george michael freedom doc-400x

Por Fabian Chacur

Muitas pessoas questionam a idoneidade de documentários sobre artistas que contam com a autorização dos mesmos para serem realizados, pois teoricamente permitiriam a eles ocultar fatos de suas vidas que achassem convenientes serem escondidos. No caso de George Michael, fica difícil contestar Freedom, que ele codirigiu e criou em parceria com o diretor David Austin. Lançado na Inglaterra em outubro de 2017, ele será exibido nesta sexta (6) às 7h e neste sábado (7) às 11h50 no canal a cabo Bis (saiba mais aqui).

O documentário estava praticamente concluído quando o cantor, compositor e músico britânico nos deixou, no dia de natal de 2016. Esse fato é revelado em seus primeiros minutos, pela modelo Kate Moss. Acabou se tornando uma espécie de despedida do astro, e de uma forma franca, aberta e abrangente. Temos entrevistas antigas e outras feitas especialmente para a atração por ele, além de depoimentos de celebridades como Elton John, Stevie Wonder, Ricky Gervais, Liam Gallagher, Nile Rodgers, Clive Davis, Mary J. Blige e diversos outros.

Valendo-se de vasto material de arquivo, o filme mostra George desde seus tempos de Wham!, duo criado com o amigo de infância/adolescência Andrew Ridgeley que o emplacou no primeiro escalão da música pop na primeira metade dos anos 1980, passando pelo megaestouro na carreira solo logo com seu primeiro álbum nessa fase, Faith (1987), que vendeu mais de 20 milhões de cópias em todo o planeta e permitiu a ele encarar Madonna, Michael Jackson e Prince na época, em termos de popularidade e prestígio.

Sem papas na língua, o autor de Father Figure admite que após os dez meses de duração da turnê que divulgou Faith, em 1988, ficou no “limite da sanidade”, e que, por isso, resolveu tomar uma opção radical para seu próximo álbum, Listen Without Prejudice Vol.1 (1990): não teria sua foto na capa do disco, não apareceria em seus videoclipes e também não promoveria o álbum com entrevistas.

O escritório americano da gravadora Sony, com a qual ele tinha contrato, não aceitou a proposta, e passou de forma velada a sabotar a divulgação do trabalho. Isso gerou uma extensa briga jurídica que levou o astro e a gravadora aos tribunais, em um processo que durou anos e se encerrou de forma desvantajosa para Michael. Esse embate é ilustrado com depoimentos do cantor e também de integrantes da sua equipe e da direção da gravadora naquele período, dando uma visão bem abrangente das posições dos lados envolvidos. Bem democrático.

Se depois conseguiu dar continuidade à sua carreira, esse lado profissional conturbado teve outro ponto a agravar a vida do artista na primeira metade da década de 1990: seu breve, porém marcante relacionamento com o brasileiro Anselmo Feleppa (1956-1993), que conheceu quando se apresentou no Rock in Rio, em janeiro de 1991. “Fui feliz com ele como nunca havia sido antes na minha vida”, afirma. Ele dedicou a música Jesus To a Child e o álbum Older (1996) ao ex-companheiro, além de definir esse CD como sobre luto (sua mãe morreu na mesma época, outro duro golpe sofrido por ele) e recomeço.

Bem franco ao falar sobre sua vida pessoal e profissional, Michael também é bem descrito por seus amigos e parceiros. Uma boa surpresa é saber o quanto o sempre ácido e irreverente Liam Gallagher, ex-vocalista do Oasis, era fã dele, elogiando-o de forma entusiástica. Stevie Wonder comenta sobre a química existente entre ele e George, que regravou e cantou em shows diversas músicas do autor de You Are The Sunshine Of My Life: “é algo que não dá para fingir”.

Um ponto bacana da personalidade de George Michael descrita pelo ator Ricky Gervais é a sua capacidade de nunca fugir de um assunto, mesmo os mais constrangedores ou polêmicos, como sua homossexualidade ou escândalos protagonizados por ele. O videoclipe da sensacional Freedom 90, protagonizado pelas cinco supermodelos mais badaladas da época, também é destrinchado de forma minuciosa, com depoimentos das beldades envolvidas.

Lógico que, em meio a tudo isso, a obra do astro pop aparece com destaque, ficando claro o como esse cara nos deixou um legado muito precioso em termos musicais, passando por pop, rock, black music, jazz etc, sempre com uma voz poderosa e recheada de alma. Compositor talentoso, ele também sabia como poucos interpretar material alheio, como suas expressivas e vibrantes releituras de Somebody To Love (Queen) e As (Stevie Wonder) deixam bem claro.

Franco, direto e sem maquiar incoerências e fraquezas, Freedom (o documentário) nos mostra um ser humano contraditório, mas repleto de pontos positivos, e que merece ser relembrado por tudo o que fez de bom durante seus 53 anos de vida. Um filme que nos faz rir, refletir, chorar e principalmente querer ouvir cada vez mais os ótimos trabalhos que George Michael nos deixou, um legado mais do que precioso.

Freedom ainda não foi lançado em DVD/Blu-ray, só estando disponível na programação de canais a cabo ou de streaming por demanda. Se sair em formato físico, compre na hora, se for fã do artista, pois valerá cada centavo que você pagar por ele. E uma dica: prepare o lenço na parte final de seus 95 minutos de duração, pois fica difícil não verter lágrimas, muitas lágrimas, nesses instantes finais.

Veja trechos do documentário Freedom: