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Category: Grandes nomes esquecidos (page 1 of 17)

Luiz Gonzaga Jr.- Luiz Gonzaga Jr. (EMI-Odeon-1973)

luiz gonzaga jr 1973-400x

Por Fabian Chacur

Quando lançou o seu 1º álbum, Luiz Gonzaga Jr. (1973), no ano em que completou 28 anos, Gonzaguinha já tinha uma trajetória com boas realizações em seu currículo. Não é de se estranhar que soe como um trabalho bastante maduro e bem formatado. Ele entrou em estúdio com experiência suficiente para dar conta do recado com categoria. Para situar bem o leitor, vamos fazer uma viagem por essa fase inicial da carreira deste grande cantor, compositor e músico.

Gonzaguinha foi fruto de um relacionamento de menos de dois anos entre seu pai, Luiz Gonzaga (1912-1989) e a cantora, dançarina e compositora Odaléia Guedes dos Santos. Eles se conheceram quando ela fez vocais de apoio em gravações do Rei do Baião, como integrante do coro de Erasmo Silva. Foi ele quem sugeriu a Gonzaga que hospedasse a jovem artista, que há pouco havia sido expulsa de casa.

Odaléia também atuava no Rio de Janeiro em dancings, salões de baile nos quais os frequentadores pagavam para dançar com as meninas disponíveis, que tinham cartões nos quais marcavam suas atividades. O músico pernambucano não aceitava o jeito mais independente e rebelde da parceira. Mesmo assim, tiveram um filho, que nasceu no dia 22 de setembro de 1945.

Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. teve pouca convivência com a mãe. Por volta de dois meses após o nascimento de Luizinho (como ele era chamado quando era criança), Odaléia foi diagnosticada com tuberculose, e precisou ser internada em Minas Gerais. Gonzagão, então, pediu aos padrinhos da criança, seus amigos desde que chegou ao Rio, em 1939, que cuidassem dele.

Entre idas e vindas, Odaléia acabou falecendo por volta dos 23 anos, quando o filho não tinha nem 4 aninhos. O pai se casou com Helena em 1948, e ela não aceitou que o sanfoneiro levasse o garoto para morar com eles. Aí, os padrinhos, Leopoldina (Dina) de Castro Xavier e Henrique Xavier Pinheiro, o Baiano do Violão, passaram a criar de forma efetiva Luizinho.

Dina sempre fez de tudo para manter o menino próximo do pai, levando-o para visitá-lo de forma regular. Morando no Morro do São Carlos, no célebre bairro do Estácio, um dos berços do samba carioca, Luizinho aprendeu as malandragens na rua e também se apaixonou pela música, inspirado no pai, no padrinho e naquilo que ouvia nas programações das rádios de então- boleros, sambas-canção, baião, som de orquestras etc.

Rebelde e introspectivo, Gonzaguinha resolveu aos 16 anos tentar se aproximar do pai de uma forma mais efetiva, indo morar com ele. A madrasta desta vez aceitou, mesmo a contragosto, e dessa forma duas pessoas com personalidades muito distintas foram aprendendo a se entender aos poucos, mesmo que aos trancos e barrancos.

O autor de Asa Branca queria que o filho tivesse um curso superior, “virasse doutor”, como se dizia na época. Luizinho estudava, mas a música sempre se mostrou uma opção profissional que cresceu cada vez mais na sua vida. E, ao contrário do que alguns pensam, foi exatamente o pai quem lhe abriu as portas na carreira que viria a exercer.

Em 1964, Gonzagão gravou pela primeira vez uma música de seu filho, Lembrança de Primavera (ouça aqui), incluída no seu álbum A Triste Partida e canção que Luizinho escreveu quando tinha apenas 14 anos.

Papai mostrou que tinha fé no seu rebento, pois em seu álbum seguinte, Quadrilhas e Marchinhas Juninas (1965), registrou mais duas canções dele, Matuto de Opinião (ouça aqui) e Boi Bumbá (ouça aqui).

O álbum Canaã (1968), de Gonzagão, marcou o auge desse período, pois inclui nada menos do que quatro composições assinadas por Luiz Gonzaga Jr.: Pobreza por Pobreza (ouça aqui ), Erva Rasteira (ouça aqui), Festa (ouça aqui) e Diz Que Vai Virar (ouça aqui).

Quando resolveu gravar um álbum com canções de novos valores da música brasileira, O Canto Jovem de Luiz Gonzaga (1971), o Rei do Baião obviamente não iria deixar seu filho de fora, e não só registrou Morena (ouça aqui) como convidou-o para um dueto na releitura de Asa Branca (ouça aqui).

Completa essa sequência a música From U.S. Of Piaui (ouça aqui), composição de Gonzaguinha que Gonzagão gravou em seu álbum Aquilo Bom (1972). Vale registrar que o jovem compositor, que raramente pedia dinheiro ao pai, teve como ganhos iniciais no mundo musical exatamente os direitos autorais provenientes dessas gravações.

Entre 1964 e 1972, portanto, Luiz Gonzaga gravou nada menos do que 9 composições do filho em seus discos. De quebra, ainda foi o padrinho de casamento do seu herdeiro em 1971, com Angela Porto Carreiro. Ou seja, aquela história de que eles só se entenderam a partir de 1979, quando gravaram juntos A Vida do Viajante, é pura balela.

Uma das razões pelas quais Gonzaguinha passou a morar com o pai foi para poder ingressar em uma universidade, algo que seus padrinhos não tinham como ajudá-lo a fazer em termos financeiros. E isso ocorreu em 1967, quando ele entrou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes com o intuito de se tornar economista.

A entrada no meio universitário o ajudou a se aproximar de outros talentos musicais. O primeiro trabalho de Gonzaga Jr. fora do universo do pai ocorreu quando compôs a trilha sonora da peça teatral Joana em Flor, do grupo teatral Arena da Ilha (no caso, a do Governador). Nessa mesma época, foi levado pela amiga Angela Leal (que depois se tornaria uma famosa atriz) a uma certa casa situada na rua Jaceguai nº 27, no bairro da Tijuca.

Naquela residência simples de classe média, o médico Aluizio Porto Carrero, que também era músico, fazia reuniões musicais no melhor espírito dos saraus de antigamente. Ele, a esposa Maria Ruth e as filhas Angela e Regina recebiam jovens amigos, geralmente estudantes universitários, para tocar música e conversar. Gonzaguinha se sentiu à vontade logo na primeira visita.

Em 1968, Gonzaguinha lançou o seu primeiro disco, um compacto simples produzido por conta própria incluindo Tema Joana em Flor (ouça aqui), da trilha da peça teatral Joana em Flor, e Pobreza por Pobreza (ouça aqui).

Esta última, além de ter sido posteriormente gravada pelo pai, participou do I Festival Universitário da Música Brasileira, realizado pela TV Tupi. A composição ficou entre as finalistas, e acabou incluída no LP do evento em interpretação do cantor Jorge Nery (ouça aqui ). E foi ali que ele conheceu um de seus melhores amigos na cena musical, Ivan Lins.

Vale dizer que, a partir de 1965, os festivais de música se tornaram a grande plataforma através dos quais os novos nomes chegavam ao grande público. Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jair Rodrigues, entre outros, ganharam fama participando dessas competições organizadas pelas emissoras de TV.

Interagindo na casa da rua Jaceguai com Ivan Lins (que também se tornou figura assídua por lá), Aldir Blanc, Cesar Costa Filho, Guinga e outros jovens talentos, Gonzaguinha foi mergulhando cada vez mais na cena dos festivais, e em 1969 foi o vencedor do II Festival Universitário, da TV Tupi, com a música O Trem (Você se Lembra Daquela Nega Maluca Que Desfilou Nua Pelas Ruas de Madureira?) (ouça aqui).

Com elaborado arranjo fortemente influenciado pelo jazz de artistas como Miles Davis e escrito pelo consagrado músico Luizinho Eça, O Trem recebeu vaias intensas do público, obviamente não preparado para ouvir algo tão refinado, e com uma letra profunda e inspirada na fugacidade e dificuldade da vida de uma pessoa comum.

A vitória valeu a Luiz Gonzaga Jr. um contrato com o selo Forma, da gravadora Philips. Naquele mesmo 1969, outro resultado expressivo: venceu na categoria melhor letra com Moleque (ouça aqui) no 5º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.

Em 1970, a turma da Rua Jaceguai resolve participar do 5º Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela Rede Globo. Embora apresentem suas músicas de forma individual, os integrantes usam coletes da mesma cor e se definem como MAU (Movimento Artístico Universitário).

Ivan Lins atinge o 2º lugar, com O Amor é o Meu País, e Gonzaguinha fica com o 4º posto com Um Abraço Terno em Você, Viu, Mãe? (ouça aqui), canção que cita Asa Branca e é claramente inspirada em Tropicália, também aproveitando elementos de versos da mesma.

No III Festival Universitário da Canção, Gonzaguinha participa com Parada Obrigatória Para Pensar (ouça aqui), que seguia a mesma fórmula elaborada de O Trem e lhe valeu um honroso 4º lugar na classificação geral.

O bom desempenho dos integrantes do MAU no 5º FIC chamou a atenção de sua organizadora, a TV Globo, que pensava em fazer um programa musical dedicado aos jovens. Surgiu, dessa forma, o Som Livre Exportação, que no início de 1971 trazia como apresentadores Ivan Lins e Elis Regina e a turma de universitários participando, entre eles Gonzaguinha.

Após o contrato inicial, de dois meses, a Globo ofereceu renovação a apenas três integrantes do MAU: Ivan, Gonzaguinha e Cesar Costa Filho. Eles aceitaram, e assim tivemos o fim do movimento. O programa durou aquele ano de 1971, e teve boa repercussão perante o público.

Gerou o lançamento de dois LPs com performances dos convidados e dos apresentadores, com duas músicas inéditas de Gonzaguinha: Eu Quero (ouça aqui), bastante inspirada em Batmacumba, de Gilberto Gil, e Raça Superior (ouça aqui), ironizando o brasileiro naquele momento.

Mesmo com a presença expressiva de Luiz Gonzaga Jr. nos festivais e na mídia, o selo Forma não se mostrava animado em investir em um LP dele. Naquele ano efervescente, lançaram apenas um compacto simples (com Afriasiamérica) e um compacto duplo que destacava a faixa Por Um Segundo.

Por Um Segundo (ouça aqui), com sua roupagem meio soul pop que caberia feito luva na voz de Wilson Simonal, foi a que mais tocou em rádios, e é excelente, embora à parte do estilo habitual do cantor e compositor carioca.

A experimental e roqueira Afriasiamérica (ouça aqui), a lírica e no melhor estilo voz e violão Felícia (ouça aqui) e a deliciosa Plano Sensacional (ouça aqui), com inspiração no estilo de Milton Nascimento, são provas da qualidade da sua produção na época.

O compacto duplo era completado por Sanfona de Prata (ouça aqui), uma tocante homenagem ao pai que ressalta sua proximidade com o povo e as viagens pelo país inteiro divulgando a cultura popular. Embora ainda em processo de amadurecimento, ele já merecia a deferência de lançar um LP.

Com o fim do Som Livre Exportação e o aparente desinteresse da Forma/Philips em investir mais forte na sua carreira, Gonzaguinha assinou em 1972 um contrato com a EMI-Odeon.

Sua estréia na nova casa fonográfica foi no formato compacto, trazendo uma nova e bem melhor versão de Pobreza Por Pobreza (ouça aqui) e Mundo Novo Vida Nova (ouça aqui), linda canção que em 1969 foi interpretada por Claudete Soares no 2º Festival Universitário da Música Brasileira e em 1980 seria gravada por Elis Regina no álbum Saudade do Brasil.

O último lançamento daquele 1972 foi Depois do Trovão (ouça aqui), que concorreu no 5º Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora e foi incluída no LP com músicas daquele evento em versão ao vivo voz e violão, na qual Gonzaguinha cita novamente Asa Branca.

As músicas lançadas pelo autor de Explode Coração no selo Forma foram reunidas e lançadas no CD Gonzaguinha (2001), em ótimo trabalho do pesquisador Marcelo Fróes. Só ficou de fora Raça Superior, lembrando que as versões originais de Tema Joana em Flor e Pobreza por Pobreza são de um compacto independente. Esta última entrou no CD com Jorge Nery.

Em 1973, portanto, Luiz Gonzaga Jr. estava mais do que pronto para lançar um consistente álbum de estreia. E foi exatamente isso o que ele fez. A direção musical ficou a cargo do então já veterano Maestro Lindolfo Gaya (1921-1981). Para atuar como assistente de produção, orquestrador e regente, entrou em cena o brilhante J.T. Meirelles (1940-2008), conhecido por sua atuação com o grupo Copa 5.

O principal mérito dos arranjos neste álbum é não se perder em climas rebuscados que eventualmente frequentavam algumas gravações na época. As roupagens sonoras procuravam enfatizar as letras e os vocais.

O disco não traz ficha técnica completa, mas é possível deduzir que o guitarrista e violonista Sidney Mattos(que é citado nos agradecimentos especiais) tenha tocado nele, pois o músico tinha sido colega de Gonzaguinha no MAU e está na ficha técnica do segundo álbum do artista, de 1974.

A capa é enigmática. De forma apressada, pode parecer uma foto do artista em um porta-retratos cujo vidro estaria rachado. No entanto, se olharmos mais atentamente, podemos imaginar que seja, na verdade, o reflexo de Gonzaguinha em uma janela ou espelho, que estava refletindo também uma árvore. Como a outra foto do álbum traz o cantor atrás de plantas, esta segunda hipótese se mostra a mais pertinente.

As 10 faixas deste trabalho giram em torno de estilos musicais que seriam constantes nos álbuns de Gonzaguinha. Basicamente, bolero, baião, samba e rock sob o viés de Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Vamos a uma análise música a música deste LP.

Sempre Em Teu Coração (ouça aqui)

O álbum abre com uma canção lírica, com um delicado arranjo de cordas ao fundo e violão conduzindo tudo. A influência do Clube da Esquina se mostra nítida. A letra é ambientada em um salão de danças, certamente inspirada na atuação da mãe Odaléia, e cita a Orquestra de Waldir Calmon (1919-1982), que viveu o seu auge na década de 1950, ou seja, na infância-adolescência de Gonzaguinha. Ele exploraria esse mesmo universo futuramente.

Minha Amada Doidivanas (ouça aqui)

Neste bolero estilizado, o ouvinte desavisado pode achar que se trata de alguém lamentando um amor persistente por uma pessoa que o despreza em nome de outra pessoa-paixão. No entanto, a citação de trecho do Hino Nacional Brasileiro (para ser mais preciso, “No Teu Seio Mais Amores”) e os versos “dói saber, amada tropicana, somente eu não estou a fim de te explorar, doidivana” deixam claro se tratar de lamentações contra a ditadura militar que deitava e rolava naquele cinzento Brasil de 1973.

Página 13 (ouça aqui)

Em sua carreira, Gonzaguinha sempre se mostrou um ácido cronista do cotidiano brasileiro. Aqui, em uma mistura de samba-canção e jazz rock (com passagens de metais e guitarra simplesmente matadoras), narra a tragédia ocorrida com um vizinho que ele tinha em grande conta por razões absolutamente superficiais, e que acabou virando estrela macabra de matéria em um jornal popular. Ele tira conclusões acerca de um cara que viveu por 10 anos na vizinhança, e que ele só encontrava no elevador e de quem nem sabia o nome, “ele nunca falou”. Obra-prima, raramente citada.

Românticos do Caribe (ouça aqui)

Essa faixa é mais uma prova concreta de como o romantismo sempre fez parte da obra deste artista, taxado por alguns apressados como “cantor-rancor” nessa sua fase inicial. Com direito a uma guitarra jazzística e musicalidade envolvente, o tema aqui é uma relação afetiva que de certa forma entrou no piloto automático, longe da paixão dos tempos iniciais. E o que Gonzaguinha propõe é exatamente isso, a retomada do prazer da dança ao som de um bom bolero à meia luz. O romance resiste!

Sim, Quero Ver (ouça aqui)

Com tempero de samba-canção e acompanhamento em ritmo meio marcial, o tema aqui é o desejo de ver a festa de volta, “sem máscaras negras e com o pierrot vencendo o arlequim”. Lógico que o assunto aqui é o repúdio à ditadura militar e o sonho do retorno à democracia. A interpretação sutil e delicada em termos vocais mostra o quanto o Gonzaguinha cantor havia amadurecido em relação aos anos anteriores.

A Felicidade Bate à Sua Porta (ouça aqui)

Um dos temas recorrentes de Gonzaguinha é o retorno da festa, da alegria, de um tempo mais alegre e pra cima, em meio àqueles anos de chumbo vividos durante a ditadura militar. Aqui a abordagem é do tipo vamos voltar aos bons tempos da felicidade com a ajuda de um certo trem da alegria, “e que importa a mula manca, se eu quero…”. O arranjo pende para o rock latino percussivo. Com uma roupagem disco music, esta canção se tornaria o primeiro hit das Frenéticas, em 1977.

Palavras (ouça aqui )

Este samba-canção com um certo tempero de fado é explícito ao condenar quem fala muito e não faz nada para minorar ou mesmo acabar com o sofrimento e a tristeza. O ouvinte mais atento pode identificar ecos melódicos de Negue (Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos), clássico da nossa música que fez sucesso nas vozes de Nelson Gonçalves, Maria Bethânia e até do Camisa de Vênus.

Moleque (ouça aqui)

Esta canção equivale a um auto-retrato do autor, lembrando de suas origens como moleque nas ruas do Morro do São Carlos, onde aprendeu muito sobre a vida e firmou sua personalidade irreverente, contestatória e inconformista. A gravação original de 1969 trazia um arranjo orquestral um pouco rebuscado demais. Aqui, o acompanhamento é exato, com ênfase na parte rítmica (bem nordestina), uma flauta precisa e o vocal de Gonzaguinha mandando uma de suas melhores letras. Ele a regravaria em 1977, em pot-pourry com Festa, no álbum intitulado, não por acaso Moleque Gonzaguinha. Uma das canções essenciais do songbook gonzaguiano.

Comportamento Geral (ouça aqui)

Se em outras canções tínhamos críticas feitas de forma um pouco mais sutil, aqui o filho do Rei do Baião vai direto ao assunto, ironizando o conformismo das pessoas ao aceitar as imposições dos patrões e dos ditadores de plantão. “Você merece, você merece, tudo vai bem, tudo legal, cerveja, samba e amanhã, seu Zé, se acabarem com o teu carnaval?”, diz o ácido refrão. Este samba fantástico foi lançado em compacto simples que rapidamente vendeu mais de 20 mil cópias, especialmente após ter sido apresentado no Programa Flávio Cavalcanti, uma das maiores audiências da TV de então. Outro momento estelar da obra de Gonzaguinha.

Insônia (ouça aqui)

O momento mais introspectivo e tenso do álbum, e que o encerra, começa com o tic-tac de um relógio e flagra alguém na cama, de madrugada, tenso e obviamente inseguro com aqueles dias cinzentos, com versos agudos como “e esse lençol gelado,e esse sono que não vem”.

A versão em CD de Luiz Gonzaga Jr. saiu em 1997 incluindo como faixa-bônus Depois do Trovão (ouça aqui).

Com a grande repercussão obtida por Comportamento Geral, a censura se mostrou implacável e determinou não só o recolhimento do compacto simples como também do álbum, que só seriam liberados novamente em 1980, quando vivíamos a abertura.

Embora reflita aquele tempo tão difícil, trata-se de um trabalho repleto de musicalidade, esperança e fé em um futuro melhor, e que seria uma espécie de template (molde) para os trabalhos posteriores de Gonzaguinha, artista que se valeu com rara habilidade da autorreferência e do desenvolvimento de um mesmo tema em várias canções diferentes, marca também de Belchior, vale registrar.

Ouça Luiz Gonzaga Jr. (1973) em streaming na íntegra:

Clara Nunes tem álbum de 1973 relançado em um vinil amarelo

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Por Fabian Chacur

Se estivesse entre nós, a maravilhosa cantora mineira Clara Nunes celebraria 81 anos de idade neste sábado (12). Como forma de marcar essa efeméride, a gravadora Universal Music está relançando no formato LP de vinil amarelo o álbum Clara Nunes (1973), que está completando 50 anos de seu lançamento original, pela extinta gravadora EMI Odeon. Saiba como adquirir e também o preço do mesmo aqui.

Este trabalho flagra a grande estrela do samba em grande forma, especialmente graças ao sucesso da música Tristeza Pé No Chão. Livre das limitações anteriormente impostas a ela, especialmente nos anos 1960, Clara nos oferecia um repertório repleto de canções marcantes, entre elas uma parceria de Jards Macalé e Vinícius de Moraes, O Mais Que Perfeito.

Com linda capa concebida e executada pelo artista plástico Luiz Jardim, o LP contou com a produção do radialista Adelzon Alves, que foi extremamente importante na evolução da grande intérprete mineira, processo que atingiria seu auge a partir da sua associação com o grande poeta e compositor Paulo Cesar Pinheiro, pouco tempo depois.

Eis as músicas incluídas no LP Clara Nunes (1973):

Lado A:

1 – Tristeza pé no chão (Armando Fernandes Mamão)

2 – Fala viola (Eloir Silva/ Francisco Inácio)

3 – Minha festa (Guilherme de Brito/ Nelson Cavaquinho)

4 – Umas e outras (Chico Buarque de Holanda)

5 – Arlequim de bronze (Ao voltar no samba) (Synval Silva)

6 – O mais que perfeito (Jards Macalé/ Vinicius de Moraes)

Lado B:

1 – Quando eu vim de Minas (Xangô da Mangueira)

2 – Meu Cariri (Dilú Mello/ Rosil Cavalcanti)

3 – Homenagem à Olinda, Recife e Pai Edu (Baracho)

4 – É doce morrer no mar (Dorival Caymmi)

5 – Amei tanto (Baden Powell/ Vinicius de Moraes)

6 – Valeu pelo amor (Ivor Lancellotti)

Tristeza Pé No Chão (ao vivo)- Clara Nunes:

Sixto Rodriguez, 81 anos, um músico de história incrível

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Por Fabian Chacur

Sixto Rodriguez vivenciou uma das histórias mais incríveis de um artista na área musical. Sua trajetória foi tão marcante que rendeu um documentário que venceu um Oscar em 2013, Procurando Sugar Man, do saudoso Malik Bendjelloul. Ele nos deixou nesta terça (8) aos 81 anos, sendo que sua morte foi anunciada por seu site oficial nesta quarta (9). As causas não foram reveladas. Leia a seguir o texto de Mondo Pop sobre o artista, publicado originalmente em 2015 e focado no documentário sobre a sua carreira.

A saga de Sixto Rodriguez é daquelas que supera de longe qualquer tipo de ficção, com alternativas dignas dos melhores novelistas e roteiristas de cinema. Essa história fantástica é o mote do documentário vencedor do Oscar em 2013 Procurando Sugar Man (Searching For Sugar Man), que chega ao Brasil no formato DVD com belos extras. E o enredo não para de ganhar novos e bons capítulos.

Para quem não conhece, vale relatar a trajetória do cantor, compositor e músico americano descendente de latinos Sixto Rodrigues. Nascido em 10 de julho de 1942, ele ganhou experiência tocando em bares na cidade de Detroit, lar da Motown Records. Tocando uma mistura de folk, rock e bittersweet rock, foi descoberto pelos músicos e produtores Dennis Coffey e Mike Theodore, ambos egressos da Motown.

Contratado pela gravadora Sussex, de outro oriundo da Motown, Clarence Armant, Rodriguez lançou em 1970 Cold Fact. Embora elogiado, o LP não vendeu nada, assim como seu sucessor, Coming From Reality, produzido por Steve Rowland e lançado em 1971. Pior: foi logo a seguir demitido da gravadora. Um final que parecia infeliz.

Se não teve sucesso algum em sua terra natal, o que Rodriguez não soube na época é que Cold Fact não só foi lançado como se transformou em um enorme sucesso de vendas na longínqua África do Sul, vendendo algo em torno de 500 mil cópias por lá e o tornando mais popular naquele país do que Elvis Presley e os Rolling Stones.

Só que ninguém no país africano sabia nada sobre Rodriguez. Havia, inclusive, mitológicas explicações sobre seu sumiço, do tipo “botou fogo no próprio corpo” ou “atirou na própria cabeça durante um show”. Como se tratava de um país que viveu durante anos oprimido por uma violenta ditadura, sem contatos efetivos com o exterior, a lenda se manteve.

Até que, em meados dos anos 1990, o fã Stephen Segerman (que recebeu o apelido Sugar em função da música Sugar Man, do artista americano) foi questionado por uma amiga sul-africana que estava morando nos EUA onde poderia comprar uma cópia de Cold Fact. Ele descobriu que ninguém sabia desse disco nos EUA, e nem quem era o tal de Rodriguez, que para eles era um astro americano, e não um ninguém.

Aí, Segerman criou um site na então ainda emergente internet tentando encontrar pistas de Rodriguez. De quebra, fez o texto para o encarte do lançamento em CD de Coming From Reality, alertando para a falta de informações sobre Rodriguez e “convocando” detetives musicais para resolver aquele mistério. E o jornalista sul-africano Craig Bartholomeu-Strydom topou o desafio.

Conseguiram, depois de muita batalha, o contato do produtor Dennis Coffey, e ligaram para ele em Detroit. Lá, tiveram a notícia inesperada: Rodriguez ainda estava vivo. Logo em seguida, em mensagem publicada no site de busca, ninguém menos do que uma das filhas de Rodriguez entrou em contato com eles, passando os contatos dela e dele.

Resumo da ópera: Rodriguez foi convidado a se apresentar na África do Sul em 1998, foi tratado como um astro do rock e lotou ginásios em três shows por lá. Desde então, voltou e fez mais de 30 shows. Ele também ficou popular na Austrália, onde se apresentou em 1979 e 1981, mas em escala menor do que no país africano.

Só faltava o resto do mundo conhecer essa história fascinante, e isso ocorreu quando o jovem aspirante a diretor e roteirista de cinema sueco Malik Bendjelloul ficou sabendo dessa história através de Segerman e resolveu encarar o desafio de fazer um documentário. Foram quatro anos de muitas dificuldades e investimentos próprios. Até que seu sonho virou realidade.

Procurando Sugar Man estreou no mítico festival de Sundance nos EUA e desde então conquistou o mundo. Ganhou o Oscar de melhor documentário em 2013, merecidamente. E conta essa história com riqueza de detalhes, entrevistas suculentas, belas cenas de arquivo e criativas artes para ilustrar momentos importantes não documentados. E tem as músicas, belíssimas.

Fica difícil entender o porque Rodriguez não fez sucesso nos anos 1970. Seu trabalho tem tudo a ver com o espírito daquela época, recheado de afinidades com os trabalhos de Cat Stevens, James Taylor, Bob Dylan e Jose Feliciano (cujo timbre vocal é bem semelhante ao seu) e canções sublimes como Sugar Man, I Wonder, I Think Of You, I’ll Sleep Away e outras.

O mais curioso é saber que, nessas décadas longe dos holofotes, Rodriguez criou as três filhas trabalhando no ramo da construção civil, dando duro e carregando geladeiras nas costas, por exemplo. Sua postura zen, no entanto, não nos leva a crer que ele tenha encarado isso como sofrimento. Aguentou tudo, e soube encarar o sucesso tardio.

Os dois álbuns dele foram relançados nos EUA depois do sucesso do filme. Juntos, venderam mais de 300 mil cópias, e a trilha do documentário, que traz uma ótima seleção de músicas dos dois álbuns e uma inédita. também vendeu muito bem. Ele tem feito shows pelos EUA e Europa e participado dos programas de TV de maior audiência.

Mas Procurando Por Sugar Man não teve apenas desdobramentos positivos. Malik Bendjelloul ganhou o Oscar com seu primeiro longa, mas não segurou a onda. Começou a trabalhar como roteirista em Hollywood e se afastou dos amigos e das pessoas mais próximas. Voltou a Estocolmo e, no dia 13 de maio de 2014, jogou-se nos trilhos do metrô da cidade, suicidando-se aos 36 anos de idade. Uma tragédia horrível.

Chega a ser difícil ver, nos extras do DVD, a boa entrevista concedida por Malik à TV alemã na qual fala sobre como fez o filme, suas experiências anteriores e seus planos para um futuro que, hoje sabemos, não viria.

O making of do filme também é repleto de cenas com Malik, Rodriguez e os entrevistados. Triste fim para um autor tão promissor, e mais um capítulo em uma saga simplesmente fascinante. Tipo do DVD essencial para os fãs mais apaixonados de cinema e de música.

Sugar Man– Sixto Rodriguez:

Robbie Robertson, 80 anos, um dos integrantes do The Band

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Por Fabian Chacur

The Band foi uma das bandas mais incríveis e seminais da história do rock. Em sua fase áurea, entre 1968 e 1977, produziu um trabalho consistente, sólido e no qual seus 5 integrantes tinham participação ativa. Nesta quarta-feira (9), perdemos mais um deles, o guitarrista e principal compositor, Robbie Robertson. Ele nos deixou aos 80 anos, vítima de uma doença não revelada por seu empresário, Jarred Levine.

Nascido em Toronto, Canadá, em 5 de julho de 1943, Robertson foi uma espécie de menino prodígio do rock. Aos 16 anos, não só já integrava a banda de apoio do roqueiro americano radicado no Canadá Ronnie Hawkins como ainda tinha duas músicas gravadas por ele. E esse grupo de apoio acabou sendo o berço do que viria a ser o The Band.

Após deixar Hawkins para tentar a própria sorte, a partir de 1964, o grupo se envolveu com ninguém menos do que Bob Dylan, acompanhando-o com variações na formação entre o fim de 1965 e meados de 1966 no início da fase mais roqueira daquele artista. Em 1967, Dylan se recuperou de um grave acidente de moto e eles gravaram juntos músicas que só seriam lançadas oficialmente em 1975 no seminal álbum The Basement Tapes.

Poucos grupos poderiam usar um nome tão aparentemente arrogante, The Band (a banda), sem soar como pretensiosos, e esse quinteto podia se dar a esse luxo sem sustos. Além de Robbie, que era o guitarrista e seu principal compositor, tínhamos um talentoso multi=instrumentista, Garth Hudson (agora, o único do grupo ainda entre nós) e três grandes vocalistas e músicos.

Levon Helm (1940-2012), o único norte-americano do time, tinha uma voz mais áspera, além de tocar bateria. Rick Danko (1942-1999), o baixista, era o rei das harmonizações vocais, e Richard Manuel (1943-1986) tinha uma linda voz e também tocava piano.

Juntos, eles criaram uma sonoridade que poderia ser definida de forma muito abrangente por country soul, pois mistura de forma extremamente original rock, soul music, country, folk e música americana tradicional. Nas composições de Robertson, ele usava temas como religiosidade, fé e as culturas americana e canadense.

Quando Music From Big Pink saiu, em 1968, conquistou rapidamente a crítica especializada, o público e os colegas músicos, especialmente gente do gabarito de Eric Clapton e George Harrison, trazendo músicas marcantes como The Weight, que virou uma espécie de cartão de visitas do grupo, além de ter sido incluída em várias trilhas de filmes.

Além de gravar as músicas de Robertson, The Band também registrou várias músicas de Bob Dylan e fez alguns covers muito bacanas em seus anos de ouro. Eles ainda arrumaram tempo para uma nova parceria com o autor de Blowin’ In The Wind em 1974, que rendeu um álbum de estúdio, Planet Waves, e um ao vivo simplesmente espetacular, Before The Flood.

Em 1976, Robertson decidiu que havia chegado a hora de sua banda encerrar a sua trajetória, não sem antes realizar um último show, registrado por Martin Scorsese e gerando o excelente filme The Last Waltz (1978- exibido no Brasil como O Último Concerto de Rock).

Como legado, deixaram álbuns incríveis como o já citado Music From Big Pink e também pelo menos The Band (1969), Stage Fright (1970) e outro álbum ao vivo simplesmente matador, Rock Of Ages (1972). Se bem que qualquer um dos discos desse período merece ser ouvido com carinho, pois são todos no mínimo ótimos.

Das composições de Robbie Robertson gravadas pelo The Band, podemos citar como exemplos de excelência maravilhas do naipe de Chest Fever, Acadian Driftwood, Up On Creeple Creep, The Shape I’m In, The Night They Drove Old Dixie Down e Rag Mama Rag, só pra começo de conversa. Ouça essas e tente não querer ouvir muitas outras…

O The Band voltaria à ativa nos anos 1980, mas sem Robbie Robertson, que preferiu se dedicar à carreira-solo, compondo trilhas incidentais para diversos filmes de Martin Scorsese, entre os quais The Colour Of Money (A Cor do Dinheiro-1987), que emplacou o hit It’s In The Way That You Use It, interpretado por seu parceiro nesta composição, Eric Clapton.

Robertson lançou discos solo muito elogiados pelos críticos e com resultados comerciais aceitáveis, como Robbie Robertson (1987- com participações de U2 e Peter Gabriel), Storyville (1991) e How To Become a Clayrvoyant (2011), este último com participações de Eric Clapton, Steve Winwood, Trent Reznor e Tom Morello e atingindo o 13º posto nos EUA, sua melhor performance fora do The Band.

The Weight (ao vivo em Woodstock)- The Band:

Randy Meisner, 77 anos, um dos fundadores do grupo Eagles

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Por Fabian Chacur

Em 1977, os Eagles viviam o seu auge em termos de popularidade. Um de seus integrantes, no entanto, não conseguia segurar a onda. Era o baixista e também vocalista Randy Meisner, que em setembro daquele ano surpreendeu a todos ao sair da banda. Desde então, ele se manteve ativo, como veremos a seguir, mas esse momento mágico não se repetiria mais. Ele nos deixou nesta quarta-feira (26) aos 77 anos, vítima de problemas pulmonares.

Nascido no estado de Nebraska, nos EUA, em 8 de março de 1946, Randall Herman Meisner virou fã de rock and roll ao ver Elvis Presley na TV. Com o tempo, aprendeu a tocar baixo e integrou pequenas bandas. Com a The Poor, gravou alguns singles, participou de um filme estelado por Jack Nicholson e abriu um show de Jimi Hendrix, tudo isso em meados de 1967 e 1968.

Com o fim do Buffalo Springfield, que ficou famosa com o hit For What It’s Worth e revelou Neil Young e Stephen Stills, outros dois integrantes do grupo, Richie Furay e Jim Messina, resolveram montar uma nova banda, e Randy foi convidado a entrar no time. Era o Poco, grupo que se solidificou como um dos mais populares do chamado country rock. Logo após participar do álbum de estreia, Pickin’ Up The Pieces (1969), Meisner saiu fora, substituído por Timothy B. Schmit. Guarde este nome.

Não faltou trabalho para o nosso amigo neste período pós-Poco. Ele integrou a banda de apoio de Rick Nelson, a Stone Canyon Band, com quem fez vários shows e gravou os álbuns In Concert At The Troubador, 1969 (1970) e Rudy The Fifth (1971). Ele também participou, tocando baixo, dos álbuns Sweet Baby James (1970), de James Taylor, e Singer of Sad Songs (1970), do astro country Waylon Jennings.

Aí, a sorte grande bateu na sua porta. Ele foi convidado a tocar na banda de apoio da então emergente cantora Linda Ronstadt, e conheceu dessa forma Don Henley, Glenn Frey e Bernie Leadon. No finalzinho daquele 1971, ele e os novos amigos resolveram deixar aquele emprego e montar a sua própria banda. Nascia, assim, Eagles, uma das bandas mais populares do rock.

Nesses 6 anos com a banda, Meisner gravou os álbuns Eagles (1972), Desperado (1973), On The Border (1974), One Of These Nights (1975) e Hotel California (1976), que venderam milhões de cópias e geraram turnês intermitentes com direito a todas as tentações que a estrada proporciona.

Além de tocar baixo e fazer vocais de apoio, Meisner também compôs e fez o vocal principal nas músicas Take It To The Minute, Try and Love Again, Is It True?, Take The Devil, Tryin’, Certain Kind Of Fool e Too Many Hands. Ele fez o vocal principal em Most Of Us Are Sad (composição de Glenn Frey) e Midnight Flyer (de Paul Craft) e duetou com Don Henley em Saturday Night. Ufa!

Dessas todas, o seu principal hit foi certamente Take It To The Minute, de 1975, na qual tinha uma performance brilhante no vocal. No entanto, ele não gostava de ficar no centro dos holofotes, e isso, aliado ao fato de se sentir estafado e com saudades da família o levaram a tomar a inesperada decisão de deixar a banda no seu auge.

Adivinhe quem entrou no lugar dele? Foi exatamente aquele nome que eu pedi pra você deixar anotado, o de Timothy B. Schmit. Não foi for acaso que, anos depois, ao receber seu troféu do Rock and Roll Hall of Fame, em 1998, Schmit fez questão de agradecer a Meisner por essas oportunidades.

Randy marcou presença também em 5 das 15 faixas do álbum Eagles Live, lançado em 1980 e que trazia gravações ao vivo registradas em shows realizados pela banda em 1976 (ainda na fase com o seu baixista original) e em 1980 (com Timothy no seu lugar).

Logo ao sair dos Eagles, Randy Meisner iniciou a carreira-solo em 1978 com um autointitulado álbum que passou batido. One More Song (1980) teve repercussão muito melhor, atingindo o posto de nº 50 nos EUA e emplacando os hits Deep Inside My Heart (dueto com Kim Carnes) e Hearts On Fire, que no formato single chegaram respectivamente ao n º22 e nº 19.

Randy Meisner (1982) o manteve bem cotado na cena rock, chegando ao nº94 nos EUA e trazendo como destaques as faixas Strangers (Elton John e Gary Osbourne), que ele cantou em dueto com a cantora Ann Wilson, do grupo Heart, Never Been In Love (atingiu o posto de nº 28 na parada de singles) e Tonight, composição de Bryan Adams e Jim Vallance.

Em 1985, criou a banda Black Tie ao lado de dois outros músicos famosos, James Griffin (ex-integrante do grupo Bread) e Billy Swan (cantor pop-country que emplacou em 1974 o hit I Can Help. Lançaram um álbum sem grande repercussão.

Recordando o passado de glórias, Randy Meisner participou de uma retomada da formação original do Poco, que rendeu o álbum Legacy (1989), nº 40 na parada pop ianque e incluindo os hits Call It Love e Nothin’ To Hide (composição de Richard Marx).

A partir daqui, a carreira de Randy tomou um rumo mais obscuro. Ele afirmou ter ficado magoado ao não ser cogitado para integrar os Eagles em seu retorno triunfal em 1994, mas a banda optou por manter a formação de sua fase 1977-1980 com Timothy B. Schmit. No entanto, participou com os antigos colegas na entrada da banda no Rock and Roll Hall Of Fame em 1998, com direito a tocarem ao vivo Hotel California e Take It Easy.

Em 2013, ele foi convidado a participar da turnê History Of The Eagles, mas teve de recusar devido a problemas de saúde que o acompanharam desde os anos 1970. Randy também teve problemas mentais e psicológicos, certamente amplificados devido à trágica morte de sua esposa, Lana, em 2016, que atirou em si própria com um rifle de forma acidental.

Take it To The Minute (live)- Eagles:

Sinéad O’Connor, 56 anos, um mega-hit e uma carreira errante

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Por Fabian Chacur

Em 1990, a gravação de Nothing Compares 2 U tornou Sinéad O’Connor sucesso mundial, mantendo-se por 4 semanas na ponta da parada dos EUA e impulsionando o seu 2º álbum, Do Not Have What I Haven’t Go, a liderar os charts ianques por 6 semanas. A excelente cantora não conseguiu lidar muito bem com tanta atenção da mídia, também atraída por seu visual de cabeça raspada e seus lindos olhos. Ela nos deixou nesta quarta-feira (26) aos 56 anos, de causa ainda não revelada.

Sinéad O’Connor nasceu em 8 de dezembro de 1966, e iniciou a carreira solo na metade dos anos 1980, após integrar o obscuro grupo Ton Ton Macoute. Seu álbum de estreia, The Lion and The Cobra (1987), obteve boa repercussão, especialmente graças ao rockão Mandinka (ouça aqui). Houve quem a definisse como um misto de Kate Bush e Siouxsie.

Seguindo o conselho de um empresário, que ironicamente deixou de trabalhar com ela antes de colher os frutos, Sinéad resolveu regravar Nothing Compares 2 U, então obscura composição de Prince gravada em 1985 pelo grupo The Family. Com nova roupagem e um clipe impactante que ressaltava seu visual rebelde e sua linda voz, a canção se tornou um super hit.

A faixa impulsionou o seu 2º álbum, I Do Not Have What I Haven’t Got (1990), a atingir o topo da parada dos EUA, do Reino Unido e de diversos outros países. Outra canção deste trabalho que obteve alguma repercussão foi o ótimo pop rock The Emperor New Clothes (ouça aqui).

No entanto, a cantora não soube lidar muito bem com toda essa exposição, e o fato de ter rasgado uma foto do Papa João Paulo II em outubro de 1992 no programa Saturday Night Live, um dos mais populares da TV americana na época, ajudou a gerar um clima pesado em torno dela, algo ajudado por entrevistas sempre erráticas que infelizmente evidenciavam sérios problemas psicológicos.

Seu 3º álbum, Am I Not Your Girl? (1992), não chegou nem perto das vendagens do anterior, e a partir daí seus álbuns passaram a atrair ainda menos atenções, embora tivessem material de qualidade. Seus momentos de maior visibilidade passaram a ocorrer nas participações em trabalhos alheios, como no álbum The Wall Live In Berlin (1990), de Roger Waters, no qual cantou Mother (ouça aqui).

Ela marcou presença com brilhantismo em 1992 no álbum Us, de Peter Gabriel, mais precisamente nas ótimas faixas Blood Of Eden (ouça aqui) e Come Talk To Me (ouça aqui).

Outro momento marcante foi sua releitura de Sacrifice (ouça aqui), de Elton John, incluída no álbum-tributo Two Rooms: Celebrating The Songs Of Elton John & Bernie Taupin (1991).

Ela também trabalhou com Bono, The Edge, Massive Attack e Moby entre outros. Em 2005, foi lançada a coletânea Collaborations, que reúne 17 dessas gravações feitas por ela com outros artistas. A 7ª temporada da série de ficção científica Outlander, estreando neste ano, inclui Sinéad interpretando a música The Skye Boat Song (ouça aqui).

A cantora sofreu um forte golpe em janeiro de 2022, quando seu filho Shane, de apenas 17 anos, foi encontrado morto. Ela até deixou de lado um álbum que já estaria pronto e mesmo uma turnê, como forma de se dedicar à saúde, muito abalada por tamanha perda. Sinéad deixou outros três filhos, todos oriundos de relações distintas.

Nothing Compares 2 U (clipe)- Sinéad O’Connor:

Tony Bennett, 96 anos, um dos cantores que marcaram épocas

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Por Fabian Chacur

Pode um cantor ser um dos favoritos de artistas tão distintos entre si como Frank Sinatra, Roberto Carlos, Amy Winehouse e Elvis Costello? Melhor do que isso: atravessar décadas e até mesmo ir de um século para outro se mantendo relevante? Pois a resposta para estas duas questões pode ser dada com um só nome: Tony Bennett. Esse mestre, que nos deixou nesta sexta (21) aos 96 anos, sai de cena fisicamente, mas de forma alguma em termos de legado artístico.

Anthony Dominic Benedetto (seu nome de batismo) nasceu em Nova York em 3 de agosto de 1926, e desde criança mostrava vocação para a música. Entre 1944 e 1946, teve de prestar o serviço militar, e isso envolveu ter de lutar na 2ª Guerra Mundial, escapando várias vezes da morte prematura e se tornando um pacifista convicto desde então. Ao voltar à vida civil, decidiu se dedicar à vida artística, inclusive estudando técnicas de canto.

Em 1951, contratado pela Columbia Records (hoje, parte do conglomerado Sony Music), emplacou o seu 1º hit, Because Of You, e inicialmente deixou o estilo que fazia seu coração bater mais forte, o jazz, em prol de canções pop românticas que dominavam as paradas de sucesso na época. Ralph Sharon, o pianista que passou a tocar com ele em 1957, foi aos poucos o convencendo a voltar ao jazz, o que ocorreria aos poucos.

Mesmo lutando contra o predomínio do então emergente rock and roll, Bennett se manteve fazendo sucesso, e emplacou seu hit mais emblemático dessa fase em 1962. Curiosamente, I Left My Heart In San Francisco, que já havia sido gravada por outros intérpretes antes, teve menos impacto nos charts, mas permaneceu como uma espécie de cartão de visitas desse seu lado romântico, sempre em seus shows desde então.

Com o estouro dos Beatles e da chamada British Invasion a partir de 1964, os discos de Benedetto foram despencando em termos de vendagens, e isso o levou a aceitar a “sugestão” de sua gravadora em gravar algumas das canções daqueles roqueiros, em álbuns como Tony Sings The Great Hits Of Today! (1970) e Tony Bennett’s Something (1970). Não deu certo.

A década de 1970 viu o intérprete sem seu pianista (que saiu do time no final dos anos 1960) e dispensado da Columbia. Tentou outras gravadoras e até lançou o seu próprio selo, Improv, mas os discos desse período foram solenemente ignorados. Pra piorar, mergulhou nas drogas, e em 1979 teve sérios problemas com a cocaína. Aí, a família de certa forma o salvou.

O filho Danny, que tentava ser cantor e não sentia firmeza nas suas performances, viu que tinha talento para o ramo empresarial, e se tornou o empresário do papai Tony. Aos poucos, foi ampliando os horizontes do cantor, levando-a a cantar em teatros e outros espaços fora do circuito de Las Vegas. Melhor: conseguiu encaixá-lo em programas bacanas de TV.

Com Ralph Sharon de volta e a decisão de mergulhar nos standards do jazz, como sempre quis, Tony Bennett começou seu retorno triunfal aos poucos, quando o álbum The Art Of Excellence (1986) marcou não só o seu retorno à Columbia como também às paradas de sucesso, que não frequentava desde o então longínquo 1972. E isso era só o começo.

Sempre citado por ícones como Frank Sinatra e Roberto Carlos como um dos melhores do ofício, o cantor aos poucos conseguiu não só retomar seu público antigo como adicionou muitos jovens, com álbuns como Perfectly Frank (1992) e Steppin’ Out (1993). Este último lhe rendeu o 1º Grammy desde 1963 (ele faturou 20, em toda a carreira), façanha que MTV Unplugged (1994) superou, ao levá-lo com destaque ao público da emissora musical e com as participações de Elvis Costello e k.d.lang.

A partir daí, nosso querido Benedetto não saiu mais dos holofotes. Suas parcerias com outros artistas se mostraram frequentes e abrangentes, indo de B.B. King a Lady Gaga, passando por Paul McCartney, Diana Krall, Willie Nelson, Stevie Wonder, Christina Aguilera, Amy Winehouse, James Taylor, Elton John, Michael Bublé, Sting e inúmeros outros. Mas só gente do primeiríssimo escalão, e de talento comprovado.

Com o álbum Duets II (2011), que inclui a última gravação de Amy Winehouse, Body And Soul, Bennett atingiu o topo da parada americana de álbuns pela 1ª vez, algo impressionante para um artista então com 85 anos de idade. Ele repetiria a dose com Cheek To Cheek (2014), gravado em duo com Lady Gaga. E foi com ela que o cantor gravou seu derradeiro trabalho, Love For Sale (2021). Os etaristas deviam odiá-lo!

Body and Soul– Tony Bennett e Amy Winehouse:

João Donato, 88 anos, um genial e irreverente criador musical

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Por Fabian Chacur

O nome João Donato entrou no meu radar em 1975, quando, ainda adolescente, comprei a trilha sonora nacional da novela global Pecado Capital. Das várias músicas ótimas constantes na mesma, uma das minhas favoritas era a balançada Que Besteira, parceria dele com Gilberto Gil na qual seu swing e irreverência ficavam muito claros.

Esse grande cantor, compositor, arranjador e multi-instrumentista que no deixou na madrugada desta segunda-feira (17) aos 88 anos teve como marca essa capacidade de misturar estilos musicais à sua própria moda. Tem forte ligação com a bossa nova, mas foi muito além da mesma, somando a essa sonoridade jazz, música latina, música regional e o que mais pintasse.

Tive a oportunidade de entrevistá-lo em meados dos anos 1990 em um hotel em São Paulo, e foi uma experiência muito curiosa. Fui junto com a fotógrafa Nadirene, cujo nome ele repetiu algumas vezes, admirado. Eles nos atendeu à porta com uma toalha pendurada na barriga, obviamente recém-saído do banho, e amaria ter um registro da cara que eu e a fotógrafa fizemos ao vê-lo assim, totalmente surpreendidos.

Lembro de ele ter sido bem simpático e boa praça, falando conosco ao lado de Leila, a famosa musa que inspirou um de seus trabalhos mais instigantes, Leilíadas (1986), que teria algumas de suas faixas instrumentais letradas posteriormente, uma delas a absolutamente maravilhosa A Paz (ouça aqui ), que ganhou os versos de um de seus parceiros mais constantes, Gilberto Gil.

Nascido em Rio Branco, Acre, em 17 de agosto de 1934, Donato se mudou com a sua família para o Rio de Janeiro em 1945, e por lá iniciou a sua carreira musical, ainda criança/adolescente. Seu primeiro álbum, Chá Dançante (1956), teve a produção do então ascendente Tom Jobim. A partir dali, sua carreira se mostrou repleta de possibilidades bem concretizadas.

Morou nos EUA, onde consolidou sua reputação como um artista dos mais competentes e lançou um álbum até hoje muito cultuado, A Bad Donato (1970), que ele tocou na íntegra em São Paulo no Teatro Municipal, durante a Virada Cultural de 2007. Gravou discos solo e também alguns com parceiros como Marcos Valle, Carlos Lyra, Emilio Santiago, Roberto Menescal, Bud Shanks, Paulo Moura e Eumir Deodato, só para citar alguns.

Dos inúmeros dons que tinha, o da composição rendeu maravilhas do porte da já comentada A Paz e também Lugar Comum (parceria com Gil, ouça aqui), A Rã (ouça aqui), Nasci Para Bailar (ouça aqui) e Bananeira (ouça aqui), bons exemplos de uma frutífera produção.

Mesmo enfrentando problemas de saúde, João Donato se manteve produtivo até o fim, lançando, entre outras coisas, um álbum com o talentoso filho Donatinho (Sintetizamor– 2017), o recente Serotonina (de agosto de 2022) e Síntese do Lance (2021), este último em parceria com Jards Macalé e na capa do qual os dois aparecem sem camisa, algo que surpreendeu a muitos, mas obviamente não a mim, relembrando aquele dia dos anos 1990…

Link para sensacional entrevista de João Donato para JÔ Soares aqui.

Que Besteira– João Donato:

Luiz Schiavon, 64 anos, grande tecladista e compositor do RPM

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Por Fabian Chacur

Quando criou o RPM com Paulo Ricardo lá pelos idos de 1983, Luiz Schiavon sequer imaginava o tamanho da repercussão que aquela banda teria no cenário do show business brasileiro. Quem viveu a época sabe perfeitamente do que estou falando. Um marco inesquecível do rock brasileiro, aliando qualidade artística e massivo sucesso comercial. O tecladista, compositor e produtor paulistano nos deixou na madrugada desta quinta-feira (15) aos 64 anos, vítima de uma doença autoimune que o afligia há quatro anos. Grande perda!

Nascido em 5 de outubro de 1958, Luiz Antonio Schiavon Pereira tinha formação em música, e logo se interessou não só pelo piano, mas também pelos teclados eletrônicos, tornando-se um especialista. Não era de se estranhar que o RPM tomasse o rumo do tecnopop, uma das sonoridades predominantes no rock internacional na primeira metade dos anos 1980.

Schiavon e Paulo Ricardo eram os compositores e líderes da banda. Fernando Deluqui (guitarra) entrou a seguir, e o time foi completado por Paulo PA Pagni já em 1985. O single Loiras Geladas antecedeu o lançamento do primeiro e autointitulado álbum da banda, que surpreendeu a muitos com a sua qualidade em termos de repertório e mesmo qualidade técnica.

O sucesso do quarteto realmente engrenou a partir da segunda metade de 1985 graças a dois elementos muito importantes. O primeiro foi a parceria com o empresário Manoel Poladian, que apostou no potencial da banda e investiu em uma infra-estrutura que lhes permitisse fazer um megashow. E isso se concretizou graças a Ney Matogrosso, que dirigiu este novo show e lhe deu os contornos necessários para cativar o grande público.

O resultado foi tão bom que a gravadora CBS/Sony percebeu que precisava de um novo produto para capitalizar tamanha repercussão. Nascia, assim, Rádio Pirata ao Vivo (1986), uma espécie de versão turbinada do disco de estreia acrescido de material inédito, como as releituras de Flores Astrais (Secos & Molhados) e London London (Caetano Veloso).

Deu super certo. O álbum quebrou recordes de vendagem e ajudou de vez a banda a se tornar o maior fenômeno de popularidade do rock brasileiro, gerando uma verdadeira RPM mania em todo o país. Se Paulo Ricardo era o vocalista e símbolo sexual, Luiz Schiavon era o melhor e mais criativo músico do time, com seus timbres modernos de teclado e ótimas melodias.

No entanto, problemas com drogas geraram desentendimentos entre eles, e levaram o grupo rumo a uma separação precoce, após um ótimo single em parceria com Milton Nascimento e o posterior lançamento do irregular álbum RPM (1988), também conhecido como Quatro Coiotes, uma de suas faixas. Em 1989, o quarteto anunciou a sua separação.

Enquanto Paulo Ricardo investiu em uma carreira solo irregular, Schiavon montou o efêmero Projeto S com o cantor Tzaga Silos. A partir de 1996, passou a compor músicas de sucesso para trilhas de novelas da Globo, entre as quais O Rei do Gado, Terra Nostra e Esperança, além de montar o seu próprio estúdio, situado no bairro do Jardim Bonfiglioli, em São Paulo.

Em 2002, a formação original do RPM volta e grava um álbum ao vivo em parceria com a MTV, no qual releu os grandes sucessos e lançou algumas inéditas, entre elas o tema principal do reality show BBB, que se tornou o último hit de sua carreira. Eles tiveram novas separações e retornos, sendo que Paulo Ricardo saiu de vez em 2017, e Pagni faleceu em 2019.

Em um desses intervalos sem o RPM, Luiz Schiavon foi o diretor da banda do programa Domingão do Faustão, entre 2004 e 2010. Tive a oportunidade de entrevistá-lo em alguma ocasiões, e ele sempre se mostrou um sujeito simpático, esclarecido e muito centrado. Vai deixar saudades.

Rádio Pirata (ao vivo)– RPM:

Cynthia Weil, 82 anos, uma letrista de grande sucesso

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Por Fabian Chacur

Rock and Roll Lullaby, grande sucesso em 1973 na gravação de B.J.Thomas incluída na trilha da novela global Selva de Pedra, tem uma letra belíssima, na qual um filho se lembra de sua mãe ainda adolescente cantando canções de ninar de rock and roll pra ele. Esse é apenas um pequeno exemplo do imenso talento da letrista americana Cynthia Weil, que nos deixou nesta quinta-feira (1/6) aos 82 anos, de causas não reveladas pela filha, Jenn Mann.

Nascida em Nova York em 18 de outubro de 1940, Cynthia se preparou para uma carreira como atriz e dançarina. No entanto, mudou de rumo ao conhecer o músico Barry Mann, no finalzinho dos anos 1950. Nascia ali uma parceria musical que se estenderia rapidamente para a vida afetiva, com eles se casando em agosto de 1961. Ele, criando belas melodias, ela, elaborando letras inteligentes e sempre bem elaboradas.

O casal faz parte de uma geração de grandes compositores que trabalhavam para editoras e pequenos selos musicais em um edifício situado em Nova York, o Brill Building. Eles tinham à sua disposição um piano e um pequeno escritório, como os outros, e neles criaram algumas das mais marcantes composições da história da música pop, assim como nomes do porte de Jerry Leiber & Mike Stoller, Jeff Barry, Burt Bacharach & Hall David, Doc Pomus e Neil Sedaka, só para citar alguns.

No caso de Barry Mann & Cynthia Weil, os hits começaram a surgir no início dos anos 1960 e tiveram como marca merecerem sempre várias regravações, de tão boas. On Broadway, por exemplo, escrita pelo casal com Leiber & Stoller, foi registrada pelos Drifters, Neil Young e George Benson (ouça aqui), cuja letra fala sobre um novato chegando à Broadway em busca de sucesso e pronto para encarar os desafios rumo à fama.

Gravadas originalmente pelo duo The Righteous Brothers, You’ve Lost That Loving Feeling (parceria com o produtor Phil Spector, ouça aqui) fala sobre a dor de um amor encerrado e é considerada uma das melhores canções de todos os tempos, também relida por Elvis Presley e Daryl Hall & John Oates.

(You’re My) Soul And Inspiration (ouça aqui) também fez sucesso com os Righteous Brothers. Já We’ve Gotta Get Out Of This Place estourou com os britânicos The Animals (ouça aqui) e foi usada em protestos contra a presença dos americanos na Guerra do Vietnã.

I Just Can’t Help Believin’, outro momento romântico do casal Mann-Weill, fez sucesso com Elvis Presley (ouça aqui) e B.J. Thomas (ouça aqui).

Os anos 1980 foram repletos de sucessos para Cynthia. Com o maridão, ela escreveu dois hits pop significativos. Just Once atingiu os charts pop na gravação de Quincy Jones (ouça aqui), com vocais a cargo do excelente cantor James Ingram. E Never Gonna Let You Go invadiu as paradas com Sergio Mendes (ouça aqui), após ter sido recusada pelo Earth, Wind & Fire.

Cynthia também escreveu letras com outros parceiros, e só pra variar com bastante êxito. Running With The Night foi escrita por ela com Lionel Richie e gravada pelo ex-cantor dos The Commodores (ouça aqui).

A balançada He’s So Shy, escrita por ela com Tom Snow, fez sucesso com as Pointer Sisters (ouça aqui ). Through The Fire (escrita por ela com o produtor David Foster e Tom Keana) foi hit com a diva Chaka Khan (ouça aqui).

E ela salvou a pele do ídolo espanhol Julio Iglesias ao escrever com ele e Toni Renis a letra em inglês de All Of You, que ele gravou em dueto com a cantora Diana Ross (ouça aqui). E a amiga Carole King assina com ela a belíssima One to One, faixa-título do álbum lançado pela estrela pop em 1982 (ouça aqui).

Além dessas belas amostras, Cynthia Weil escreveu inúmeras outras canções encantadoras, sendo uma delas, acredite se quiser, em parceria com os três garotos do grupo Hanson, I Will Come To You (ouça aqui).

Ela também escreveu para o cinema. Em parceria com o marido e o compositor James Horner, compôs Somewhere Out There, da trilha da animação An American Tail e interpretada por Linda Ronstadt e James Ingram (ouça aqui). A gravação rendeu dois Grammys, o Oscar da música.

Linda Ronstadt curtiu tanto gravar uma música do casal Mann-Weil que pouco depois registrou outra, Don’t Know Much (que traz Tom Snow como coautor), também sucesso comercial. Dá pra fazer uma programação de rádio inteira de altíssimo nível só com as canções de Cynthia Weil.

Em 2000, Barry Mann gravou o álbum Soul & Inspiration (Atlantic Records), no qual cantou 11 de seus hits ao lado de astros como Bryan Adams, Carole King, Richard Marx e Daryl Hall. Nos agradecimentos, referiu-se à parceira como “uma das melhores letristas do mundo e minha verdadeira ‘soul and inspiration'”. Recomendo este CD com entusiasmo.

Rock and Roll Lullaby– B.J. Thomas:

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