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Wayne Shorter, 89 anos, músico de jazz aberto a outros estilos

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Por Fabian Chacur

Sim, o nome de Wayne Shorter sempre será ligado ao jazz. O saxofonista, que nos deixou nesta quinta-feira (2) aos 89 anos de causas não reveladas, surgiu nessa cena e marcou época como integrante da banda de Miles Davis nos anos 1960 e também como um dos líderes da célebre banda de fusion Weather Report nos anos 1970 e 1980. Ele, no entanto, nunca se prendeu a um único estilo musical, e levou a liberdade criativa do jazz para outras praias sonoras.

Nascido em 25 de agosto de 1933, o músico americano começou a se tornar conhecido no meio da música como integrante do Art Blakey’s Jazz Messengers, Entre 1964 e 1970, fez parte de uma das bandas de apoio mais relembradas da carreira do genial Miles Davis, que também incluía Herbie Hancock (teclados), Ron Carter (baixo) e Tony Williams (bateria).

Nos anos 1970, criou o Weather Report, que além dele abrigou durante os seus 15 anos de atividade músicos do porte de Joe Zawinul (teclados), Jaco Pastorius (baixo) e o percussionista brasileiro Airto Moreira, entre outros. E foi a partir dessa época que ele começou a se abrir para trocar experiências com músicos de outros gêneros musicais.

Com Milton Nascimento, por exemplo, ele iniciou em 1975 uma parceria que rendeu inicialmente um álbum que se tornou antológico, Native Dancer (1975). Eles se tornaram grandes amigos e fizeram várias colaborações posteriores, sempre repletas de emoção.

Entre elas, destaca-se o maravilhoso álbum A Barca dos Amantes (1986), gravada ao vivo em São Paulo no extinto Projeto SP ainda em sua primeira versão, na rua Caio Prado e com o formato de um circo. Shorter participa das faixas Tarde, Nós Dois, Pensamento e Maria Maria. Foi o primeiro show realizado por eles em dupla, em abril de 1986.

Shorter marcou presença em 10 álbuns da cantora e compositora canadense Joni Michell entre 1977 e 2002, entre os quais se destacam Mingus (1979), Dog Eat Dog (1985) e Turbulent Indigo (1994).

O belíssimo solo de End Of The Innocence, composição de Don Henley e Bruce Hornsby gravada pelo cantor dos Eagles em 1989 em seu álbum solo de mesmo nome, é dele. Outro solo marcante de Shorter está na faixa-título do álbum Aja (1977), do Steely Dan.

O músico também trabalhou com outros artistas de vários estilos e gerações, entre os quais o nosso Toninho Horta, Speranza Spalding, Pino Danielle, Michael Landau, Carlos Santana e até mesmo os Rolling Stones, estes últimos no álbum Bridges To Babylon (1997).

Milton Nascimento postou uma belíssima mensagem de despedida para Wayne Shorter, que ele visitou em 2022 quando sua turnê A Última Sessão de Música passou pelos EUA.

Tarde (ao vivo)- Milton Nascimento & Wayne Shorter:

A Barca dos Amantes- Milton Nascimento (1986/Polygram)

Por Fabian Chacur

A excelente Coleção Milton Nascimento, lançada de forma primorosa pela Editora Abril, chegou a seu final recentemente com um título não muito conhecido do grande público, o álbum ao vivo A Barca Dos Amantes (1986). Vale a pena dar um destaque a esse CD, cuja qualidade é das melhores.

Trata-se logo de cara de um trabalho histórico, pois registra o primeiro encontro nos palcos de Milton e o saxofonista americano Wayne Shorter, com quem o Bituca havia gravado dois belos discos de estúdio nos EUA na década de 70, Native Dancer (1975) e Milton (1976), este último também parte desta coleção da Abril.

O espetáculo ocorreu na primeira versão do Projeto SP, montado debaixo de uma lona de circo na rua Caio Prado, quase na esquina com a Rua Augusta, no centro de São Paulo, local que abrigou shows históricos de gente como Stanley Clarke, Titãs, Marina Lima, Paralamas do Sucesso, Lobão e muitos outros naquele 1986.

Milton teve a seu lado uma banda de craques da MPB integrada por Robertinho Silva (bateria e percusão), Ricardo Silveira (guitarra), Nico Assumpção (baixo) e Luiz Avellar (teclados). Das nove faixas, Shorter marca presença em quatro: as então inéditas Pensamento (Milton/Fernando Brant) e Nós Dois (Milton/Luiz Avellar) e nos clássicos Tarde (Milton/Márcio Borges) e Maria Maria (Milton/Fernando Brant).

O entrosamento entre os dois se mostrou impecável, com direito a solos de sax iluminados do ex-integrante do célebre grupo de jazz Weather Report se encaixando feito luva na sonoridade de Milton e sua banda. Um desbunde total.

A participação do jazzista americano é a cereja do bolo, que traz outros momentos marcantes em termos puramente musicais. O álbum abre com uma empolgada releitura de Nuvem Cigana (Milton/Lô Borges), do mitológico Clube da Esquina (1972).

A Barca dos Amantes, inédita, é uma parceria de Milton Nascimento com o compositor, cantor e músico português Sérgio Godinho. Lançada no álbum Missa dos Quilombos (1982), Louvação a Mariama cativa pelo swing, enquanto Lágrimas do Sul (Milton/Marco Antonio Guimarães) saiu originalmente em Encontros e Despedidas (1985) e homenageia divinamente Winnie Mandela em um libelo anti-racismo.

Se o disco como um todo é maravilhoso, deixei para o fim seu momento mais belo. Trata-se da releitura de Amor de Índio (Beto Guedes/Ronaldo Bastos), com arranjo mais lento do que o da versão original de Beto Guedes, e no qual Milton dialoga de forma inspiradíssima com o tecladista Luiz Avelar, dando ainda mais força aos versos doces de Ronaldo Bastos.

A Barca dos Amantes encerrou na época o contrato de Milton com a Polygram, ele que havia se transferido para a antiga CBS (hoje Sony Music) por uma fortuna. Um pecado esse trabalho não ter feito o sucesso que merecia. Um dos melhores discos ao vivo da história da MPB e merecedor de uma reavaliação por parte de críticos e do público.

Amor de Índio, ao vivo, com Milton Nascimento:

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