os shows?

Lenine – Sim. Se lançasse discos todo ano, não teria tempo para viajar. Já fiz várias turnês pelo Brasil e pelo exterior. Lá fora, já participei até mais de uma vez de festivais importantes, a agenda está cada vez maior. E é bom poder rever os amigos que fiz nesses anos todos. Para você ter uma ideia, teve um ano em que passei um mês só na França, fazendo uma turnê extensa por lá.


Mondo Pop – Você, que já gravou e fez shows com tanta gente diferente, tem alguém com quem sonharia em trabalhar?

Lenine – Já realizei muitos sonhos, mas tenho vários ainda para realizar. Por exemplo: quem não gostaria de ter uma música de sua autoria gravada pelo Rei Roberto Carlos?

Ouça trechos de músicas de Chão e vídeos sobre o CD em www.lenine.com.br