jim morrison

Por Fabian Chacur

Jim Morrison foi uma das figuras mais enigmáticas da história do rock. Mistura de cantor, poeta, cineasta, performer e guru, durou apenas 27 anos. Ele se foi em 3 de julho de 1971, mesma data em que, dois anos antes (1969), nos deixava outra figura marcante da história do rock, Brian Jones, dos Rolling Stones. E com os mesmos 27 anos que Jones, Janis Joplin e Jimi Hendrix (estes dois em 1970) saíram de cena. Uma partida prematura, mas não inesperada, pois ele era mesmo uma vela ao vento, sempre prestes a se apagar.

Mas antes que se fosse, vítima de um até hoje suspeito ataque do coração em Paris, para onde havia se mudado nos primeiros meses de 1971, deixou-nos uma obra repleta de grandes momentos, criação artística e intensidade poucas vezes vistas em uma obra desse universo tão rico e diversificado que chamamos de rock and roll. Sua banda, The Doors, nunca foi e nunca será unanimidade, embora seja uma das mais influentes de todos os tempos.

Fui cativado pela banda dez anos após a morte de seu cantor, em um dos vários revivals em relação à sua obra, no início dos anos 1980, em função da utilização da música The End em uma cena emblemática do filme Apocalypse Now (1979), do cineasta Francis Ford Coppola. Comecei logo com o álbum de estreia, autointitulado e de 1967, que encontrei em uma rara e fora de catálogo edição nacional em vinil.

Trata-se de um dos melhores discos de estreia de uma banda de rock. Nunca vou me esquecer da primeira vez em que o ouvi. Logo de cara, veio aquele turbilhão intitulado Break On Through (To The Other Side), aquela improvável mistura de bossa nova, teclado eletrônico e rock pesado. E aquilo era só o começo! Também com bossa nova no meio, mesclada com pop, rock pesado e algo que ainda nem existia em termos de rótulo, o rock progressivo, Light My Fire foi a porta de entrada do grupo nas paradas de música pop.

E vale o registro, antes de continuar a falar sobre aquela estreia espetacular: embora experimental, ousado, elevando o sarrafo do rock enquanto arte lá para o alto, The Doors sempre foi uma banda de muito sucesso comercial, tanto que os seis álbuns de estúdio que lançou entre 1967 e 1971 atingiram o top 10 da parada americana, além de venderem muito em diversos outros países.

Quando Morrison se encontrou com o tecladista e também compositor Ray Manzarek (1939-2013) nos arredores da escola de cinema que ambos frequentavam, bastou recitar alguns versos do que viria a ser a música Moonlight Drive para que o novo amigo imediatamente vaticinasse que eles criariam uma banda de rock e ganhariam um milhão de dólares. “Penso a mesma coisa”, disse ele. E não deu outra.

Uma das razões pelas quais os Doors foram o que foram reside na soma de seus talentos. Morrison com sua voz ora agressiva, ora doce, mas sempre potente, e com seus versos viajantes e incisivos. Manzarek com seus teclados com elementos eruditos e jazzísticos. Robby Krieger e sua guitarra com elementos de música flamenca, e John Densmore e o espírito de um baterista de jazz. Uma fusão que os levou ao topo da cena roqueira de então.

Aquele incrível disco de estreia, que também trazia entre outros destaques a mitológica e extensa The End, a envolvente The Crystal Ship e a potente Soul Kitchen, além de uma inesperada releitura de Alabama Song (Whisky Bar) de Bertold Brecht e Kurt Weil, foi seguido no mesmo ano por uma espécie de continuação natural, Strange Days, com pérolas do porte de People Are Strange, Moonlight Drive, My Eyes Have Seen You e When The Music’s Over.

O sucesso levou os Doors aos grandes palcos, a excursões e a shows polêmicos nos quais Jim Morrison podia tanto dar uma aula de como se cativar uma plateia como eventualmente descambar para a pura baixaria provocativa, o que lhe valeu boas dores de cabeça com as autoridades e “com a política em particular.

A música criada por Jim e seus parceiros tem forte teor cinematográfico, pois inevitavelmente leva o seu ouvinte a associá-la a imagens, como se fosse a trilha sonora de relatos envolvendo sonhos, relações afetivas e profundas reflexões sobre a vida. Na verdade, os Doors foram provavelmente uma das bandas mais outsiders da sua geração, pois não se encaixava em nenhum rótulo ou turminha. Progressivo antes da hora? Hard rock? Blues turbinado? Pop apimentado? Eles eram isso e muito mais.

Morrison obviamente não deu conta de ser um símbolo sexual e estrela cintilante do rock, e mergulhou nos excessos típicos do rock- sexo, drogas, noites em claro, inconsequência. Pagou um preço caro, mas ele provavelmente não se importou em nenhum momento com aquilo. Viveu cada minuto, criou grandes canções, lançou elogiados e bem recomentáveis livros de poesia e nunca teve medo de defender suas ideias libertárias.

Além dos dois álbuns já citados, os Doors lançaram até 1971 os medianos (mas com alguns momentos fantásticos) Waiting For The Sun (1968) e The Soft Parade (1969) e os excelentes Morrison Hotel (1970) e L.A. Woman (1971), além do ao vivo Absolutely Live (1970). De forma póstuma, em 1978, saiu An American Prayer, com poemas previamente gravados por Morrison e com acompanhamentos instrumentais criados posteriormente por seus ex-colegas, incluindo a envolvente The Ghost Song.

Após a morte de seu cantor, o trio remanescente dos Doors tentou seguir em frente, lançando dois álbuns em 1972, Other Voices e Full Circle, mas ficou claro que, sem Morrison, não existiam os Doors, que se separaram pouco depois. Melhor ideia ocorreu nos anos 2000, quando Manzarek e Krieger se uniram ao cantor do The Cult, Ian Astbury, e foram para a estrada com o show The Doors Of The 21st Century, que tive a a chance de ver em 2004 em São Paulo, em um Credicard Hall lotadíssimo. Em uma palavra: maravilhoso.

50 anos após a sua morte, Jim Morrison continua sendo um dos grandes ícones do rock, e suas canções permanecem necessárias, sempre prontas a serem descobertas por novas gerações de rebeldes que não se contentem com trabalhos inconsistentes ou sem alma. Eles continuam e continuarão sempre sendo as portas para muitas descobertas.

The Doors- The Doors (1967)- ouça em streaming: