Mondo Pop

O pop de ontem, hoje, e amanhã...

Category: Discos indiscutíveis (page 4 of 14)

12 discos bem bacanas que eu ouvi durante o ano de 2017

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Por Fabian Chacur

A cada doze meses é a mesma coisa: eis as listas com os melhores discos do ano, os melhores livros do ano, filmes do ano etc. Cada vez mais, para quem pensar com um pouco mais de calma, ficará claro que esse procedimento se trata de algo realmente arrogante. Como definir o que é melhor, em um universo tão grande de lançamentos? E quem, no caso da música, ouviu tudo o que se lançou para se meter a fazer uma seleção realmente relevante?

Quer saber? Já me enchi disso. Não ouvi nem 10% do que saiu durante 2017, se tanto. E olha que eu tive a oportunidade de conferir bastante coisa. Mas ainda assim esse bastante é pouco. Então, para não fugir ao questionamento de “o que foi o melhor da música nos últimos doze meses”, serei menos arrogante. De tudo que conferi, eis 12 (só de sacanagem, saio dos 10 tradicionais) discos lançados entre 2016 e 2017 que eu adorei e recomendo com entusiasmo.

Você verão que tem realmente de tudo, desde trabalho de veteraníssimos até de gente de gerações mais recentes, com direito a rock, soul, MPB etc. É uma listinha muito aleatória. Mas quem ouvir esses trabalhos certamente irá curtir. E o legal: poucos (quem sabe, nenhum) deles consta das listas oficiais das grandes publicações. Divirtam-se, os links das resenhas seguem abaixo:

Entre o Mar e o Sertão- Marcos Lessa:

Marcos Lessa apresenta a sua elegância e classe em belo CD

As Coisas Simples da Vida- Hyldon:

Hyldon apresenta inspiração e boas canções em novo CD

Hybrido- Antonio Adolfo:

Antonio Adolfo relê o Wayne Shorter no ótimo CD Hybrido

Lindsey Buckingham- Christine McVie- Lindsey Buckingham-Christine McVie:

Lindsey Buckingham faz dupla perfeita com Christine McVie

Efeito Borboleta- Rodrigo Santos e Fernando Magalhães:

Efeito Borboleta, bela viagem rocker de Rodrigo e Fernando

Sessions II- Tony Babalú:

Tony Babalu reafirma amor à música em seu novo trabalho

Lighthouse- David Crosby:

David Crosby, ou a inquietude de um grande gênio do rock

Com Vida- Keko Brandão:

Com Vida traz a versatilidade do talentoso Keco Brandão

No Voo do Urubu- Arthur Verocai:

No Voo do Urubu é o Verocai mais inspirado do que nunca

Supermoon-Andre Gimaranz:

Andre Gimaranz lança seu CD Supermoon com show no Rio

Canção de Amor- Claudette Soares:

Claudette Soares nos encanta com seu CD Canção de Amor

The Laughing Apple- Yusuf/Cat Stevens:

Yusuf/Cat Stevens cativa com o álbum The Laughing Apple

Night And Day- Joe Jackson: 35 anos e ainda impecável

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Por Fabian Chacur

Em junho de 1982, Joe Jackson lançou o seu álbum mais ambicioso. Aos 27 anos de idade (completaria 28 em agosto daquele mesmo ano), o cantor, compositor e músico britânico havia surgido com força no cenário musical com uma sonoridade rotulada como new wave pela crítica, e conseguiu ótimos resultados comerciais. Mas Night And Day era um passo adiante dos mais arriscados, pois trazia uma sonoridade bem peculiar.

Ao invés do ótimo rock básico com elementos de reggae e pop presentes em hits como Is She Really Going Out With Him, I’m a Man e Fools In Love, Jackson parecia querer trazer para o seu universo próprio algo do surpreendente disco que lançou em 1981, Jumpin’ Jive, composto por releituras de clássicos da era do swing jazz dos anos 1930 e 1940.

Vale lembrar que ele era quase uma exceção em sua geração, pois tem o piano como o seu instrumento base, ao invés da guitarra. E, embora roqueiro de coração, Jackson traz uma formação composta também por música erudita e jazz, elementos que se incorporaram à sua formação quando estudou música formalmente. Portanto, era questão mesmo de tempo que isso aflorasse no seu trabalho.

Night And Day marcou a saída do artista da Inglaterra rumo aos EUA, mais precisamente a Nova York. Nos estúdios da Big Apple, ele teve a inspiração de usar como tema do novo álbum uma espécie de viagem de um dia por aquela cidade, iniciada à noite e encerrada de dia, como o título entrega. De cara, uma ousadia para aqueles dias: nada de guitarra. A formação básica do disco inclui teclados diversos, baixo, bateria e muita percussão.

Ele usou o seu piano como base para um som no qual a latinidade aflorou com força total, trazendo fortes elementos de salsa, mambo e até um bocadinho de bossa nova. O jazz dá o tom, com espaços para solos mas sem cair em uma proposta intrincada demais, sendo, portanto, bem acessível aos ouvidos médios. O tempero pop e elementos eletrônicos, além de pitadas de rock, arredondaram a coisa toda.

Completando tudo, Jackson nos oferece nove faixas, sendo cinco compondo o lado A do disco de vinil, a faceta “night”, e quatro no lado B, a parte “day”. As canções vão se entrelaçando, e funcionam como se fossem a trilha sonora que acompanha um novato na grande cidade, tentando descobrir suas nuances e superar suas dificuldades de contatos e assimilação com as pessoas.

A abertura com Another World é impactante, seguida pela percussiva e misteriosa Chinatown. T.V. Age, ironizando a forte influência da TV na vida das pessoas, é seguida pela salerosíssima Target, que abre alas para a incrível Steppin’ Out. Maior hit da carreira do artista (chegou ao 6º lugar nos EUA), tem uma batida rítmica mágica, que serve como uma transição da noite para o dia, representado pelas canções do lado B.

A parte day do álbum se inicia com a bela balada Breaking Us In Two, que traz em sua melodia, involuntariamente ou não, trechinhos de Steppin’ Out e da clássica Day After Day, hit do grupo britânico Badfinger. Cancer, com sua letra que lida de forma quase sarcástica com a gravidade dessa doença terrível, é outro orgasmo latino, no qual Jackson faz solos endiabrados de piano nos quais mostra um senso rítmico e melódico digno de um gênio dos teclados.

A introspectiva Real Man toca no sempre delicado tema da masculinidade, com um refrão onomatopaico cativante. O álbum é encerrado com uma balada arrebatadora, Slow Song, que desde então costuma encerrar seus shows, e na qual ele defende a necessidade das canções lentas em momentos decisivos da vida. Um encerramento classudo para um grande álbum.

Joe Jackson admite que temia pelo resultado comercial de Night And Day, pelo fato de ser muito diferente dos LPs que havia lançado anteriormente. O público, no entanto, não o decepcionou, pois o álbum atingiu o 3º lugar no Reino Unido e 4º nos EUA, sendo até hoje seu campeão de vendas. Um disco que soa moderno, delicioso e cativante, mesmo 35 anos após seu lançamento. Música boa é para sempre.

obs.: fiz o possível para escrever um bom texto sobre esse, que é um de meus discos favoritos, mas tenho consciência de que não cheguei nem aos pés da crítica que a minha ídala Ana Maria Bahiana escreveu na época, e que não só me levou a procurar esse álbum como, por tabela, acabou me tornando um fã entusiasmado de Joe Jackson. Valeu, Ana!

Night And Day– Joe Jackson:

Rumours, aquele limão azedo que virou a limonada perfeita

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Por Fabian Chacur

Diz um daqueles ditados antigos que se a vida te dá um limão, o melhor é tentar transformá-lo em uma limonada. Pois foi exatamente isso o que a banda anglo-americana Fleetwood Mac nos proporcionou em 1977. O quinteto transformou uma série de relacionamentos afetivos esfacelados, alto consumo de drogas e a enorme pressão para tentar repetir o sucesso de seu álbum anterior, Fleetwood Mac (1975), em um trabalho clássico, campeão de vendas e de qualidade artística, Rumours.

Para ficar mais claro o contexto em torno do qual Rumours foi gerado, vale um pequeno recuo no tempo. Criado em 1967 na Inglaterra por Mick Fleetwood (bateria) e John McVie (baixo), o Fleetwood Mac surgiu como um combo de blues rock, dos melhores, por sinal.

Com o tempo, foi trocando de integrantes e passou por uma fase de transição, incorporando elementos de folk, country e pop ao seu som. Esse período levou o duo fundador e também a mulher de John, a cantora, compositora e tecladista Christine Perfect McVie (que havia entrado na banda em 1970), a se mudar para os EUA.

Lá, iniciaram uma fase positiva, especialmente com a entrada do cantor, compositor e guitarrista Bob Welch. No entanto, não muito tempo após lançarem o álbum ironicamente intitulado Heroes Are Hard To Find (1974), que obteve o seu melhor desempenho na parada americana até então, a posição de nº 34, a péssima notícia. Welch resolveu sair fora do FM, rumo a uma carreira-solo, ele que dividia com Christine o posto de vocalista e compositor principal do grupo.

E aí, como sair dessa enrascada? A solução veio por acaso. Mick Fleetwood procurava um estúdio para gravar o próximo álbum do FM quando o engenheiro de som Keith Olsen mostrou a ele faixas do álbum que havia gravado no estúdio Sound City em 1973 com uma dupla então obscura formada por Lindsey Buckingham (guitarra, vocal e composições) e Stevie Nicks (vocal e composições). O baterista amou o que ouviu, especialmente as passagens de guitarra.

Dias depois, quando a saída de Bob Welch se materializou, Fleetwood ligou para Buckingham e o convidou a ser o novo guitarrista da banda. Ele disse que só aceitaria se pudesse levar com ele a namorada. A condição foi aceita, e nascia a formação clássica da banda, agora anglo-americana. E a estreia do time não poderia ter sido melhor, com um álbum autointitulado que vendeu dez vezes mais do que a média de seus trabalhos anteriores.

Melhor: atingiu, em setembro de 1976, o primeiro posto na parada americana, onde ficou por uma semana. A turnê que estavam fazendo, com shows sempre vibrantes, certamente ajudou na realização dessa façanha.

Só que, a essa altura, os problemas começaram a surgir em pencas para a banda. Logo de cara, a pressão do sucesso e da estrada os levou a aumentar em muito o consumo de drogas, tornando-os bastante dependentes desse tipo de aditivo para trabalhar.

De quebra, Christine se encheu das eventuais grosserias do marido e resolveu dar a ele o cartão vermelho, passando a namorar o iluminador dos shows do grupo. Por sua vez, Lindsey e Stevie, que se conheciam desde adolescentes, também começaram a brigar muito, e perceberam que o casamento deles também deveria acabar.

Como desgraça pouca é bobagem, Mick Fleetwood viu seu melhor amigo na época levar sua esposa, Jenny Boyd (irmã de Patty, mulher de George Harrison e depois de Eric Clapton, inspiração da música Layla).

O que esperar de um roteiro tenebroso como esse, piorado ainda mais em função da pressão da gravadora Warner por um novo álbum que conseguisse ir além do trabalho de estreia dessa nova escalação do FM? A separação do quinteto, ou ao menos a saída de alguns de seus integrantes, seria o rumo mais lógico. Mas não foi isso o que aconteceu.

Do jeito que dava, eles procuraram deixar as desavenças afetivas de lado e centrar fogo na criação artística. E, surpreendendo a muitos, puseram nas letras das músicas do novo álbum o enredo daquela confusão toda.

Não é de se estranhar, portanto, que por sugestão de John McVie o álbum tenha sido intitulado Rumours (boatos, fofocas, em tradução livre). Eram acusações, desabafos, lamentos, sonhos, planos e esperanças para tudo quanto é lado.

O mais legal é que esse bafafá todo gerou canções de rock simplesmente perfeitas, repletas de boas melodias, vocalizações impecáveis, arranjos instrumentais precisos e uma perfeição presente apenas no melhor pop. Nunca o termo agridoce se aplicou de forma tão perfeita a um produto artístico como aqui. Era a dor exposta de forma delicada, vibrante e positiva, como se isso fosse possível. Bem, para este quinteto, foi, sim.

A colaboração entre Stevie e Lindsey, o ex-casal mais briguento do time, chega a ser inacreditável, pois fica difícil acreditar que duas pessoas que praticamente se odiavam naquele momento pudessem, juntas, gravar músicas de forma tão entrosada e artisticamente impecável.

Ouça, por exemplo, Go Your Own Way, I Don’t Want To Know, Dreams e Second Hand News com esse background em sua mente. Definitivamente não dá para acreditar. Mas é real!

Enquanto isso, Christine escrevia e interpretava You Make Loving Fun em homenagem ao novo namorado, contando com uma performance maravilhosa de baixo do seu ex, que a infernizava fora das gravações.

Além disso, ela ainda compôs a belíssima balada Oh Daddy inspirada no sofrimento de Mick Fleetwood, que ficou afastado durante um bom tempo de suas duas filhas por causa do litígio com Jenny Boyd. Vale lembrar que, nesse período, as duas garotas do FM passaram a morar em apartamentos vizinhos, tomando conta uma da outra.

O vício de cocaína é o mote de Gold Dust Woman, de Stevie, enquanto Never Going Back Again, tocada por Lindsey acompanhado por violão com maestria, registra uma espécie de certeza de que os bons tempos de seu relacionamento com a colega de banda nunca mais voltariam.

Stevie reclamou do tom mais ácido do seu ex em relação à separação, mas ele garante que nunca disse que “queria sua liberdade”, como Nicks postou na letra de Dreams. Eita! Ah, e a musa pop teve um caso com Mick Fleetwood durante as gravações. Ok, ok!

A vibrante e positiva Don’t Stop, de Christine e na qual ela divide os vocais com Lindsey, é outro ponto alto do álbum, que por sinal só tem pontos altos. Songbird traz Miss McVie sozinha, voz e piano, em uma performance de fazer chorar até um freezer. E em The Chain, temos uma composição coletiva assinada pelos cinco, que fala exatamente sobre essa “corrente” que todos haviam prometido nunca quebrar.

Bem, em termos profissionais, eles de fato não quebraram, pois o Fleetwood Mac prosseguiria décadas afora, com alguns hiatos, mas sempre voltando com força. Rumours ficou incríveis 31 semanas não consecutivas no topo da parada ianque, gerou quatro singles que atingiram o top 10 (incluindo um número 1, Dreams) e vendeu mais de 40 milhões de cópias em todo o mundo, sendo mais de 20 milhões delas nos EUA. Isso é o que eu chamo de um limão bem aproveitado!

Rumours-Fleetwood Mac (ouça em streaming):

Surrealistic Pillow faz 50 anos como um marco psicodélico

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Por Fabian Chacur

Um bom disco de estreia que vendeu muito pouco, duas alterações importantes na formação e certamente o olhar atento da gravadora RCA Records (hoje, Sony Music), não muito afim de encarar outro fracasso comercial. Eis o clima envolvendo o lançamento de Surrealistic Pillow, o segundo álbum do grupo americano Jefferson Airplane, que chegou às lojas americanas em fevereiro de 1967.

A banda criada em 1965 pelo cantor e compositor Marty Balin na cidade de San Francisco vivia um momento de transição. Paul Kantner (vocal, guitarra e composições), Jack Casady (baixo) e Jorma Kaukonen(guitarra) procuravam substitutos para duas posições importantes. A boa vocalista Signe Toly Anderson preferiu largar o mundo do rock para criar o seu primeiro filho ao lado de um ativista político, afastando-se dos shows e da estrada para isso.

A saída de Skip Spence era previsível. Afinal de contas, não se tratava de um baterista de fato, e sim de cantor e compositor. Balin cismou que o cara seria o seu baterista, e durante um tempo, isso se materializou. Só que Spence era muito talentoso, e decidiu partir para montar a sua própria banda, a Moby Grape, que se tornaria cultuada no cenário do psicodelismo, e depois investiria em uma carreira-solo.

Jefferson Airplane Takes Off equivale a uma boa estreia, mostrando uma banda bem entrosada com uma sonoridade na linha do folk-country-rock e elementos do então emergente psicodelismo. Em alguns momentos, soavam muito próximos ao som do The Mamas & The Papas, um dos grandes sucessos do rock naquele momento. Mas as duas baixas ajudariam sua sonoridade a tomar rumos próprios e mais originais.

Como baterista, entrou no time Spencer Dryden, mais velho do que os outros integrantes e com forte formação jazzística. Nos vocais, uma surpresa: Grace Slick, que era a cantora de uma banda que tentava rivalizar com o Airplane na cena de San Francisco, a Great Society. Quando recebeu o convite para trocar de time, a cantora, compositora e pianista não pensou duas vezes. Ela sabia que teria muito mais chances de atingir o estrelato com o outro time.

Se Dryden se encaixou feito luva com Jorma e Casady, dois músicos com grandes recursos técnicos, Grace se mostrou ideal para impulsionar a banda rumo ao primeiro time do rock americano. Carismática, vozeirão e de uma beleza agressiva, ela de quebra ainda trouxe duas músicas do repertório do Great Society, a de sua autoria White Rabbit e Somebody To Love, de seu ex-cunhado Darby Slick. Bingo!

Foram exatamente essas duas canções que abriram as portas das paradas de sucesso para o JA. Lançada em single em abril de 1967, Somebody To Love atingiu o 5º posto na parada ianque e se tornou um dos hinos do chamado Verão do Amor. Por sua vez, White Rabbit virou um marco do psicodelismo, com seu andamento inspirado no Bolero de Ravel e letra baseada em Alice no País das Maravilhas. Saiu como single em junho daquele ano e chegou ao 8º lugar nos charts.

Embora excelentes, essas canções são apenas a ponta do iceberg aqui analisado. Surrealistic Pillow é uma das obras primas do rock psicodélico, e um dos campeões de vendagem nesse segmento roqueiro. Traz como característica canções mais concisas do que a média do estilo, mas com muita invenção e diversidade, além de uma performance vocal e instrumental dignas de uma banda do seu porte.

Além do incrível entendimento entre Dryden, Casady e Kaukonen, o Airplane trazia como armas o fato de ter três grandes vocalistas (com Jorma como uma espécie de D’Artagnan, cantando vez por outra). A voz potente de Grace se encaixou feito luva com a interpretação apaixonada e intensa de Marty Balin, e com o vocal de alcance médio, mas muito bem colocado, de Paul Kantner. Um trio de forte calibre.

O álbum possui várias colorações sonoras. She Has Funny Cars e 3/5 Of a Mile in 10 Seconds são dois rocks incisivos. My Best Friend (de Skip Spence) e How Do You Feel (do obscuro Tom Mastin) são as que mais se assemelham ao estilo do álbum de estreia, e são boas. O lirismo de Balin se manifesta na intensa Today e na introspectiva e dolorida Comin’ Back To Me. Jorma esbanja técnica e categoria na instrumental Embryonic Journey, que é só ele no violão e nada mais.

D.C.B.A-25 mostra Paul Kantner e Grace Slick terçando vozes, eles que acabaram se tornando um casal durante os anos de ouro do Airplane. O álbum se encerra com a vibrante Plastic Fantastic Lover, conduzida por uma levada compassada de bateria e uma linha de baixo genial, sendo que o vocal meio falado de Balin pode ser considerado como uma espécie de pré-rap. Não sei como nenhum artista dessa área pensou em regravá-la, tão óbvio é se associar seu pioneirismo nessa direção.

Surrealistic Pillow tornou o Jefferson Airplane popular, atingindo o 3º lugar na parada americana e abrindo os caminhos para que a banda se tornasse uma das mais cultuadas naqueles anos de ouro do rock, com direito a participações marcantes nos festivais de Monterey (1967), Woodstock e Altamont (ambos em 1969). Abriria as portas para discos ainda melhores, mas isso fica para uma futura resenha.

Surrealistic Pillow- Jefferson Airplane (em streaming):

50 anos do melhor álbum pré-fabricado da história do rock

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Por Fabian Chacur

Nos anos 80, meu grande amigo e mestre Ayrton Mugnaini Jr. me disse uma frase bastante significativa: o mundo da música pop não aceita o vácuo. Trocando em miúdos: quando um determinado artista deixa de fazer um tipo de música que lhe atraía muitos fãs e segue rumo a outras sonoridades, normalmente alguém irá se dar bem ao retomar esse estilo sonoro. Eis um dos segredos dos Monkees, cujo primeiro álbum saiu em 10 de outubro de 1966.

Em 1966, os Beatles viviam um momento de mutação sonora total. Com o lançamento do álbum Revolver e do single Paperback Writer/Rain, os Fab Four davam uma forte guinada rumo ao psicodelismo. Eles ampliavam seus horizontes musicais, e deixavam para trás os incríveis anos de A Hard Day’s Night (1964) e Help! (1965). Além disso, começaram a lançar novos trabalhos em doses homeopáticas, em relação ao que ocorreu entre 1963 e 1965. Isso deixava uma forte demanda reprimida no mercado musical.

É neste cenário que os produtores de TV Bob Rafelson (1933) e Bert Schneider (1933-2011) enfim conseguem emplacar um projeto que havia surgido de forma tímida em 1962: fazer uma série de TV baseada na carreira de uma banda fictícia de rock. Reza a lenda que até o grupo The Lovin’ Spoonful chegou a ser cotado para estrelar essa atração, mas foram postos de lado ao assinar com uma gravadora e entrarem no mercado musical de verdade.

Com o estouro dos Beatles e logo em seguida do seu primeiro filme, A Hard Day’s Night (Os Reis do Iê-iê-Iê),em 1964, Rafelson e Schneider viram que estavam no caminho certo, fato que o estouro de outra atração cinematográfica beatle, Help!, só tornou mais óbvio. E o contrato com a Screem Gems viabilizou o projeto. Agora, era só escolher os quatro caras para estrelar a atração. Um deles foi definido a priori.

O inglês Davy Jones (1945-2012) era famoso por atuar em atrações teatrais, além de também cantar. Curiosamente, ele se apresentou com o elenco de uma dessas peças no programa de Ed Sullivan no mesmo dia 9 de fevereiro de 1964 em que os Beatles apareceram pela primeira vez na TV americana, causando um verdadeiro pandemônio. A vez de Jones chegaria não muito tempo depois.

Como forma de atrair pessoas para uma seleção, os produtores colocaram anúncios nas publicações Daily Variety e The Hollywood Reporter procurando músicos/atores. Foram 437 os interessados. Curiosamente, apenas um deles entrou no time tendo atendido ao chamado, Michael Nesmith. Micky Dolenz já tinha um currículo como ator infantil e cantor e furou a fila, e Peter Tork veio indicado pelo amigo Stephen Stills, reprovado por causa de seus dentes.

Como forma de dar força ao programa, o produtor musical televisivo Don Kirshner ficou com a missão de buscar canções adequadas. Ele apostou em uma jovem dupla de músicos e compositores, Tommy Boyce (1939-1994) e Bobby Hart (1939), que acabou se incumbindo de boa parte das canções e também da produção do álbum. Também contribuíram o então desconhecido David Gates (que depois estouraria como líder da banda Bread), Carole King e Gerry Goffin.

No dia 16 de agosto de 1966, chega às lojas o single Last Train To Clarksville/Take a Giant Step, primeira gravação atribuída aos Monkees. Vale o registro: o programa de TV só estreou no dia 12 de setembro daquele ano, e quando isso ocorreu, esse compacto simples já estava ponteando as paradas de sucesso. E no dia 10 de outubro, chegava às lojas o primeiro álbum daquele verdadeiro fenômeno instantâneo.

Como os quatro integrantes dos Monkees não eram propriamente músicos treinados para tocar em grupo, ao menos não naquele momento, Kirshner preferiu apostar no talento de Boyce & Hart e de músicos de estúdio para as gravações. Nesmith conseguiu ficar com a produção das duas faixas de sua autoria, e encaixou nas duas a guitarra de Peter Tork, naquele momento o músico mais competente entre os quatro. E foi o único deles a tocar no disco.

Na verdade, nenhuma das 12 faixas de The Monkees conta com a participação dos quatro monkees juntos. Aliás, 8 delas só trazem um dos caras por vez. Micky Dolenz, o melhor cantor, ficou com o vocal principal de seis faixas, e em uma divide o microfone com Davy Jones, que por sua vez se incumbe dos lead vocals em três canções. As outras duas foram interpretadas por Mike Nesmith.

Por causa disso, e também pelo fato de a contracapa do álbum não listar o nome dos músicos de estúdio que participaram do trabalho, ficava no ar um clima de farsa, como se fossem eles os responsáveis por todos os sons incluídos no disco. Rapidamente, todos ficaram sabendo de como as coisas ocorreram de fato, e não demorou para que os Monkees recebessem o apelido de Prefab Four (os quatro pré-fabricados), um contraponto avacalhado aos Fab Four originais.

O público não ligou para isso, pois a série de TV era simplesmente hilariante, desenvolvendo com muita inteligência os rumos apresentados nos filmes dos Beatles, e a qualidade das músicas apresentadas em cada episódio ajudou a solidificar esse estouro. Resultado: grandes índices de audiência televisiva, e a chegada no dia 12 de novembro de 1966 do LP The Monkees ao primeiro lugar na parada americana, onde permaneceu durante 13 longas semanas.

O que dizer de um disco que traz clássicos maravilhosos do porte de Last Train To Clarksville, Take a Giant Step, Tomorrow’s Gonna Be Another Day, I Wanna Be Free e (Theme From) The Monkees? As canções conseguiram de forma brilhante emular o estilão beatle 1964/65 sem cair na mera cópia ou paródia. E o melhor de tudo, para eles: naquele período, John, Paul, George e Ringo estavam imersos no estúdio, longe dos palcos e preparando novo LP. O caminho estava livre para os Monkees reinarem.

Logo a seguir, os Prefab Four realizaram a façanha de substituir seu primeiro álbum no topo pelo segundo, More Of The Monkees, que a partir de fevereiro de 1967 se manteve liderando os charts ianques durante longas 18 semanas. Era a Monkee mania total! Aí, em maio de 1967, Headquarters, o terceiro álbum do grupo, marcou o início do maior envolvimento de seus integrantes, compondo, tocando e cantando, sem o apoio de Don Kirshner.

Headquarters ficou durante apenas uma semana na liderança dos charts americanos. Na semana seguinte, a ironia das ironias ocorreu. Eles foram apeados da ponta pelo Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o tão esperado novo álbum dos Beatles, que permaneceu por lá por 15 longas semanas. Os Monkees ainda conseguiriam grande sucesso com seu quarto álbum Pisces, Aquarius, Capricorn & Jones Ltda, que ficou cinco semanas no número 1, mas coube ao Magical Mystery Tour acabar com a festa de uma vez por todas.

Muitas outras coisas ocorreriam na história dos Monkees, que se tornaram uma espécie de boneco Pinnochio do sr. Gepetto ou do monstro do doutor Victor Frankestein, ganhando vida própria e virando uma banda de verdade. Mas nada supera o impacto desse seu disco de estreia, e de seus maravilhosos singles. Até mesmo um grupo pré-fabricado dos anos 60 merece estatura de mito… Anos incríveis mesmo!

The Monkees- The Monkees (ouça em streaming):

Pet Sounds e seu redemoinho de boas emoções e sensações

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Por Fabian Chacur

Pet Sounds completa 50 anos de lançamento neste mês de maio. O trabalho mais mitificado dos Beach Boys e presença inevitável na lista de melhores álbuns de rock de todos os tempos, trata-se de um disco que, tanto tempo depois de chegar ao conhecimento do público, permanece capaz de causar incrível prazer auditivo e mental a quem mergulha em seu conteúdo. Um clássico que merece essa badalação toda.

A semente que gerou a criação deste clássico CD foi a insatisfação de Brian Wilson, cantor, compositor e líder dos Beach Boys, ao ouvir Rubber Soul, dos Beatles, e se sentir muito atrás da banda britânica em termos criativos. Ele já estava cheio de falar sobre praias, sol, mulheres e diversão, sempre com uma base sonora leve e contagiante. A fórmula rendeu coisas muito boas, mas ele queria seguir adiante e não se repetir.

Como forma de tentar viabilizar esse objetivo ambicioso, resolveu deixar de participar dos shows da banda, passando a partir do final de 1965 a se dedicar exclusivamente ao trabalho de composições e de gravações do grupo. Convocou o letrista Tony Asher para ajuda-lo a traduzir em palavras seus sentimentos sobre amor, vida, sonhos, decepções etc. De quebra, resolveu transpor as fronteiras habituais e buscar outros instrumentos musicais e influências sonoras.

Foi dessa forma que nasceu Pet Sounds. Arranjos grandiosos, com direito a sonoridades até então não comuns no rock, incluindo instrumentos típicos da musica erudita e experimental, mudanças no andamento das canções, vocalizações elaboradas e tudo o que pudesse significar um novo rumo na vida musical dos Beach Boys. O grupo olhou esse desejo de Brian com certo temor, mas preferiu seguir os passos do líder, acreditando em sua intuição e talento. Fizeram bem.

Ouvir Pet Sounds equivale a uma bela viagem emocional, repleta de nuances sonoras e poéticas. Tudo começa com Wouldn’t It Be Nice, que coloca no condicional uma possibilidade aparente de felicidade, tipo “não seria legal se ficássemos juntos?”. As letras do álbum enveredam pela busca do amor, do seu eu interior, e da inadequação das pessoas mais sensíveis a um mundo costumeiramente violento, seco e sem espaços para o lirismo e o idealismo.

God Only Knows, sua música mais conhecida, é uma das declarações de amor mais belas jamais feitas (“só Deus sabe o que seria da minha vida sem você”). Here Today enfoca a fugacidade habitual do amor, enquanto Caroline No lamenta as mudanças ocorridas no comportamento da pessoa amada com o decorrer do tempo e o fim da paixão. I Know There’s An Answer vai fundo na ferida, com seus versos “eu sei que existe uma resposta, mas eu vou ter de achar por conta própria”.

O momento chave do álbum, e quem sabe para o que Brian Wilson sentia naquele momento de sua vida, aos 23 anos, é I Wasn’t Made For These Times, quando diz “aposto que não fui feito para esse tempo”. Não é de se estranhar que, nos anos que se seguiriam, o genial artista americano entraria em parafuso emocional, e teria muita dificuldade de lidar com a vida real, ficando muito próximo de enlouquecer ou mesmo morrer precocemente. Felizmente ele sobreviveu.

O resultado comercial de Pet Sounds nos EUA na época foi decepcionante, não passando do 10º lugar na parada da Billboard. Na Inglaterra, o trabalho se deu melhor. Mas os críticos gostaram, e mesmo vários colegas, entre eles Paul McCartney, que desde então sempre cita God Only Knows como sua música favorita de todos os tempos. Reza a lenda que Brian pirou após ouvir Sgt. Peppers, pois não se sentia à altura de tentar superar tal álbum.

Depois desse disco incrível, a genialidade de Brian Wilson permaneceu ativa. Smile, o clássico que ele desejava ser sua obra-prima, ficou pelo caminho e só se concretizou no longínquo 2004, quase 40 anos após o início de sua concepção. Valeu a espera, pois é um belo álbum, creditado a Brian Wilson como artista solo. Nada mais justo, pois Pet Sounds pode ser considerado, na prática, seu primeiro trabalho individual.

Brian Wilson fez coisas incríveis antes de Pet Sounds, e também faria, sozinho ou com os Beach Boys, outras maravilhas depois, como os ótimos álbuns Sunflower (1970), Surf’s Up (1971) e Holland (1973). Ficou bem, casou, teve vários filhos, voltou a fazer shows, esteve no Brasil e tudo. Tive a honra de apertar sua mão e ter meu Smile autografado por ele. Só Deus sabe a emoção que eu senti…

Obs.: uma última notinha: ouça Here Today e, na sequência, Alvorada Voraz, do RPM, e sinta como o riff da música da banda brasileira deve muito a uma parte da canção dos Beach Boys…

Pet Sounds– The Beach Boys (em streaming):

I Wasn’t Made For These Times– The Beach Boys:

Here Today– The Beach Boys:

Alvorada Voraz– RPM:

Live Music-Europe 2010- Joe Jackson Trio (2011- Razor & Tie)

Por Fabian Chacur

Joe Jackson é um dos grandes nomes surgidos no que se convencionou chamar de New Wave, no fim dos anos 70. Há quem o conheça apenas pelo hit Steppin’ Out, de 1982, ou quem sabe por Is She Really Going Out With Him, de 1979, o que é uma pena, pois esse cantor, compositor e tecladista britânico tem uma obra caudalosa e repleta de grandes momentos, como esse Live Music Europe 2010.

Com formação erudita e jazzística, Joe Jackson é no entanto um roqueiro por excelência. Na verdade, um fã de música que não tem pudores em misturar todas as suas influências e gerar uma sonoridade com apelo pop, mas repleta de sutilezas e com direito a canções simplesmente arrebatadoras. De quebra, ele também é um ótimo cantor, o que dá a seu trabalho uma consistência musical incrível.

Se é excelente nos estúdios de gravação, ao vivo ele simplesmente arrasa, improvisando com rigor jazzístico mas nunca deixando o virtuosismo atrapalhar a fluência das músicas que interpreta. Todos os seus discos ao vivo são muito legais, e este aqui, gravado durante vários shows em sua turnê europeia de 2010 não foge à regra, sendo mesmo um de seus melhores nesse formato, flagrando-o bem à vontade e solto.

Ao seu lado, compondo o Joe Jackson Trio, dois músicos que o acompanhavam no início de sua carreira: o baixista e vocalista de apoio Graham Maby, espécie de braço direito que está com ele em boa parte de sua trajetória solo, e o baterista e vocalista de apoio Dave Houghton, que o reencontrou há dez anos e vem se mantendo por perto nessa última década. Um trio simplesmente estupendo e entrosado até a medula.

Valendo-se apenas de alguns loops e recursos eletrônicos pré-gravados aqui e ali, o trio se mostra afiadíssimo. O repertório investe em canções de várias fases da carreira de Jackson, desde Got The Time e Sunday Papers, dos tempos da new wave, passando por Cancer, Chinatown, Slow Song e Another World, de sua obra-prima Night & Day (1982) e chegando à recente Still Alive, de 2004.

Os arranjos seguem os originais, mas abrem caminhos para novos elementos musicais e solos inspiradíssimos de Joe Jackson nos teclados. A trinca de covers que ele faz na sequência, no meio do show, é matadora: Girl, dos Beatles (no melhor esquema voz e piano), Inbetweenies (do saudoso Ian Dury) e Scary Monsters (de David Bowie), esta última nervosa e rocker.

Ao fim das 12 faixas que compõem o repertório de Live Music Europe 2010, será inevitável você ouvir de novo e de novo, pois além do repertório ser ótimo, a sequência de músicas e a performance da banda arrebatam o ouvinte. Duvido que alguém de bom gosto ouça esse álbum (que infelizmente não saiu no Brasil) e não se sinta tentado a descobrir mais músicas desse verdadeiro gênio pop. Faça isso, você não irá se arrepender…

Scary Monsters, com o Joe Jackson Trio:

Girl, com Joe Jackson:

Kaya, de Bob Marley, ganha bela reedição

Por Fabian Chacur

Depois de ser vítima de um atentado na Jamaica que quase custou sua vida e a de sua mulher, Rita, Bob Marley se mudou em 1977 para Londres, na Inglaterra. Lá, gravou uma série de canções que foram distribuídas em dois álbuns. Um, Exodus, saiu naquele mesmo ano e é considerado um de seus trabalhos mais bem-sucedidos.

O outro, Kaya, chegou às lojas em 1978, e não teve tanta repercussão, embora inclua um hit de proporções monstruosas, Is This Love. Como forma de celebrar os 35 anos de lançamento deste disco, a Universal Music acaba de lançar no Brasil uma reedição luxuosa que nos dá a oportunidade de reavaliar este belo trabalho do eterno rei do reggae.

Kaya é um álbum menos centrado na parte política da obra de Marley, concentrando-se mais em canções de amor e espiritualidade. Sua sonoridade é mais doce, pop e delicada do que a de Exodus, equivalendo a uma espécie de irmão mais tranquilo daquele álbum marcante. Mas ambos são ótimos, cada qual com suas peculiaridades.

Além do megahit, o disco inclui maravilhas como a cativante Easy Skanking, a envolvente Time Will Tell e as deliciosas Sun Is Shining e Satisfy My Soul. As sutilezas de seus arranjos aparecem com mais intensidade a cada nova audição, permitindo diferenciar melhor uma canção da outra e sentir suas riquezas melódicas e líricas.

A nova edição de Kaya inclui capa digipack tripla, um belíssimo encarte com 28 páginas repletas de fotos, texto impecável sobre o álbum, letras de todas as canções e ficha técnica completa das gravações, que foram feitas nos estúdios da Island Records, em Londres.

Se isso tudo não bastasse, temos ainda um segundo CD, que inclui gravação feita ao vivo em 7 de julho de 1978 de um show realizado por Bob Marley e sua banda The Wailers na cidade holandesa de Rotterdam. Em performance inspirada, ele interpreta duas canções de Kaya, três de Exodus e clássicos de seu repertório como No Woman No Cry, Get Up Stand Up e I Shot The Sheriff. São 13 músicas, em versões soltas e estendidas em relação às gravações de estúdio.

Essa impecável reedição de Kaya é mais uma prova de que nenhum dos discos de carreira lançados por Bob Marley na Island Records pode ser subestimado. Todos são bons, cada qual do seu jeito, e merecem ser apreciados por quem gosta não só de reggae, mas de música de qualidade em geral. Bob Marley (1945-1981) nos deixou um legado musical espetacular que será cultuado para sempre.

Ouça Is This Love, com Bob Marley & The Wailers:

Sunken Condos: som maneiro de Donald Fagen

Por Fabian Chacur

O mundo não anda dando moleza a nós, pobres seres humanos honestos que não aguentam mais essa profusão de picaretagem que domina todas as instâncias da vida atual. Sem recarregar as energias, torna-se quase impossível seguir em frente. E a música é uma boa forma de conseguir isso. Quer uma dica de um CD que pode te ajudar e muito nessa reposição de forças?

Fácil. O álbum em questão atende pelo título Sunken Condos, e chegou ao mercado musical nos formatos físicos e digitais em outubro de 2012. O autor do mesmo é um sujeito de altíssimo bom gosto chamado Donald Fagen, que muita gente conhece como mentor da seminal banda Steely Dan ao lado do também brilhante Walter Becker. Eita disquinho bom de se ouvir!

Nascido em 10 de janeiro de 1948 (tem 65 anos de idade), o norte-americano Donald Fagen é cantor, compositor e músico, especialista em teclados que vão desde o piano acústico até os mais diversos tipos de instrumentos dessa área. Com o Steely Dan, ajudou a criar uma sonoridade influente que mistura jazz, black music, rock e pop com uma sofisticação passível de ser assimilada pelos fãs de música popular.

Em 1983, quando o Steely Dan saiu de cena rumo a um hiato que duraria uma década, Fagen lançou seu primeiro álbum individual, o excepcional The Nightfly, com direito a hits como I.G.Y. (What a Beautiful World) e New Frontier. O requinte e a obcessão pela busca da perfeição levou ele a gravar o álbum de forma totalmente digital, um dos primeiros discos feitos com essa orientação técnica.

Sem nenhuma pressa, ele só foi lançar um novo trabalho solo em 1993, o inspirado Kamakiriad, produzido por Walter Becker. Com o retorno pouco depois do Steely Dan, Mr. Fagen só nos ofereceu seu terceiro trabalho individual em 2006, o (adivinhe?) excelente Morph The Cat. E agora, apenas seis anos depois (rapidinho para o seu padrão), chega esse envolvente novo petardo.

Sunken Condos é mais do mesmo, sim, mas um mais do mesmo repleto de tesão, energia, bom gosto e requinte. Um trabalho tão sofisticado que cada nova audição revela elementos novos, inseridos de forma inteligente em cada segundo, cada acorde, cada sequência rítmica, cada riff. É muito difícil não deixar o perfeccionismo exagerado levar consigo a paixão que a música precisa ter, mas Donald Fagen sempre se dá bem nesse desafio.

São nove faixas, sendo oito de autoria do criador do Steely Dan e uma, Out of The Ghetto, assinada pelo saudoso e genial Isaac Hayes e lançada pelo autor em 1978. Com bela melodia, ritmo delicioso e letra irônica (“você pode sair do gueto, mas o gueto sempre estará dentro de você”), parece ter sido escrita pelo próprio Fagen, especialista em versos irônicos e inteligentes.

Em Slinky Thing, por exemplo, ele filosofa sobre a relação de um homem com uma mulher bem mais nova, chegando ao ponto de admitir se não seria melhor para ela largá-lo para ficar com alguém de sua idade. Mas não deixa esse pensamento estragar o prazer daquela relação.

Na sacudida I’m Not The Same Without You, ele surpreende quem se leva pelo titulo (eu não sou o mesmo sem você, em tradução livre) e imagina mais um muro de lamentações pop. Pelo contrário. Fagen coloca seu personagem como alguém que está feliz por, sem o antigo amor, conseguir descobrir um monte de coisas boas e novos rumos para buscar sua felicidade. Ou seja, “estou melhor sem você”.

Miss Marlene, uma verdadeira aula de música pop balançada, tem ecos de I.G.Y (What a Beautiful World) e poderia virar hit se vivêssemos em um mundo mais preocupado com música pop de qualidade. Mas dane-se. Aqui em casa, já virou hit.

E o resto do álbum é uma delícia, prova de que dá para ser ao mesmo tempo sofisticado e acessível. Vá por mim. Ouça Sunken Condos e deixe que suas nove faixas injetem em você os fluidos necessários para aguentar mais encrencas na sua vida cotidiana. Valeu, Mr. Fagen!
*obs.: e que capa linda! Uau! Com direito a embalagem digipack e encarte supimpa!

Ouça Sunken Condos, de Donald Fagen, na íntegra:

The Next Day é David Bowie inspiradíssimo

Por Fabian Chacur

Demorei bastante para resenhar The Next Day, primeiro trabalho de inéditas de David Bowie após 10 longos anos nos quais se imaginava termos perdido de vez o Thin White Duke. O álbum está há mais de um mês nas lojas brasileiras, em bela edição de luxo com direito a 17 faixas, três a mais do que a versão comum.

E qual a razão de tanta demora? É que eu fiz questão de ouvir muito e muito o álbum antes de escrever sobre ele. E quer saber? Valeu a pena. Dessa forma, posso cravar, sem medo de errar, que The Next Day é não só um dos melhores trabalhos do genial cantor, compositor e músico britânico, como tem tudo para ser eleito o melhor lançamento de 2013. E quem diz isso é alguém que tem todos os álbuns do cara, os ouviu muito e não baba ovo para todos. Opinião de fã, sim, mas fã consciente dos altos e baixos de seu ídolo.

No Reino Unido, o álbum entrou direto no primeiro lugar. No disputado mercado americano, vendeu 85 mil cópias na semana de lançamento no fim de março e atingiu o segundo lugar, melhor posto já obtido por um álbum de David Bowie no mercado americano. Station To Station (1976- nº3) e Let’s Dance (1983- nº4) haviam sido os melhores resultados anteriores do roqueiro britânico. Os fãs estavam ávidos por novas músicas do autor de Heroes.

A boa expectativa criada pelos dois singles lançados previamente, a melancólica e tocante balada Where Are We Now? e o rockão The Stars (Are Out Tonight) se confirmou por completo. The Next Day é, acima de tudo, um álbum recheado de grandes canções.

O clima musical traz boas referências de sua produção do fim dos anos 70, especialmente do álbum Scary Monsters (1980), com uma poderosa fusão de climas misteriosos, guitarras nervosas, boas melodias e uma diversidade musical que foge da mesmice com grandes resultados. E a voz do astro continua incisiva e com aquele timbre inconfundível.

Os fãs da faceta mais pop de Bowie irão vibrar com as deliciosas Valentine’s Day e Dancing Out In Space, por exemplo. Os mais roqueiros se deliciarão com as vibrantes The Next Day, (You Will) Set The World On Fire e I’d Rather Be High, enquanto quem curte o lado soul do mestre irão se arrepiar com a belíssima You Feel So Lonely You Could Die.

A competência dos músicos participantes (entre os quais a baixista Gail Ann Dorsey, os guitarristas Earl Slick e Gerry Leonard e o baixista Tony Levin) e a produção do velho parceiro Tony Visconti dão ao álbum uma sonoridade ao mesmo tempo vintage e atualizada. Não, Bowie não está se repetindo, e sim aproveitando de forma inteligente elementos já usados por ele antes para criar novas canções relevantes.

A capa, que reaproveita de forma surpreendente a arte do clássico LP Heroes, aparece em belíssima embalagem digipack. Minha única restrição fica em relação ao encarte, com os créditos e letras em letras pequenas e diagramação que dificulta e muito a leitura. Afora isso, The Next Day é um clássico instantâneo que cresce a cada nova audição.

Ouça The Next Day, de David Bowie, na íntegra:

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