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Paulo Cesar Pinheiro em um belo e esclarecedor documentário

paulo cesar pinheiro

Por Fabian Chacur

Alguém que, com apenas 14 anos de idade, escreve a letra de uma música (melodia de João de Aquino) do calibre de Viagem, sucesso na voz de Marisa Gata Mansa,dava todo o jeito de que se tornaria um grande nome nessa área. E não deu outra. Paulo Cesar Pinheiro, hoje com 72 anos, possui um currículo repleto de maravilhosas e muito conhecidas canções, feitas em parceria com muitos craques como ele. Sua belíssima trajetória é vasculhada no ótimo documentário Paulo Cesar Pinheiro Letra e Alma, que será exibido neste domingo (3) às 22h30 no Canal Curta! e também está disponível em algumas plataformas digitais.

Nascido no Rio de Janeiro em 28 de abril de 1949 e com dna mangueirense e dos subúrbios cariocas, como faz questão de registrar, Paulo Cesar Pinheiro teve como primeiro parceiro João de Aquino. Não demorou para que um primo de Aquino, um certo Baden Powell, tomasse conhecimento de seus versos. Encantado, logo chamou o Paulinho para escrever com ele, e o primeiro fruto foi de cara Lapinha, sucesso eternizado na voz de Elis Regina, que depois gravaria outras parcerias deles, entre as quais Vou Deitar e Rolar (Qua Quara Qua Qua).

Andrea Prates e Cleisson Vidal, os diretores do documentário, optaram por uma abordagem mais tradicional em seu filme, que tem como norte uma longa entrevista com o protagonista, entremeada por apresentações de arquivo de artistas como Elis Regina, Marisa Gata Mansa, Clara Nunes, Elizeth Cardoso, João Nogueira e ele próprio interpretando seus maiores sucessos. Como o depoimento dele é extremamente expressivo e esclarecedor, foi mesmo a melhor opção, pois não é todo dia que temos a oportunidade de ouvi-lo sobre sua irrepreensível trajetória de mais de cinco décadas.

Durante os 85 minutos de duração de Letra e Alma, Pinheiro nos fala sobre como compôs maravilhas do porte de Pesadelo (com Maurício Tapajós), Súplica (com João Nogueira), Lá Se Vão Meus Anéis (com Eduardo Gudin) e Tô Voltando (com Maurício Tapajós), esta última um involuntário hino da anistia em 1979 que arrancou lágrimas dele ao ver seus versos associados com um momento tão importante da história brasileira.

Os problemas com a censura durante a ditadura militar, seus oito anos de casamento (de 1975 a 1983, quando a cantora nos deixou de forma trágica) com Clara Nunes (que gravou inúmeras canções de sua autoria, como O Canto das Três Raças e Menino Deus, só para citar duas delas), a nova união (que persiste até hoje) em 1985 com a musicista Luciana Rabello que lhe rendeu um filho e uma filha, também músicos e seus parceiros são outros temas.

Paulinho também fala sobre seu relacionamento com a avó índia, que lhe ensinou muito sobre essa coisa maluca chamada vida, seu envolvimento com a cultura afro-brasileira e com a umbanda e o candomblé, mesmo admitindo que não segue nenhuma religião ou credo e também sua profissão de fé com a escrita, não só de letras de música, mas também de livros de poesia, prosa e outras manifestações culturais, além de seus shows e discos O Importante é que a Nossa Emoção Sobreviva ao lado da cantora Márcia e do cantor, compositor e violonista Eduardo Gudin.

Paulo Cesar Pinheiro Letra e Música é indispensável para quem gosta de música brasileira, pois nos apresenta de forma direta e sem rodeios um cara que é parceiro de Tom Jobim, Pixinguinha, Edu Lobo e tantos outros mestres da nossa música, tendo se tornado, ele próprio, um desses mestres. E ele está aqui, entre nós, produtivo. Vamos dar ao cara as flores em vida, que o cidadão merece!

obs.: em dois momentos, Paulo Cesar nos mostra seus acervos de LPs e de fitas-cassete com material referente às suas composições. É de arrepiar ver todas aquelas fitas organizadas uma a uma, com material daquele gabarito.

Trailer de Paulo Cesar Pinheiro Letra e Alma:

Aldir Blanc, poeta do cotidiano e grande parceiro de João Bosco

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Por Fabian Chacur

Conheci a dupla João Bosco e Aldir Blanc logo no berço, digamos assim. Em 1972, quando eu tinha apenas 11 anos, meu irmão Victor comprou o Disco de Bolso do Pasquim, que trazia uma revista e de brinde um compacto simples com a então inédita Águas de Março, de e com Tom Jobim, e do lado B Agnus Sei, fantástica composição meio barroca na qual Bosco mostrou seu imenso talento como cantor e violonista pela primeira vez. Era o início de uma paixão eterna por eles. E como é duro me despedir tão cedo de um deles…

Aldir nos deixou na madrugada desta segunda-feira (4) aos 73 anos, depois de 24 dias internado no hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, sua cidade natal. É mais uma vítima do novo coronavírus, que alguns analfabetos funcionais insistem em classificar como “gripezinha”. Sua esperança foi uma equilibrista guerreira, mas infelizmente não deu conta dessa doença agressiva. E nós, ficamos bêbados de tristeza.

Nascido em 2 de setembro de 1946 no bairro carioca do Estácio, Aldir iniciou sua relação com a música tocando bateria em grupos amadores, além de escrever os primeiros poemas e letras. Seu nome começou a se tornar conhecido em 1970, quando sua parceria com Silvio da Silva Jr., “Amigo É Pra Essas Coisas” teve ótimo desempenho no Festival Universitário e entrou nas paradas de sucesso com o MPB-4.

Formado em medicina com especialização em psiquiatria, ele no entanto queria mesmo era se embrenhar na cena cultural. Ele integrou o MAU- Movimento Artístico Universitário, reunião de amigos batalhando por espaços que tinha no elenco, além dele, feras hoje eternizadas na história da nossa música como Ivan Lins, Gonzaguinha e Cesar Costa Filho. Eles tiveram até um programa na TV Globo, o Som Livre Exportação.

Em 1971, ele foi apresentado a um jovem estudante de engenharia, um certo mineiro chamado João Bosco, e a amizade não demorou a surgir. A parceria, inicialmente alimentada pelo correio, deu liga. A primeira gravação do que viria a se tornar uma griffe rolou precisamente no Disco de Bolso do Pasquim. Logo a seguir, Elis Regina os conheceu e gravou Bala Com Bala, a primeira de umas 20 deles que gravou com maestria.

Em 1975, João Bosco se tornou um sucesso em termos nacionais graças a canções marcantes que iam do samba às latinidades mil e outras experiências. Se o violão e a voz do mineiro de Ponte Nova eram fatores marcantes para esse sucesso, as letras de Aldir também se mostraram decisivas.

Afinal, quantos poetas seriam capazes de descrever com tanta precisão, bom humor e ironia a cena de uma tragédia cotidiana como em De Frente Pro Crime? Ou o tédio de uma relação amorosa que começou com tudo e se tornou apenas uma triste rotina na dolorida (e lindíssima!) Latin Lover? Ou de louvar um obscuro herói de nossa história e ainda dar umas agulhadas na ditadura militar em O Mestre Sala dos Mares?

Com mais de 100 canções, o songbook de João Bosco e Aldir Blanc é comparável ao das maiores duplas de todos os tempos, tipo Tom & Vinícius, Lennon & McCartney, Bacharach & David e por aí vai. Exagero? Lógico que não, e você, meu caro leitor, obviamente já concordou comigo de cara.

Bijuterias, Caça à Raposa, Dois Pra Lá Dois Pra Cá, Kid Cavaquinho, Linha de Passe, Nação, Rancho da Goiabada, os caras empilharam canções perfeitas, pra gente ouvir junto, cantar junto e se emocionar junto. Retratos de um Brasil cotidiano sofrido, irônico, mas sem nunca perder a ternura.

Em 1979, O Bêbado e a Equilibrista trouxe em sua melodia inspirada em Smile, de Charles Chaplin uma letra absurdamente inspirada e que virou o hino da Anistia que nos trouxe de volta o irmão do Henfil (o adorável e saudoso Betinho) e muito mais gente. Desses momentos históricos que nunca saem de nossas memórias.

Uma das minhas favoritas é A Nível de.., na qual Aldir nos presenteia com a hilariante história de dois casais heterossexuais, amigos de muito anos que se propõem a fazer um “troca-troca”, o que, no fim das contas, gera uma mudança inesperada nos relacionamentos deles. João soube aproveitar de tal forma a letra que a tornou um clássico em seus shows, sempre arrancando risos e muitos aplausos. Pérola de alto quilate em uma verdadeira joalheria musical.

Nos anos 1980, a parceria se desfez aos poucos, mas Aldir não se fez de rogado, escrevendo canções com gente do porte de Guinga, Moacyr Luz, Edu Lobo e Djavan. E foi com o tecladista Cristóvão Bastos que escreveu um dos maiores sucessos da carreira de Nana Caymmi, a sublime Resposta ao Tempo.

Autor de vários livros e cronista dos bons, Aldir também gravou três álbuns, um em parceria com Maurício Tapajós em 1984, outro em celebração a seus 50 anos de vida (50 Anos, em 1996) e Vida Noturna (2005). Em 2002, participou como cantor do songbook de João Bosco, e ali a parceria voltou à tona, com os dois compondo de forma ocasional, mas sempre com categoria.

Meio recluso por razões de saúde e também pessoais, ele no entanto participou do delicioso filme Praça Saens Peña (2008), no qual viveu ele mesmo, entrevistado pelo personagem vivido pelo ator Chico Diaz.

Aldir Blanc é o retrato de um Brasil rico, poético, sarcástico e inteligente que a cada dia parece mais distante de nós. Sua obra permanecerá como um marco dessa era de ouro da nossa cultura popular, quando era possível criar biscoitos finos que as massas consumiam com prazer. Bons tempos, heim?

obs.: meu abraço virtual de solidariedade ao grande João Bosco, um de meus ídolos e um dos caras mais inteligentes e simpáticos que já tive a honra de entrevistar em várias ocasiões.

Agnus Sei (gravação de 1972)- João Bosco:

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