bira sexteto do jo-400x

Por Fabian Chacur

Em 1984, eu integrava uma obscura banda de rock de nome Reflexo. Naquele período específico, éramos um quarteto e ensaiávamos em uma garagem do baterista, o glorioso Paulo “Prefeito” (que herdou o apelido do irmão, mas isso não vem ao caso aqui), em uma rua no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, próximo ao Parque do Ibirapuera. Um dia, para nossa surpresa, recebemos a visita de um vizinho ilustre, que morava ali pertinho.

Era o Bira, baixista que, então, integrava a orquestra do SBT, participando dos programas da emissora, em especial o de Silvio Santos. Extremamente simpático, ele bateu um gostoso papo conosco, falando de suas experiências no mundo da música e também de um músico amigo dele que inventava os acordes que tocava, nomeando-os como “fu” ou coisa que o valha. Foi marcante.

Anos depois, quando aquele soteropolitano simpático de meia idade já era conhecido nacionalmente como integrante da banda do programa de Jô Soares, tive a oportunidade de encontrá-lo novamente, já nos anos 1990, e rapidamente o cumprimentei e o lembrei dessa passagem entre nós. Mesmo com toda a fama que a aparição constante na telinha hipnótica lhe deu, ele se mostrava o mesmo, para minha felicidade.

E é com muita tristeza que neste domingo (22), Ubirajara Penacho dos Reis se foi, aos 85 anos, dois dias após ter sido internado com um AVC. O músico deixa quatro filhos e três netos, e uma legião de fãs pelo Brasil afora, conquistados por seu riso largo e imensa simpatia estampada em seu rosto.

Bira nasceu em Salvador em 5 de setembro de 1934. A música entrou quase por acaso em sua vida, pois ele pensava em ser médico, desejo que se encerrou após ter presenciado uma autópsia pela primeira vez. Não teve segunda… Depois, trabalhou como representante de um laboratório. Sua primeira atuação como músico foi tocando bongô. Depois, como cantor em um coral, época em que conheceu Tom Zé, ainda em Salvador.

Ele trabalhou com diversos artistas, entre eles Wilson Simonal, com quem tocou durante um ano e sete meses. Mas acabou se firmando como músico de TV, inicialmente na célebre banda do maestro Zezinho, dos programas de Silvio Santos, incluindo o célebre Qual é a Música?, um grande sucesso.

Mas foi já cinquentão, em 1988, que viu sua carreira ganhar um impulso imenso ao ser convidado para integrar a banda do talk show que Jô Soares faria no SBT, emissora para a qual se mudou após muito tempo na Globo. Logo em sua primeira aparição no Jô Soares Onze e Meia, no terceiro episódio da atração, teve uma interação com o humorista Agildo Ribeiro, que já havia trabalhado com ele e reconheceu sua risada inconfundível.

“Jô, eu já trabalhei com o Bira, ele vai te ajudar muito nesse programa”, eis o conselho que um gênio do humor deu ao outro. Conselho aceito, o baixista ficou com Jô durante quase 30 anos, no SBT e posteriormente na Globo, para onde o programa migrou, rebatizado com o nome Programa do Jô.

Ao lado de músicos talentosos como Derico Sciotti e Osmar Barutti, Bira ficou marcado por sua simpatia e a risada escancarada que dá para associar àquela venerada por uma encantadora música de seu conterrâneo Caetano Veloso, Irene (“quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada”). De quebra, volta e meia ele dava depoimentos que mostravam seu grande conhecimento musical.

Bira gravou dois discos com o grupo do programa televisivo, Quinteto Onze e Meia (1992) e Jô Soares e o Sexteto- Ao Vivo No Tom Brasil (2000), e fez alguns shows com o grupo fora do ambiente televisivo, sempre com boa repercussão.

O fim do Programa do Jô, em 2016, também marcou o encerramento dessa parceria de tanta qualidade. Em entrevista dada ao programa de Danilo Gentili, The Noite, em julho de 2018, Bira foi bem franco: “o fim do Programa do Jô foi equivalente a um soco no queixo, esse programa ajudou a mudar a minha vida, e sinto muito falta dele”. Em um ano pesado e muito difícil, não mais ouvir a risada do Bira equivale a um de seus pontos mais baixos. R.I.P., mestre!

Veja entrevista do Bira ao The Noite em julho de 2018: