ayrton montarroyos capa cd-400x

Por Fabian Chacur

Se fosse necessário definir o segundo CD de Ayrton Montarroyos, Um Mergulho no Nada (lançado pela gravadora Kuarup) com apenas uma palavra, eu escolheria esta aqui: elegante. O intérprete pernambucano de 23 anos esbanja tal qualidade durante os aproximadamente 35 minutos de duração deste belo álbum, gravado ao vivo ironicamente no dia 1º de abril de 2018 no Teatro Itália, em São Paulo. Pois se há uma coisa que a performance do moço não emana, é mentira. A verdade marca presença por aqui de ponta a ponta.

Ayrton ficou conhecido nacionalmente ao ser um dos finalistas em 2015 do reality show musical The Voice Brasil. Em 2017, lançou o primeiro álbum, gravado em estúdio e autointitulado. Desta vez, ele nos oferece sua alma desnuda. Afinal de contas, trata-se de um trabalho ao vivo e no qual ele conta com o apoio de apenas um instrumento, no caso o violão de 7 cordas tocado magistralmente por Edmilson Capelupi, literalmente professor nessa área e conhecido por participar das trilhas dos filmes Dois Córregos (1999) e Cidade de Deus (2002) e gravar com gente do gabarito de Jane Duboc, Zizi Possi, Patricia Marx, Eliete Negreiros e muitos outros.

Nesse formato, a interação entre cantor e músico precisa ser absurda. Afinal, qualquer eventual falha fica exposta de forma constrangedora. Neste caso, a dobradinha Montarroyos-Capelupi envolve o ouvinte de forma poderosa, pois temos um vibrante diálogo entre os acordes, baixos e dedilhados do violão com a voz ao mesmo tempo doce e mais próxima das regiões graves do cantor. Os vazios são sempre aproveitados de forma estilística, não ocasional, e são poucos, pois o preenchimento de espaços feito por eles é cirúrgico.

As dez faixas selecionadas por Ayrton para Um Mergulho no Nada vão desde obras de compositores jovens até pérolas obscuras pinçadas de eras distantes e nobres da nossa música, passando por alguns clássicos, também. Na verdade, temos a impressão de que o principal critério seguido por ele deve ter sido o mais simples, e ao mesmo tempo mais coerente: aquelas canções que melhor se encaixam em sua musicalidade, que falam mais para ele, e que ele sente mais prazer em interpretar. E como deu certo!

Com um timbre belíssimo de voz, Ayrton Montarroyos procura trabalhá-lo de forma precisa, sem se permitir arroubos operísticos ou exagerados. As sutilezas são esmiuçadas no melhor estilo bossa nova, com inspiração provavelmente de gente do gabarito de Caetano Veloso e João Gilberto. Cada palavra é dita com conhecimento de causa de quem entende seu significado e procurando transmitir o sentido de cada poesia ao ouvinte, como que o convidando a sonhar, sofrer, amar e imaginar cada contexto criativo proposto por seus autores.

Alguns poderiam contestar as releituras de músicas com versões originais tão marcantes como Açaí (Djavan) e Cálice (Chico Buarque-Gilberto Gil), mas vale lembrar a justificativa que os integrantes do grupo Roupa Nova deram em 1999 às releituras que fizeram de seus sucessos no álbum meio eletrônico Agora Sim!: essas regravações não invalidam as anteriores e podem conviver pacificamente. E neste caso específico, Ayrton soube se apropriar das duas e dar a elas uma cara nova e própria. Não supera as originais, mas quem disse que isso seria necessário? O legal é que dá prazer ouvir as duas com ele, e isso basta.

Um Mergulho No Nada (título extraído de versos da canção Sem Pressa de Chegar, de Capiba e Delcio Carvalho e um dos pontos altos do CD) alterna samba, bossa-nova, latinidades, samba-canção e até pop com uma fluência que vai ligando de forma natural uma faixa à outra. Como a duração do álbum equivale a um daqueles discos de vinil de antigamente, dá vontade de ouvir novamente. E aí você ouve, e ouve, e ouve, descobrindo novas sutilezas, novos encadeamentos, novas surpresas. E a paixão se concretiza! Se a ideia era mergulhar no nada, Ayrton na verdade nos fez mergulhar no tudo. Tudo de bom!

Cálice– Ayrton Montarroyos: