Mondo Pop

O pop de ontem, hoje, e amanhã...

Tag: 1938-2020

Bill Withers, cantor e compositor avesso ao glamour do showbizz

bill withers-400x

Por Fabian Chacur

Quando lançou seu primeiro álbum, Just As I Am (1971), Bill Withers já tinha passado por poucas e não tão boas em seus 31 anos de vida. Talvez por isso, e por uma simplicidade de alma que poucos possuem, ele nunca se deslumbrou com o mundo da música. Tanto que, em 1985, decidiu não mais lançar discos ou fazer shows. Preferiu ser feliz com seus entes queridos. Esse grande cantor, compositor e músico americano nos deixou no dia 30 de março, embora sua família só tenha divulgado o óbito nesta sexta (3).

Curiosamente, a música Lean On Me, maior hit de sua carreira e um verdadeiro alento à superação das dificuldades que a vida nos impõe, vinha sendo usada por muitas pessoas pelo mundo afora como uma espécie de hino informal na luta contra o novo coronavírus. Ainda segundo seus familiares, ele, aos 81 anos de idade, foi vítima de problemas cardíacos.

Bill Withers nasceu em 4 de julho de 1938, e perdeu o pai quando ainda era criança. Teve na mãe e na avó um forte apoio em sua criação. Aos 17 anos, entrou na Marinha, a qual serviu por nove anos. Ao sair, em 1965, resolveu se dividir entre empregos que lhe permitissem a sobrevivência e a aposta no sonho de se tornar um compositor de sucesso, morando em Los Angeles.

Assentos de privadas para aviões

Nesse período, gravava fitas-demo com suas canções. Entre outros trabalhos, ele fazia assentos para privadas a serem instaladas em aviões Boeing 747. Certa vez, em entrevista ao jornalista Leonard Feather para o jornal Los Angeles Times, ele não só mostrou orgulho por esse trabalho, como também o avaliou de forma mais importante do que sua atuação como músico:

“Mesmo quando eu trabalhava com assentos de privadas, era algo no mínimo construtivo. Desafio qualquer um: eu ficarei um mês sem cantar, e você ficará sem ir ao banheiro por um mês, e veremos quem sofrerá mais…”

Em 1970, uma de seus fitas chegou às mãos de Clarence Avant, com longa experiência no meio do show business musical e na época dono da gravadora Sussex. Ele gostou do que ouviu, contratou Withers e deu a missão de produzir seu disco de estreia ao experiente Booker T. Jones, do grupo Booker T. And The MG’s. O resultado foi matador.

Lançado em 1971, Just As I Am mostrou ao mundo um cantor de voz de veludo e envolvente, dando vida a canções simplesmente maravilhosas. Uma delas, Ain’t No Sunshine, tornou-se seu primeiro grande hit, atingindo o 3º lugar na parada americana e lhe rendendo posteriormente um Grammy. Essa canção mereceu uma releitura arrepiante por conta de Michael Jackson pouco tempo depois.

Outra faixa deste álbum, Grandma’s Hands, homenagem à sua querida avó, chegou ao 42º lugar entre os singles mais vendidos nos EUA. Na década de 1990, o Simply Red fez uma belíssima regravação dessa música, gravada ao vivo e lançada no CD Montreux EP (1992). Um dos músicos que marcam presença neste álbum, que chegou ao nª 38 nos EUA, é Stephen Stills, tocando guitarra.

Lean On Me e o auge em termos comerciais

Embalado pela boa repercussão de seu trabalho de estreia, Withers foi além em seu álbum seguinte, Still Bill (1972) foi não só seu único LP a atingir o top ten (foi nº 4, para ser mais preciso) como também aquele único que liderou a parada de r&b. Teve como impulso o single Lean On Me, que de quebra levou o artista ao primeiro lugar na parada pop de singles, onde ficaria por três semanas.

Outro sucesso do LP foi a deliciosa Use Me, que quase repete a façanha de Lean On Me, chegando ao 2º lugar entre os singles. Lean On Me voltaria ao topo da parada americana em 1987, desta vez com o grupo de r&b Club Noveau.

O astro lançaria em 1973 o maravilhoso álbum ao vivo Live At Carnegie Hall, registro de um momento histórico na carreira do artista ao cantar em um dos locais mais nobres do show business americano (e, por que não dizer, mundial), e no ano seguinte +’Justments . Mas, aí, seu relacionamento com a Sussex já havia se deteriorado, com direito a brigas judiciais. A gravadora iria à falência em 1975.

Vale o registro: Clarence Avant é o mesmo que lançou por seu selo os dois discos de Sixto Rodriguez, Cold Fact (1970) e Coming From Reality (1971), artista que teria a carreira reavivada em 2012 graças ao incrível documentário Searching For Sugar Man, do saudoso Malik Bendjelloul. Ele aparece no filme, no qual também é acusado de ter extorquido Rodriguez. Que fama a desse cara…

Columbia Records e show no antigo Zaire

Nesse período, em 1974, ele participou ao lado de Etta James, B.B.King e James Brown do histórico show no antigo Zaire prévio à luta não menos histórica entre George Foreman e Muhammed Ali. Cenas de suas performances podem ser vistas nos documentários When We Were Kings (1996) e Soul Power (2008).

Em 1975, Bill Withers assina com a Columbia Records, pela qual lançou Making Music (1975), Naked & Warm (1976), Menagerie (1977) e ‘Bout Love (1978), que infelizmente não tiveram muito sucesso comercial, rendendo apenas um hit. Trata-se da deliciosa Lovely Day, de 1977, que atingiu o posto de nº 30 entre os singles nos EUA e conta, na guitarra, com um ainda emergente Ray Parker Jr..

Após ‘Bout Love, teria início um longo período sem que Withers lançasse um novo álbum, especialmente pelo fato de a Columbia Records recusar as canções que o artista apresentava a eles. Nesse meio tempo, ele gravou um single simplesmente antológico com Grover Washington Jr., incluída em um álbum do saudoso saxofonista americano, Winelight (1980).

A música em questão, Just The Two Of Us, com vocais a cargo de Withers, ficou durante três semanas no 2º lugar na parada americana de singles em 1981, impedida de atingir o topo por três grandes hits daquele ano, respectivamente Kiss On My List (Daryl Hall & John Oates), Morning Train (Nive to Five) (Sheena Easton) e Bette Davis Eyes (Kim Carnes). O consolo ficou com a conquista de mais um Grammy, na categoria melhor canção de rhythm and blues.

O retorno que virou despedida

Em 1985, finalmente sai Watching You Watching Me, mas poucos poderiam imaginar que, ao invés de um retorno glorioso, aquele LP seria a sua despedida do cenário musical como artista-solo. Cansado das discussões com os diretores artísticos da gravadora, que ele rotulava ironicamente de “blaxperts”, Bill radicalizou e anunciou que deixaria de gravar novos discos ou fazer shows.

A partir daí, Bill Withers sumiu de cena, dedicando-se à vida familiar. Raras aparições ocorreram quando ele venceu prêmios por sua obra como as entradas no Songwriters Hall Of Fame em 2005 e no Rock And Roll Hall Of Fame em 2015. Em 2004, surpreendeu ao participar do álbum License To Chill, do cantor e compositor Jimmy Buffett. Ele escreveu e cantou em dueto com Buffett Playin’ The Loser Again e assina com o amigo a faixa Simply Complicated. O álbum foi o único de Jimmy Buffett a atingir o primeiro lugar na parada americana.

Em 1987, Bill ganhou, como compositor, o terceiro Grammy de sua carreira graças à bem-sucedida releitura do Club Noveau. Bill Withers: The Complete Sussex & Columbia Albums Collection (2013), que reúne os oito álbuns de estúdio e o ao vivo lançados pelo artista em edição caprichada luxuosa, rendeu a seus produtores outro Grammy.

Sua vida e obra inspiraram o elogiado documentário Still Bill (2009), dirigido por Damani Baker e Alex Vlack, que conta com depoimentos dele especialmente gravados para esta ocasião e material de arquivo.

Após mergulhar na trajetória desse grande artista, fica bem claro que ele pode ter sido importante ao produzir assentos de privadas para aviões, mas sempre nos lembraremos dele por causa de suas maravilhosas canções que ele interpretava de forma tão classuda. Nisso, nós divergimos, meu caro Bill Withers.

Lovely Day– Bill Withers:

Kenny Rogers, embaixador da country music e um astro pop

kenny rogers-400x

Por Fabian Chacur

Um verdadeiro embaixador mundial da country music. Eis uma definição possível para o cantor, músico e eventual compositor Kenny Rogers, que nos deixou na noite desta sexta-feira (20) por causas naturais, conforme comunicado de sua família. Em uma carreira que teve início na segunda metade dos anos 1950 e se manteve até 2018, o astro americano nos deixou uma obra repleta de hits e na qual sempre demonstrou uma inquietude, acrescentando elementos sonoros diversos à música country.

Kenneth Ray Rogers nasceu em Houston, Texas, no dia 21 de agosto de 1938, e demonstrou interesse pela música logo aos quatro anos de idade, quando cantava em troca de moedas. Seu primeiro single solo, That Crazy Feeling, saiu em 1958, mas foi como integrante do grupo de jazz Bobby Doyle Three, no qual cantava e tocava baixo, que ele se destacou inicialmente. Em 1966, entrou no grupo folk New Christy Minstrels, também como baixista e vocalista, e não demorou para ver que, ali, não conseguiria dar vasão à sua criatividade.

Junto com outros integrantes do NCM, ele em 1967 lançou sua própria banda, The First Edition (depois renomeada como Kenny Rogers & The First Edition). E o primeiro hit veio em 1968 com o contundente single Just Dropped In (To See What Condition My Condition Is), um belo rock com pitadas psicodélicas que atingiu o posto de nº 5 na parada americana. Outro rock na mesma linha, Something’s Burning, ajudou a impulsioná-los.

Embora o grupo fizesse boas vocalizações e tivesse muita competência, era Rogers quem ficava com os holofotes, tocando baixo e cantando os principais hits, que também incluem canções de acento country como Ruby (Don’t Take Your Love To Town) e Reuben James. Nessa época, o cantor foi generoso a ponto de ter sido o mentor de um certo cantor, compositor e baterista de nome Don Henley, então um jovem desconhecido em busca de reconhecimento, que viria a partir de 1972 como integrante dos Eagles.

No final de 1975, para tristeza de Kenny, o The First Edition decidiu encerrar sua trajetória, tornando inevitável para ele encarar de uma vez por todas o desafio de uma carreira-solo. Desta vez mais próximo da música country, estourou em 1977 nesse mercado com a canção Lucille, e até o fim daquela década emplacou diversos outros hits, entre os quais The Gambler (que inspirou uma série de filmes de TV estrelados por ele) e Coward Of The County.

Foram as baladas românticas que o levaram a conquistar o público do mainstream, como She Believes In Me e You Decorated My Life. Em 1980, ele se sentiu repetitivo, e resolveu tentar uma nova experiência. “Nos anos 1960, Ray Charles gravou álbuns nos quais releu canções country com um acento soul; pensei, então, que seria uma boa ideia fazer o contrário, e convidei Lionel Richie para compor algo para mim”, relembrou o astro em entrevista contida no documentário The Journey, de 2006.

A parceria rendeu Lady, canção que atingiu o número 1 da parada americana no formato single e impulsionou o álbum na qual foi incluída, Greatest Hits (1980), a conseguir a mesma façanha. O ex-líder dos Commodores também produziria um álbum completo para o cantor americano, Share Your Love (1981), que atingiu o sexto posto na parada ianque.

Outra parceria bacana fora do universo country ocorreu com os Bee Gees. Barry Gibb foi o produtor de seu álbum Eyes That Seen In The Dark (1983), com direito à participação da banda. O disco gerou hits bacanas como You And I, This Woman e Islands Is The Stream, e atingiu o sexto posto nos EUA. Esta última, dueto com Dolly Parton, o levou de novo ao número 1 em sua terra natal.

Aliás, vale destacar a capacidade dele em gravar belos duetos com cantoras. A escocesa Sheena Easton, por exemplo, marca presença em We’ve Got Tonight (1983), matadora releitura de balada do roqueiro Bob Seger que atingiu o 6º posto nos EUA. Kim Carnes, que como ele também integrou os New Christ Minstrels, gravou com ele Don’t Fall In Love With a Dreamer (1980) e What About Me (1984, também inclui o cantor de r&b James Ingram).

Com a cantora country Dottie West a coisa foi ainda além, pois eles gravaram dois álbuns juntos, Every Time Two Fools Collide (1978) e Classics (1979). Ele repetiria a dose com Dolly Parton em Love Is Strange (1990, hit original de Mickey & Sylvia e regravado por Wings e muitos outros) e You Can’t Make Old Friends (2013). E ele gravou com a maravilhosa Gladys Knight em 1990 a música If I Knew Then What I Know Now.

Sempre inquieto, Kenny tem outros encontros bacanas em seu currículo. Seu álbum The Heart Of The Matter (1985), o último que emplacou no topo da parada country americana, teve produção do lendário George Martin, que produziu uma certa banda de Liverpool. Timepiece (1984) traz a releitura de standards da música americana e acompanhamento orquestral, com produção a cargo do consagrado David Foster.

Kenny Rogers se apresentou no Brasil em janeiro de 1991, no mesmo período em que estava sendo realizado o Rock in Rio, e por estar cobrindo o festival eu não tive a oportunidade de entrevistá-lo, nem de ver seu show em São Paulo.

Em 2006, ele lançou o álbum Waters & Bridges, que o colocou novamente nos primeiros postos da parada americana com hits como The Last Ten Years, I Can’t Unlove You e Calling Me, esta última um dueto com o discípulo Don Henley.

E já que falamos em Brasil há pouco, vale lembrar que I Can’t Unlove You (que o trouxe de volta ao top 20 americano) teve versão em português, Eu Não Sei Dizer Que Eu Não Te Amo, na qual a dupla Edson & Hudson conta com a participação (cantando em inglês) do próprio Kenny.

Os dois últimos álbuns de estúdio de Kenny foram You Can’t Make Old Friends (2013, de material inédito) e Once Again It’s Christmas (2015, álbum natalino, um dos vários que gravou em sua carreira). Em 2016, ele deu início à sua última turnê, intitulada The Gambler’s Last Deal, cujas última datas foram canceladas em abril de 2018 devido a problemas com sua saúde.

O último show dele em Nashville ocorreu em 25 de outubro de 2017, e não poderia ter sido melhor, pois contou com inúmeras participações especiais, incluindo as de Lionel Richie, Travis Tritt, The Judds, Kris Kristofferson, Alison Krauss, Lady Antebelum, Crystal Gayle, Reba McEntire e Dolly Parton.

A voz de Kenny Rogers é uma das mais facilmente reconhecíveis no universo da música pop, e a forma como ele interpretou as músicas que gravou sempre foi de forma muito personalizada e emotiva.

De quebra, seu carisma nos palcos explica o porque ele conseguiu se tornar um astro de proporções mundiais, vendendo milhões de discos e lotando ginásios e casas de shows pelos quatro cantos do planeta.

No já citado documentário The Journey (que saiu em DVD no Brasil via Coqueiro Verde Records), Kenny fez uma espécie de definição de como encarou sua incrível e bem-sucedida trajetória artística:

“Minha mãe me deixou como herança vários pensamentos simples, mas muito interessantes. Um deles fala sobre como é importante você curtir cada momento que vive, mas sem nunca se conformar ou se acomodar. Seria a receita da felicidade, para ela. E posso dizer que, durante a minha carreira, curti cada momento que vivi, mas nunca me conformei ou me acomodei, sempre buscando novos rumos”.

We’ve Got Tonight (live)- Kenny Rogers & Sheena Easton (uma das musicas favoritas da minha saudosa mãe Victoria, a quem dedico este post):

© 2024 Mondo Pop

Theme by Anders NorenUp ↑