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Por Fabian Chacur

Nesta quarta-feira (4), Cazuza comemoraria 60 anos de idade. Infelizmente, o roqueiro carioca se foi naquele triste sete de julho de 1990, com apenas 32 anos bem vividos, e deixou um vazio não só no rock, como na música e cultura brasileira como um todo.

Tive a honra de entrevistá-lo duas vezes, e de ver um dos shows mais emblemáticos de sua brilhante e breve carreira solo. Vou relembrar alguns momentos desses três contatos de forma aleatória, sem querer ser detalhista demais. O que me vier à mente.

Em 1987, vivi o início de minha carreira jornalística em tempo integral, após dois anos de frilas conciliados com um emprego, digamos, convencional. E em abril daquele ano, participei da entrevista coletiva que Cazuza concedeu em São Paulo para divulgar Só Se For a Dois, seu segundo trabalho solo.

A coletiva ocorreu no bairro do Paraíso, onde ficava na época a sede paulistana da gravadora Polygram, hoje Universal Music. Era a estreia dele pelo selo, após ter lançado o LP que inclui Exagerado em 1985 na Som Livre, meses depois de sair do Barão Vermelho.

Gravei a entrevista no meu heroico gravador grandão, grande parceiro. Tenho essa fita até hoje, e um dia (quando a encontrar, obviamente; mas ela está comigo, tenho certeza) a transcreverei na íntegra para os leitores de Mondo Pop. Por enquanto, ofereço recordações superficiais. Ele foi extremamente simpático com todos.

Ele respondeu todas as nossas perguntas, sem frescuras, e após o final, tirou fotos e deu autógrafos a todos que os solicitaram, eu incluso. Também tirei fotos com ele. Uma saiu meio ruim por causa do flash, e infelizmente é a única que me sobrou, pois a outra foi roubada por uma sobrinha. Que ódio! E tenho fotos da entrevista coletiva, essas bem legais. Preciso escaneá-las, também.

Naquele mesmo dia de 1987, tive a oportunidade de conhecer um de meus ídolos na área do jornalismo musical, o inimitável Ezequiel Neves, com quem também tirei foto, junto com o amigo Humberto Finatti.

Na época, trabalhava na editora Imprima, coordenando as revistas de textos de lá, que se notabilizou pelas revistinhas com cifras para violão e guitarra. Um tempo bom, de aprendizado e que me proporcionou a chance de conhecer muita gente boa.

Em 1988, quando começava no Diário Popular (hoje Diário de S. Paulo), pude rever Cazuza quando ele veio a São Paulo divulgar, com show no extinto (e então badaladíssimo) Aeroanta, no largo da Batata, em Pinheiros, o seu então novo álbum, o incrível Ideologia.

Lembro que tomei um susto (que disfarcei) ao vê-lo bem mais magro do que no encontro anterior. Mas a energia, a simpatia e as ideias bacanas continuavam ali, firmes. O fato de ele portar o vírus HIV ainda não havia se tornado público. Pena que vacilei e não vi aquele show.

Para minha sorte, no final de 1988 Cazuza voltou a São Paulo, desta vez para tocar no antigo Palace (hoje CitiBank Hall) e fazer o show que acabaria gerando, ao ser gravado no Rio, o emblemático álbum ao vivo O Tempo Não Para- Cazuza Ao Vivo. Um show inesquecível.

No início, apesar da energia do roqueiro e de sua banda, a plateia reagiu de forma um pouco fria. Isso, mesmo com o início arrepiante, com o cover de Vida Louca Vida, de Lobão, que no entanto a interpretação apaixonada do autor de Exagerado tornou sua para sempre.

Mesmo irritado, ele tocou o barco. Aos poucos, o público foi entrando no espírito anárquico do artista e se soltou, dançando, pulando, cantando junto e transformando o emepebístico Palace em uma arena rocker.

Aí, Cazuza se soltou, agradecendo o apoio, dizendo que queria fazer shows para pessoas bem loucas e descontraídas, sem frescuras, e proporcionando aos presente um show de maravilhoso rock and roll.

Exagerado, Faz Parte do Meu Show, a então inédita O Tempo Não Para (que Simone regravou de forma canhestra), Brasil (idem com Gal Costa) e Codinome Beija-Flor, só para citar alguns dos clássicos tocados por ele, fizeram a minha noite e a dos milhares de fãs presentes inesquecível.

No Diário Popular, no extinto caderno cultural intitulado Revista, coisa inédita para a publicação: duas críticas. Uma de minha autoria elogiando o show e a atitude de Cazuza em pedir a participação de todos.

Outra do editor (e meu mestre) Osvaldo Faustino criticando o cantor pelo fato de ele ter intimado os presentes a participar. Belo exercício de democracia. E as duas opiniões faziam total sentido, eram pontos de vista que se completavam muito bem, modéstia à parte.

E então, meses de sofrimento de vê-lo doente, da campanha idiota da revista Veja contra ele, o lançamento do inconsistente e duplo Burguesia em 1989 (na verdade uma desculpa para alguém muito doente ter motivação para conseguir se manter vivo, sem sombra de dúvidas) e, em 1990, a morte precoce aos 32 anos.

Duas curiosidades, uma engraçada, outra mórbida. A primeira: no lançamento de Burguesia, a Polygram realizou uma festa na qual todos recebiam o LP. Seis deles vieram com cupons, incluindo o meu. Dois desses seis foram sorteados e ganharam viagens para os Estados Unidos. Eu perdi. Foi o mais perto que fiquei, até hoje, de ir ao exterior…

A outra é quase macabra. No início de 1989, a morte do roqueiro do bem parecia iminente. Então, meu editor na época, Danilo Angrimani Sobrinho, pediu-me uma matéria sobra a carreira de Cazuza, para ficar na gaveta e ser publicada rapidamente no caso da morte do artista. Fiz a contragosto, rezando para que nunca fosse publicada.

Se a morte acabou sendo inevitável, ao menos demorou um ano e meio para que aquela matéria “mortuária” chegasse às páginas do jornal. Mas uma ironia: na época, a redação ainda era na base das máquinas de escrever, laudas de papel, edição na raça etc. E a matéria havia sido feita quando ainda não se sabia como seria Burguesia.

Nem o seu título, que durante meses foi divulgado como A Volta do Barão. Eu estava de folga, e quem publicou a matéria não se preocupou em revisar isso. Ou seja, o leitor do finado Dipo “ganhou” um álbum inexistente de Cazuza…

Cazuza foi um roqueiro perfeito. Voz cheia de energia que superava defeitos técnicos do tipo língua presa, letras maravilhosas e melodias sempre trazidas por parceiros inspirados. Quantas coisas boas a mais ele não teria feito, se não tivesse saído de cena em 1990… Ele só viveu 32 anos, que, no entanto, equivaleram a 60, 100, mais do que 2001… Saudades, exagerado, você faz muita falta!

Ritual– Cazuza: