Por Fabian Chacur

Existem shows musicais que deveriam ter um aviso ao público. Algo assim: só para iniciados. São apresentações que exigem de quem as vê tolerância, mente aberta e a certeza de que não irão ver um espetáculo convencional. Um bom exemplo desse tipo de apresentação foi a realizada nesta fria noite de quinta-feira (29) por Arnaldo Baptista no Sesc Vila Mariana (SP), com casa cheia.

Todos conhecem a trajetória deste lendário cantor, compositor e músico paulistano. Primeiro, integrante dos Mutantes em seus anos de ouro. Depois, carreira solo, breve período com o Patrulha do Espaço, precoce e horrível flerte com a morte do qual escapou no início dos anos 80, mas com sequelas… Veja o documentário Loki e entenda como foi duro para ele sobreviver e seguir em frente. Barra Lúcifer perde!

Graças a Deus, ele está aí, tocando ao vivo, gravando, fazendo exposições com suas pinturas. Mas o Arnaldo Baptista de hoje guarda uma boa distância daquele que cativou a todos nos anos 60 e 70. E ver um de seus shows atualmente mostra isso de forma brutal. Você sabe estar diante de alguém com menos de 50% do potencial físico e musical de antes. Mas, ainda assim, muito interessante e com muito a dizer, do seu jeito.

Sua performance no Sesc Vila Mariana atendeu as expectativas. Voz e piano, vestindo aquela blusa dourada que virou sua marca nessa fase, ele ainda mostra habilidade nos teclados, com passagens intrincadas, harmonias e arranjos bem diferentes para as canções que toca e voz bem mais crua e distante dos bons tempos, mas ainda assim reconhecível de imediato. Ainda é ele, apesar dos pesares, o que não é pouco.

O repertório traz alguma coisa da carreira solo, como Cê Tá Pensando Que Eu Sou Loki?, algo dos Mutantes, entre elas Balada do Louco (que abriu o show), e muitas músicas que a maioria nunca associaria ao músico. Que tal Rocket Man e Skyline Pigeon, de Elton John? Ou Take It To The Limit, dos Eagles? Ou ainda Lampião de Gás, eternizada na voz de Inezita Barroso?

E teve mais, tipo Yesterday (Beatles), Blowin’ In The Wind (Eduardo Suplicy, digo, Bob Dylan), Down By The Riverside, Sweet Georgia Brown, Honky Tonk Women e um pot-pourry que eu apelidaria de “azedo”, pelo fato de juntar Lemon Tree (Pete Seeger) e Meu Limão Meu Limoeiro (Jorge Ben). Também tivemos inéditas e temas instrumentais. Cada música não durava mais do que três ou quatro minutos.

Após cada música, Arnaldo soltava um obrigado antes mesmo de os aplausos surgirem (e eles surgiram, felizmente). A plateia teve total respeito pelo artista, e curtiu o show, que tinha no palco pétalas de rosas e a projeção de imagens de algumas das obras do ex-mutante, com efeito simples, porém muito compatível com o que estava sendo apresentado pelo músico.

Com uma hora de duração, o show de Arnaldo Baptista é daquele tipo de espetáculo que o público médio certamente não suportaria, graças a sua imprevisibilidade e total ausência daqueles parâmetros habituais em espetáculos musicais mais populares. Mas quem vai vê-lo prevenido certamente sairá de lá feliz por poder partilhar momentos musicais peculiares com um verdadeiro sobrevivente em todos os aspectos possíveis. Valeu, Loki do bem!

Ouça Será Que Eu Vou Virar Bolor, com Arnaldo Baptista, clipe dos anos 70: