rolling stones sticky fingers live-400x

Por Fabian Chacur

Em 2006, quando iria iniciar as gravações de um show dos Rolling Stones para o que viria a ser o documentário Shine a Light (2008), o diretor Martin Scorsese entrou em pânico. Ao contrário do que poderia imaginar, ele não teve acesso prévio ao set list que a banda iria tocar, e dessa forma teve de improvisar seu trabalho. Isso é a cara do grupo liderado por Mick Jagger e Keith Richards, que sempre atuou no melhor estilo “bagunça organizada”. E foi dessa forma que eles gravaram Sticky Fingers Live At The Fonda Theater, DVD que integra a série Rolling Stones From The Vault.

Mas como assim “bagunça organizada?”, você deve estar se perguntando. Afinal de contas, estamos falando de uma banda que se mantém na ativa há mais de 50 anos, sempre com muito sucesso e uma infraestrutura digna de uma verdadeira transnacional roqueira. Se a organização existe, e sem dúvidas explica essa manutenção no topo do cenário rocker mundial, eles sempre tiveram um tempero rebelde, do tipo “vamos fazer do nosso jeito e dane-se o resto”.

Este trabalho é o exemplo mais concreto dessa postura das “Pedras Rolantes”. Eles se propuseram pela primeira vez em sua carreira a tocar ao vivo na íntegra o repertório de um de seus álbuns, mais especificamente o mitológico Sticky Fingers (1971). Para muita gente o melhor disco da ótima discografia do grupo britânico, trata-se de um marco na trajetória deles, quando ficou claro que os caras tinham se consolidado de vez no meio rocker.

Entre outras efemérides bacanas, conseguiu a inédita para eles façanha (que depois repetiriam várias vezes) de atingir o primeiro lugar nos EUA e no Reino Unido; estreou com força total o símbolo da língua que se tornou sua marca registrada. Deu o pontapé inicial na trajetória da sua própria gravadora, a RS Records, que tornou Jagger e Richards ainda mais ricos, e por aí vai. Um clássico supremo do rock and roll.

Só que, ao contrário da grande maioria dos outros grupos e artistas que se propuseram a apresentar trabalhos na íntegra, os Stones se recusaram a tocar ao vivo o repertório de Sticky Fingers na mesma ordem do registro de estúdio. Brown Sugar, por exemplo, que abre o LP, é a 11ª música a ser tocada no show. Dead Flowers, a 9ª do trabalho de estúdio, foi a 3ª no set list do show. E por aí vai… O mais engraçado: a abertura fica por conta de Start Me Up, que nem integra o trabalho em foco, sendo faixa de Tattoo You (1981).

Eles fizeram o seguinte: abriram o show com Start Me Up, em seguida tocaram as dez faixas de Sticky Fingers em seguida (mas sem a sequência do álbum original) e fecharam o show com um cover, Rock Me Baby, do amigo e ídolo B.B.King (que havia falecido seis dias antes da gravação deste DVD) e a empolgante Jumpin’ Jack Flash. Nos extras, temos três bônus: All Down The Line (do álbum Exile On Main Street, de 1972), When The Whip Comes Down (de Some Girls, de 1978) e um cover matador, I Can’t Turn You Loose, de Otis Redding, que na verdade encerrou o show, e sabe-se lá porque ficou aqui, nos bônus.

Ou seja, eles tocaram o álbum em pauta inteirinho, mas do jeito deles, e com direito a canções adicionais. E é aí que entra a organização da bagunça. As performances de Jagger e sua turma (os três colegas de banda mais sete impecáveis músicos de apoio, gerando uma espécie de “Orquestra Rolling Stones”) são simplesmente arrebatadoras. Pelo fato de o show ter sido realizado em um teatro bem menor do que os estádios onde normalmente atuam, criou-se um clima de maior proximidade e intimidade com a plateia, com ótimo resultado.

As performances dos quatro Stones são um capítulo à parte. Jagger, na época com 72 anos de idade, entrega ao público energia e carisma dignas de alguém com uns 30, se tanto, e com direito a uma voz impecável, especialmente nos momentos mais lentos. Keith Richards cativa com seu jeitão de “pirata do Caribe”, sendo bem ladeado por Ronnie Wood, tal qual dois pistoleiros do Velho Oeste. E o vigor e a precisão do baterista Charlie Watts equivalem à arma secreta menos secreta do rock, tal a sua qualidade e consistência. Um dínamo humano.

Se algumas faixas de Sticky Fingers nunca saíram do set list dos shows da banda britânica desde que foram lançadas, como Brown Sugar e Wild Horses, outras foram tocadas em raras ocasiões, casos das maravilhosas Moonlight Mile, Dead Flowers, Sway, Sister Morphine e You Gotta Move. E é muito legal ver alguns closes na plateia, com pessoas cantando as letras dessas músicas junto, de cor e salteado.

Dificilmente os Rolling Stones repetirão esse show. Portanto, Sticky Fingers Live At The Fonda Theatre (teatro localizado em Hollywood, Los Angeles) é não só um registro único e histórico desta performance realizada em 20 de maio de 2015, como certamente a prova de que esse grupo consegue se manter na estrada dignamente. De forma bagunçada, sim, mas com organização suficiente para que a essência desse trabalho incrível se mantenha acesa e deslumbrante.

Brown Sugar (live ath the Fonda Theater-2015)- The Rolling Stones: