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Roberto Carlos: 80 anos e muito mais do que um milhão de amigos

roberto carlos

Por Fabian Chacur

Em 1974, em seu delicioso hit Eu Quero Apenas, Roberto Carlos nos disse que “eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”. Como dizem por aí, cuidado com o que você deseja. Pois o artista, que completa nesta segunda (19) 80 anos de idade, possui muito, mas muito mais do que isso. Fãs incondicionais que se consideram seus amigos, e que certamente desejam tudo de bom e um pouco mais para o seu Rei. E alguém em sã consciência é capaz de dizer que ele não merece tanta idolatria?

Como jornalista especializado em música, tive a oportunidade de participar de três entrevista coletivas com o cantor, compositor e músico natural de Cachoeiro do Itapemirim (ES), todas realizadas na cidade de São Paulo: em 1988, no hotel Maksoud Plaza e em 1995 e 1996 no hotel Transamérica. Nas três, ficou claro para mim algumas de suas marcas: a simpatia, o imenso carisma e a forma sempre conciliadora de responder mesmo as perguntas mais ácidas.

Em uma delas (se não me falha a memória, na de 1988), questionei-o sobre o porque seu álbum de estreia, Louco Por Você (1961), nunca foi relançado oficialmente, e se isso ocorria devido ao seu veto. Ele, cheio de sorrisos e de dedos, disse que um dia a gravadora faria esse relançamento, e que ele não tinha impedido nada. No entanto, o disco completará 60 anos neste 2021, e continua disponível só em versões piratas, uma delas no formato CD repleta de faixas-bônus lançadas no início de sua carreira.

E já que o tema é efemérides, temos algumas bacanas em 2021, além dos 80 anos de idade e 60 anos do lançamento do álbum de estreia. Roberto Carlos (1971) considerado por muitos o seu melhor álbum e aquele que inclui sua canção mais citada, a maravilhosa Detalhes, celebrará 50 aninhos, enquanto Acústico MTV festeja 20 primaveras sem nunca ter sido exibido na emissora musical.

Poucos artistas conseguem chegar a uma idade como essa ainda relevante e cultuado por milhões de pessoas, ainda mais no Brasil, e o autor de Amada Amante e tantos outros sucessos pode se gabar dessa façanha. Se não lança mais discos com canções inéditas como fazia até meados dos anos 1990, mantém-se gravando projetos especiais (geralmente gravados ao vivo) e fazendo shows sempre lotados, alguns deles até em cruzeiros marítimos.

Há quem tente condená-lo por sua postura conservadora e as poucas opiniões sobre política. Ele só apoiou explicitamente uma candidatura, a de Antonio Ermírio de Moraes ao governo de São Paulo em 1986, embora já tenha dito, em uma entrevista ao extinto jornal O Pasquim, ser de direita. Também se mostrou irritado com a exibição no Brasil de filmes como Je Vous Salue Marie (1985), de Jean-Luc Goddard e A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, ambos com abordagens polêmicas sobre temas caros aos católicos.

Como ele nunca foi agressivo nesses posicionamentos e não está escrito em nenhuma lei que um artista seja obrigado a ter posições políticas públicas e a defendê-las, vale deixar essa sua faceta de lado. Mas dá para se lamentar sua luta contra o excelente livro Roberto Carlos em Detalhes (2006), de Paulo César de Araújo, com direito à destruição de inúmeros exemplares. Enfim. ninguém é perfeito, e é melhor falar de música.

Nesses mais de 60 anos de música, Roberto enveredou por vários estilos. Do flerte inicial com a bossa nova, mergulhou no rock and roll, que lhe valeu a Jovem Guarda e a primeira fase de grande sucesso, com direito a programa na TV ao lado do parceiro Erasmo Carlos e de Wanderléa. Mesmo nessa época, já mostrava a versatilidade, cantando baladas, música latina, valsa e até charleston ou coisa que o valha.

No fim dos anos 1960, investiu com categoria na soul music e aos poucos foi se tornando mais romântico ainda e mais pop, consolidando sua popularidade de uma vez por todas durante a década de 1970, com álbuns sempre esperados com avidez pelo grande público que emplacavam uma quantidade incrível de hits.

Os sucessos se mantiveram firmes e fortes durante a década de 1980, embora a crítica especializada adorasse detonar cada um desses álbuns. Mas, em sã consciência, dá para dizer que músicas como Fera Ferida, Emoções, Meus Amores da Televisão, Amazônia e Amor Perfeito, alguns dos grandes hits dessa era do Rei, são de fato músicas ruins?

Certa vez, um crítico disse que Roberto Carlos é o mais popular que um fã de música sofisticada consegue ouvir e o mais sofisticado que um fã de música brega consegue chegar. É uma opinião contra a qual podemos até por alguns reparos, mas que faz todo o sentido do mundo. Difícil encontrar alguém que não goste de rigorosamente nada do repertório de Roberto Carlos.

E tem duas vertentes marcantes da sua obra. A ecológica, quando poucos tocavam nesse tema no Brasil, que gerou O Progresso, O Ano Passado, As Baleias e tantas outras, e a de cunho religiosa, que gerou Jesus Cristo, Nossa Senhora e diversas outras. Lógico que também temos as canções temáticas femininas do tipo Coisa Bonita, Mulher Pequena e Mulher de Quarenta, ou a do caminnhoneiro, a do taxista etc. Mas até essas são bem divertidas.

Das composições da dupla Roberto e Erasmo até as canções de outros autores muito bem escolhidas, Roberto Carlos Braga nos proporcionou um verdadeiro tsunami de músicas boas de se ouvir. Sempre bom cantor, ele conseguiu não perder a voz nessas décadas todas, agora se valendo de interpretações mais doces e contidas que tem tudo a ver com sua paixão pela bossa nova, e que culminou com o belo álbum que gravou em parceria com Caetano Veloso em 2008 só com músicas do repertório do grande Tom Jobim, Roberto Carlos e Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim.

É Proibido Fumar, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, Rosita, Noite de Terror, Por Isso Estou Aqui, Não Vou Ficar, Todos Estão Surdos, Além do Horizonte, Amor Sem Limites… Acho que ficaria horas citando músicas do repertório do Rei de que gosto, e isso mostra o tamanho da obra desse cara. Parabéns pelos 80 anos, de um de seus milhões de amigos!

Amada Amante– Roberto Carlos:

Chorinhos em Desfile agora no céu, Altamiro

Por Fabian Chacur

Minha mãe era fã incondicional de música, da clássica à popular, e costumava ter sempre uma boa trilha sonora para seus afazeres de dedicada dona de casa que era. Eu, quando criança, tive a honra de ouvir com minha eterna dona Victoria vários de seus LPs.

Entre eles, um dos favoritos era Chorinhos em Desfile (1959), lançado pela gravadora Copacabana e creditado a Altamiro Carrilho e Seu Conjunto Regional. Era o “disco do passarinho”, devido à sua bela capa, com uma ave cantando nos galhos de uma árvore, em foto colorida que você pode ver ilustrando este post.

Esse álbum incluía 11 faixas, entre as quais maravilhas como Tico-Tico No Fubá (Zequinha de Abreu), André de Sapato Novo (André Victor Corrêa) e Canarinho Teimoso (Altamiro Carrilho e Ary Duarte), só para citar algumas que permanecem firmes na minha memória musical.

Através desse disco fantástico, gravado pelo flautista fluminense Altamiro Carrilho quando ele tinha 35 anos de idade, conheci um dos gêneros musicais mais cativantes da música brasileira, o chorinho, com seus improvisos, melodias deliciosas, predominância instrumental e berço/inspiração de músicos brilhantes, entre os quais o próprio AC.

Infelizmente, esse verdadeiro gênio da flauta e da música popular nos deixou no dia 15 (quarta-feira), vítima de um câncer no pulmão, e irá se juntar a minha saudosa mãe (1926-1996), apenas uma entre as inúmeras fãs desse verdadeiro gênio da música.

Altamiro Carrilho começou a tocar ainda muito jovem, aos 5 anos, e no decorrer dos anos passou a se dedicar à flauta e ao estudo da música, enquanto trabalhava como farmacêutico. No início dos anos 50, passou a atuar como músico em tempo integral.

Além de gravar inúmeros discos, entre os quais o citado Chorinhos em Desfile, Carrilho também atuou como músico de estúdio, sendo utilizado por grandes astros e sempre em posição de destaque em incontáveis gravações antológicas.

Dois de seus momentos marcantes como flautista estão nas gravações originais de estúdio de dois grandes clássicos da MPB, Detalhes (1971), de Roberto Carlos, e Meu Caro Amigo (1976), de Chico Buarque. Só essas duas participações bastariam para que eu o considerasse um gênio. E ele fez muito, mas muito mais.

Tive a honra de entrevistar esse monstro sagrado da música brasileira lá pelos idos de 1992, e fiquei cativado por sua simpatia e simplicidade, características que o marcavam também no intercâmbio com músicos mais jovens, dividindo seu talento com generosidade e inteligência.

Altamiro Carrilho (21.12.1924-15.8.2012) é mais um músico do primeiríssimo escalão da MPB que nos deixa. Sorte que temos os discos e vídeos para matarmos a saudade. Entre os quais Chorinhos em Desfile, que eu herdei da Dona Victoria. Que herança maravilhosa!

André de Sapato Novo, com Altamiro Carrilho:

Meu Caro Amigo, com Chico Buarque e Altamiro Carrilho:

Detalhes, com Roberto Carlos (flauta tocada por Altamiro Carrilho):

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