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John Davis, 75 anos, autor de hits disco e de seriados de TV

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Por Fabian Chacur

Dos estúdios da Filadélfia para as pistas de dança e depois para as telas de TV. Esse é um resumo da trajetória de John Davis, também conhecido como John E. Davis, produtor, compositor, músico e líder da John Davis & The Monster Orchestra. Ele infelizmente nos deixou no última dia 27 de janeiro aos 75 anos de idades, de causas não divulgadas. Sua trajetória musical é das mais interessantes, e com direito a alguns hits bem bacanas entre as décadas de 1970 e 1990.

John Edward Davis Jr. nasceu em 31 de agosto de 1947 e começou a se envolver com a música em seus tempos de escola e também quando cumpria o serviço militar. Entre o final dos anos 1960 e a metade da década de 1970, ele prestou serviços na cidade da Filadélfia para a Philadelphia International Records (PIR), gravadora que tornou famosos nomes como Harold Melvin & The Blue Notes, The O’Jays e inúmeros outros.

Sua participação de maior sucesso neste período foi a produção de Be Thankfull For What You’ve Got, que em 1974 chegou ao 1º lugar da parada de r&b e ao 4º lugar da parada pop na voz de Willian DeVaughn (ouça aqui). O single vendeu mais de um milhão de cópias e lhe rendeu um disco de ouro, que ele por sinal exibe na foto que ilustra este post.

Além de Vaughn, ele trabalho nessa época com The Intruders, Ricky Nelson, Bootsy Collins, Silver Convention e Donna Summers, entre outros.

Em 1976, Davis resolve mergulhar no universo da disco music com um trabalho próprio, e assim surge a John Davis & The Monster Orchestra. Seu primeiro álbum, Night And Day (1976), mescla standards da música como Night and Day (ouça aqui) a composições próprias.

A faixa autoral I Can’t Stop (ouça aqui) fez muito sucesso nas pistas de dança e também foi sampleada em gravações de Run-DMC, Missy Elliott, Brothers Black e Jungle Brothers, só para citar alguns.

Up Jumped The Devil (1977) manteve Davis e sua orquestra nos charts dançantes, graças especialmente à faixa-título (ouça aqui) e The Magic is You (ouça aqui ), esta última uma faixa épica com quase 14 minutos de duração.

O grupo chegou ao seu auge em 1978 com o álbum Ain’t That Enough For You. A espetacular faixa-título é uma das mais emblemáticas da disco music (ouça aqui). Temos também A Bite of the Apple (ouça aqui), hit na badalada Studio 54, e uma releitura de Kojak Theme (ouça aqui).

Lançado no fim de 1979, quando a disco music começava a sofrer com forte perseguição por parte dos conservadores e roqueiros radicais, o álbum The Monster Strikes Back não foi tão bem das pernas, embora seja bem legal, incluindo maravilhas como Love Magic (ouça aqui) e Bourgie Bourgie (ouça aqui), esta última cover da composição de Ashford & Simpson que também foi gravada pelo casal e por Gladys Knight & The Pips.

O grupo lançaria apenas mais um trabalho, e no formato maxi-single, com a música Hangin’ Out (ouça aqui), em 1981, curiosamente creditada apenas a The Monster Orchestra. E essa linda orquestra disco sairia de cena a partir daqui.

Além de John Davis nos arranjos, composições, teclados, sax, flauta e vocais, o grupo incluiu em seus álbuns músicos como Charles Collins e Jimmy Young (bateria), Vince Fay e Sugar Bear Foreman (baixo), Craig Snyder, Bobbi Eli e Roland Chamber (guitarra), Don Renaldo (arranjos de cordas e metais) e CArolyn Mitchell, Barbara Ingram, Barbra Benson e Carla Benson (vocais).

Com o fim da era disco, John Davis conseguiu abrigo nas redes de TV americanas, nas quais produziu e compôs canções de abertura para seriados como Dinastia, The Colbys, MacGyver e Missão Impossível (a versão dos anos 1980), entre outras. A mais popular de todas foi a abertura de Barrados no Baile (Beverly Hills 90210), hit mundial em 1992.

Beverly Hills 90210- Tema de Abertura– John Davis:

Jacques Morali e Henri Belolo, os criadores do Village People

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Por Fabian Chacur

Jacques Morali (1947-1991) e Henri Belolo (1936-2018) são a prova concreta de um mundo globalizado muitos anos antes de esse termo se popularizar. Dois marroquinos que se conheceram na França, criaram seus projetos de maior sucesso nos EUA e que ganharam fama mundial. Juntos, eles concretizaram projetos ligados à disco music de grande impacto comercial e artístico, entre os quais Village People, The Ritchie Family, Patrick Juvet, Dennis Parker e David London.

Nascido no dia 27 de novembro de 1936 em Casablanca, Marrocos, cidade eternizada por causa do filme homônimo estrelado em 1942 por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, Henri Belolo começou a se envolver com música ainda em seu país natal, importando e promovendo discos.

Em 1956, mudou-se para a França (Paris, para ser mais preciso), e lá conheceu o produtor e empresário Eddie Barclay, criador da gravadora Barclay, que deu uma força importante nesses seu início em um novo país.

Quatro anos após a sua chegada à França, foi contratado como produtor e diretor de a&r (artistas e repertório) da gravadora Polydor naquele país. Ele produziu discos para artistas como George Moustakis, Jeanne Moureau e Serge Renée. No final dos anos 1960, resolveu ser empreendedor, criando uma produtora e uma editora musicais, envolvendo-se com shows na França de artistas como os Bee Gees e James Brown.

Entre outras coisas, ele conseguia licenciar gravações americanas para o mercado francês, e isso lhe valeu alguns contatos valiosos, especialmente com a Philadelphia International Records, e mais especificamente com os estúdios Sigma Sound, situados na cidade americana da Filadélfia.

Comerciante astuto, Belolo notou o sucesso que alguns lançamentos de música dançante vindos da América estavam fazendo, especialmente os da gravadora TK Records, de Miami, cujos hits Rock Your Baby (George McRae) e That’s The Way (I Like It) (do KC & The Sunshine Band) foram licenciados para comercialização na França através dele.

Dessa forma, ele ficou bastante atento, e com a disposição de investir em algum projeto próprio na área do que logo a seguir receberia o rótulo de disco music. E é aí que entra nessa história um certo Jacques Morali, que Belolo conheceu em uma dessas negociações comerciais na área musical. Algumas afinidades logo se mostraram fortes entre eles.

Também oriundo de Casablanca, Marrocos, Jacques Morali nasceu em 4 de julho de 1947. Ao se mudar para Paris, começou uma carreira musical, inicialmente como cantor e compositor. Em 1967, lançou um compacto duplo com quatro de suas canções: Elle Aimé Elle N’Aimé Pas (ouça aqui), Sans Famille, Le Silence Et Le Bruit e J’Suis Mignone Hein?. Pop rock bem simpático.

Além de compor músicas para espetáculos da companhia Crazy Horse de Paris, ele também se envolveu com a parte burocrática do meio musical, e foi em uma ocasião dessas que conheceu Henri Belolo. Como sabia que ele estava em busca de novas ideias para um projeto musical próprio, propôs algumas. E uma em particular acabou interessando e muito a Belolo.

Em 1975, a disco music começava a surgir com força, e uma das formas que alguns produtores se valiam para entrar nessa área era investir em releituras de músicas de outros estilos musicais.

E Morali pensou em reciclar a sonoridade dos musicais americanos dos anos 1940, especialmente os que envolviam Carmen Miranda e o coreógrafo Busby Berkeley. Uma música em particular o fascinava: Brazil, versão em inglês de Bob Russell para a clássica Aquarela do Brasil, de Ary Barroso.

Sem pestanejar, Henri Belolo, que havia aberto dois escritórios de sua produtora, a Can’t Stop Productions, em Nova York e Filadélfia, foi para esta segunda cidade americana e contatou os amigos da Philadelphia International Records (PIR) e do Sigma Sounds Studios.

Como eles imaginavam ter vocais na linha das Andrew Sisters e outros grupos vocais femininos americanos do gênero, foram arregimentadas três cantoras de estúdio: Barbara Ingram e as primas Carla e Evette Benson, conhecidas por participar de gravações antológicas de artistas como Patty LaBelle, John Davis, Billy Paul, Lou Rawls e inúmeros outros.

Entre os músicos, alguns dos mais famosos da Filadélfia, entre eles o lendário baterista Earl Young, conhecido por ser o inventor da batida disco com a gravação The Love I Lost (1973), do grupo Harold Melvin & The Blue Notes e também como líder do seminal grupo The Trammps (de Disco Inferno e tantos outros hits marcantes da era disco).

Os arranjos ficaram a cargo de Ritchie Rome (1930-2020), conhecido por seus trabalhos com The Chi-Lites, The Three Degrees e Patty Labelle. E, curiosamente, foi em homenagem a ele que aquele projeto de estúdio foi batizado: The Ritchie Family. E o primeiro single foi precisamente Brazil (ouça aqui). Lançada no final de 1975, logo se tornou um hit nas pistas de dança, e chegou ao nº 11 na parada pop americana.

Empolgados, Morali e Belolo não perderam tempo e lançaram em 1976 o primeiro álbum da The Ritchie Family. Intitulado Brazil, o LP vendeu bem, atingindo o nº 53 nos EUA e mesclando músicas alheias com composições inéditas. Além da faixa-título, outro sucesso foi Life Is Fascination (ouça aqui), que no Brasil entrou na trilha da novela global Anjo Mau (1976).

As músicas inéditas de Brazil levavam a assinatura de Morali, que se incumbia das melodias, Belolo, que vinha com as ideias para as letras, e, neste caso específico, do letrista Beauris Whitehead (depois, outros letristas, como Peter Whitehead e Phil Hurtt, também contribuiriam).

Esses parceiros adicionais entravam pelo fato de Belolo e Morali não se sentirem à vontade o suficiente para escrever letras em inglês, e seus parceiros se incumbiam de traduzir os versos feitos originalmente em francês e formatar as frases de forma correta no idioma britânico.

Com o sucesso de seu primeiro projeto e recebendo convites para shows e apresentações em TV, The Ritchie Family teve de ter uma cara própria, e foram convidadas para gravar como integrantes oficiais do trio as cantoras Cheryl Mason Jacks, Cassandra Ann Wooten e Gwendolyn Oliver.

Foi com elas (há quem diga que só dublando as músicas, pois o trio Barbara-Carla-Evette teria continuado a gravar) e os músicos da Filadélfia que foi gravado o 2º álbum da The Ritchie Family. Arabian Nights, saiu ainda em 1976 e chegou ao nº 30 nos EUA, impulsionado pela faixa The Best Disco In Town (ouça aqui), que veio de uma boa sacada dos produtores.

Eles criaram um ótimo refrão que servia como mote para encaixar trechos de diversos hits dançantes, alguns bem recentes, por sinal, como Fly Robin Fly (do trio Silver Convention), Love To Love You Baby (Donna Summer) e Bad Luck (Harold Melvin and The Blue Notes). No formato single, fez o maior sucesso, atingindo o posto de nº 17 na parada pop ianque.

Em 1977, no entanto, o embalo da The Ritchie Family caiu consideravelmente, com o lançamento de dois álbuns que não foram muito bem das pernas em termos de sucesso comercial, Life Is Music (ouça a faixa-título aqui) e African Queens.

A partir daqui, as coisas se complicaram. As três vocalistas foram surpreendentemente demitidas, sendo substituídas por Ednah Holt, Jacqui Smith Lee e Dodie Draher. O primeiro álbum da nova fase, American Generation (1978), também fracassou, mesmo com a ótima faixa-título (ouça aqui) e músicos de Nova York sobre o qual falarei mais à frente.

O grupo lançaria mais dois álbuns com a produção de Henri Belolo e Jacques Morali, Bad Reputation (1979, com Put Your Feet To The Beat, que chegou a tocar em rádios no Brasil, ouça aqui) e Give Me a Break (1980), mas ambos foram ainda pior. E os criadores abandonaram suas criaturas.

Em 1982, as garotas remanescentes ainda lançaram I’ll Do My Best, com produção de Mauro Malavasi, do grupo Change, sem grande repercussão, e sairiam de cena com All Night All Right (1983), voltando em 2011 com duas das integrantes da fase áurea para shows nostálgicos e temáticos de disco music. E havia uma razão para elas terem sido, de certa forma, descartadas.

Voltemos para 1977. Jacquer Morali, que era gay (enquanto Belolo era heterossexual), frequentava as discotecas e boates de Nova York, e em particular as de Greenwich Village. Em uma delas, viu alguns frequentadores usando trajes que equivaliam a estereótipos dos machos. Ao levar um dia o amigo Belolo para ver isso, teve a ideia que mudou de vez a vida dos dois.

“O que você acha de criarmos um grupo com seis homens caracterizados como figuras marcantes da masculinidade cantando música disco e dançando coreografias contagiantes?”.

Belolo vacilou no início, mas logo percebeu o potencial da ideia do amigo, e topou investir nesse novo projeto, que vinha a calhar, levando-se em conta que a The Ritchie Family dava sinais de cansaço em termos comerciais.

O próximo passo era encontrar um cantor que fosse bom para ser o líder vocal do grupo. Ao ver a montagem do grupo teatral Negro Ensemble Company para The Wiz (O Mágico de Oz), Morali ficou encantado com o ator principal, Victor Willis, e o convidou para integrar o grupo.

Nascido em Dallas, Texas em 1º de julho de 1951, filho de um pastor batista, Willis se mudou para Nova York com o intuito de ingressar no meio artístico. Após gravar alguns singles solo sem grande repercussão, deu-se bem nos espetáculos teatrais, e The Wiz foi a sua vitrine para o estrelato.

Como a inspiração para a criação do novo grupo vinha de Nova York, Belolo e Morali acharam que faria mais sentido gravar o primeiro álbum deles na Big Apple, e com músicos locais. E escolheram o arranjador, compositor, pianista e produtor Horace Ott (1933) para se incumbir dos arranjos e também de arregimentar uma banda que pudesse criar um som diferente e original.

Coautor do clássico Don’t Let Me Be Misunderstood (hit com The Animals nos anos 1960 e relido com sucesso pelo Santa Esmeralda em versão disco), Horace Ott trazia no currículo trabalhos com artistas do porte de Nina Simone, Aretha Franklin, Doris Troy, The Stylistics e Marilyn McCoo & Billy Davis Jr. (o arranjo da belíssima You Don’t Have To Be a Star – ouça aqui)

O time foi escalado com músicos experientes e talentosos como Alfonso Carey (baixo), Russell Dabney (bateria),Jimmy Lee (guitarra solo), Rodger Lee (guitarra base), Nathaniel “Croker” Wilke (teclados), Richard Trifan (teclados) e vários percussionistas e naipes de metais.

O nome do grupo homenageava a fonte inspiradora: Village People. As quatro músicas (todas longas) foram escritas naquele esquema de Belolo e Morali com o apoio dos letristas Pete Whitehead e Phill Hurtt. Coube a Victor Willis gravar todos os vocais, pois a Can’t Stop Productions tinha pressa e não podia esperar o recrutamento de todos os integrantes.

Village People (o álbum) saiu em 18 de julho de 1977, e teve ótima repercussão graças à faixa San Francisco (You Got Me) (ouça aqui), que se tornou uma espécie de molde para os outros hits do grupo, baseado em aberturas com metais, Willis conduzindo a canção no melhor estilo cantor de r&b e refrões matadores. O álbum chegou ao nº 54 na parada pop.

Com o sucesso das músicas nas rádios e pistas de dança, logo surgiram convites para apresentações ao vivo. Era necessário ter o time escalado. Willis ficou como o policial. Felipe Rose, que Belolo e Morali conheceram nas boates, virou o índio. Após uma seleção, foram escolhidos para completar o line up Alex Briley (soldado), Glenn Hughes (motoqueiro), David Hodo (operário) e Randy Jones (cowboy).

Sem perder tempo, a Can’t Stop Productions pôs o grupo em estúdio, e em 2 de fevereiro de 1978 chegava às lojas o álbum Macho Man, que atingiu o nº 24 na parada pop impulsionado pela divertida faixa-título (ouça aqui), que no formato single chegou ao 25º lugar nos EUA.

Uma novidade interessante é o fato de Victor Willis ter virado parceiro das canções a partir deste álbum, sendo o letrista principal, ou sozinho ou com os outros nomes citados anteriormente. Mais uma curiosidade é a abertura de Macho Man, que seria reciclada em várias outras músicas do VP.

Com um clipe que aproveitava bem o apelo visual e as coreografias dos seus seis integrantes, Macho Man se tornou rapidamente um hit mundial, conquistando desde crianças até os adultos, mesmo com suas letra de duplo sentido e de conotação gay, algo que marcou toda a obra do Village People.

A era disco teve como marca a avidez de seus produtores em oferecer novos produtos aos fãs, e isso explica o fato de, em 25 de setembro de 1978, ou seja, apenas sete meses após o lançamento de Macho Man, chegar às lojas o 3º álbum do Village People.

E que álbum! Cruisin’ marca o momento em que a fórmula criada por Morali, Belolo, Horace Ott e pelos músicos participantes (que ficaram conhecidos como a Gipsy Lane band) atingiu a perfeição.

Sua faixa mais explosiva, YMCA (ouça aqui), com uma letra inacreditável exaltando a Associação Cristã de Moços, chegou ao nº 2 nos EUA, barrada de chegar ao topo por Do Ya Think I’m Sexy, guinada disco de Rod Stewart.

E o LP tinha mais duas pérolas matadoras, o pot-pourry The Women/I’m a Cruiser (ouça aqui), uma das faixas mais perfeitas da era disco, com direito a uma bela homenagem às mulheres. Desta forma, Cruisin’ foi o mais bem-sucedido álbum do Village People, atingindo o 3º lugar nos EUA.

O baile não podia parar, e dessa forma, saiu em 26 de março de 1979 Go West, quando o álbum anterior ainda repercutia bem. E deu certo, pois atingiu o 8º posto entre os álbuns, com hits como I Wanna Shake Your Hand (ouça aqui) e a faixa-título (ouça aqui), que nos anos 1990 seria regravada com sucesso pelo Pet Shop Boys.

A faixa mais marcante, no entanto, foi In The Navy (ouça aqui), com clipe valendo-se de navios da marinha norte-americana e que chegou a ser cogitada para uso em campanha para alistamento, o que acabou sendo vetado em cima da hora. Um hit delicioso com sua marcação de palmas que chegou ao nº 3 na parada de singles estadunidense.

A partir daqui, as coisas começaram a se complicar para o “Povo do Vilarejo”. De um lado, surgiu o abominável movimento Disco Sucks, capitaneado por DJs e roqueiros ressentidos com o sucesso da disco music, cujos astros eram frequentemente mulheres, gays e latinos. Puro preconceito.

Do outro, o desgaste provocado pelo excesso de exposição na mídia da disco music, e também do caráter derivativo de diversas gravações do gênero neste período, repletas de produtores e artistas oportunistas querendo faturar em cima do “som da moda”.

É em meio a esse clima de desgaste e hostilidade que Morali e Belolo tentam dar uma sacudida e inovada com o lançamento, em setembro de 1979, do álbum duplo Live And Sleazy. Um LP trazia a gravação de um caloroso show ao vivo do Village People, com versões quentes dos hits e marcando a inesperada despedida do vocalista Victor Willis.

Embalado pelo sucesso com o grupo, Willis queria sair fora do universo disco e brilhar sozinho. Ele gravou naquele mesmo 1979 o álbum Solo Man, com músicas de sua autoria investindo no funk e na soul music. Este trabalho, no entanto, só foi lançado em 2015.

O outro LP, gravado em estúdio, trazia a presença de Ray Simpson, substituto de Willis e irmão da consagrada cantora e compositora Valerie Simpson (do duo Ashford & Simpson). O repertório tentava dar uma inovada no estilo, especialmente no rock disco Sleasy (ouça aqui), com o operário David Hodo no vocal principal.

O álbum teve uma performance inferior aos anteriores, atingindo o nº 32 na parada pop. Seu único single de sucesso foi a curiosa e pouco profética Ready For The 80’s (ouça aqui), que com Simpson no vocal líder atingiu o nº 52 na parada pop. Seria o último hit deles nos EUA.

Naquele mesmo e agitado 1979, Morali e Belolo se associaram a Alan Carr, produtor do filme Grease (1978), para criar um filme estrelado pelo Village People e com os atores Steve Guttenberg (famoso depois com os Loucademias de Polícia) e Valerie Perrine (de Lenny e Superman 1 e 2).

Apropriadamente intitulado Can’t Stop The Music (alusão à produtora de Morali e Belolo e ao preconceito contra a disco), o longa-metragem foi lançado em maio de 1980, quando a disco music rolava ladeira abaixo, e fracassou miseravelmente nas bilheterias.

A trilha sonora, no entanto, até que não foi tão mal, atingindo o nº 47 nos EUA e um surpreendente nº 9 no Reino Unido. Das 10 faixas, 5 são com o Village People. Entre elas, Can’t Stop The Music (ouça aqui), sucesso no Reino Unido e no Brasil, o maior na voz de Ray Simpson, que na trilha também releu YMCA, em versão inferior à original (ouça aqui).

Temos duas curiosidade neste álbum. Uma é uma tentativa de trazer nova energia para a The Ritchie Family, que comparece com três faixas, entre elas Give Me a Break (ouça aqui), muito legal, mas que infelizmente não foi muito bem nas paradas de sucessos.

A outra fica por conta de um cantor de nome David London, que interpretou as músicas The Sound Of The City (que fez sucesso no Brasil ouça aqui) e Samantha. E ele tem uma história curiosa que vale contar rapidinho por aqui.

London, na verdade, era o pseudônimo que o cantor e compositor Dennis Frederiksen (1951-2014) usava nas gravações que fez de disco music, pois tinha vergonha do estilo pelo fato de na verdade ser um artista de rock, que compôs e participou de gravações de bandas como Survivor, Toto, Trillion e LeRoux, além de ter lançado trabalhos solo também.

Bem, o que fazer com o Village People após o fracasso de Can’t Stop The Music e a queda da disco music? Seus produtores apostaram em uma solução radical. Pra começo de conversa, os integrantes trocaram seus trajes habituais e passaram a se vestir inspirados nas então efervescentes new wave e new romantic, usando roupas coloridas e cabelos da moda de então.

Em termos musicais, então, a troca foi ainda mais brusca, deixando a batida disco de lado e mergulhando de cabeça na new wave e no soft rock. Na nova banda de apoio e também ajudando a compor algumas músicas, o baixista Howie Epstein (1955-2003), que em 1982 substituiu Ron Blair na seminal banda Tom Petty and The Hearbreakers.

O álbum resultante dessa verdadeira metamorfose, Renaissance, saiu em junho de 1981, e é desconcertante e paradoxal. As músicas são boas e os arranjos, excelentes, mas é totalmente diferente do Village People. Perdeu a alma, a célula mater do grupo. Se tivesse sido lançado por um grupo novo, quem sabe estourasse, mas com eles, não passou do nº 138 nos EUA.

Do You Wanna Spend The Night (ouça aqui), por exemplo, não teria feito feio em um disco dos Eagles ou da Little River Band, com sua levada soft rock animadona. Ótima! Por sua vez, Food Fight (ouça aqui) poderia ter integrado um disco da banda new wave americana Devo. E por aí vai.

O grupo se esforçou para divulgar a sua nova fase, e até marcou presença em janeiro de 1982 como uma das atrações do tradicional Festival de San Remo, na Itália, tocando em um intervalo das apresentações dos concorrentes (veja aqui). Mas nada foi capaz de tornar o Village People new wave/new romantic bem-sucedido em termos comerciais.

Após mais um fracasso, a tentativa seguinte foi um retorno de Victor Willis, que gravou com a banda o álbum Fox On The Box, lançado em julho de 1982 e que curiosamente não saiu na época nos EUA, França e Reino Unido. O fracasso do LP, uma aposta meio furada na sonoridade r&b de então, a la Prince e quetais, levou Willis a sair mais uma vez.

Em 1985, com Ray Stephens no vocal principal, o grupo nos ofereceu o peculiar Sex Over The Phone, cuja faixa-título (veja o clipe aqui) se inspirava de forma premonitória no sexo feito de forma remota, quando a Aids se tornava uma triste realidade. O clipe é hilariante e bizarro.

Com mais um fracasso nas costas, e por outras razões que abordarei mais à frente, Jacques Morali e Henri Belolo abriram mão do Village People em 1985. A banda voltou cerca de três anos depois, comandada por alguns de seus ex-integrantes (entre eles Ray Simpson), usando novamente os trajes de sua fase áurea e focando nos shows reverenciado a era da disco music.

Além de Village People e The Ritchie Family, a Can’t Stop Production investiu em mais dois artistas que valem ser enfocados. Um deles é o cantor e compositor suíço radicado na França Patrick Juvet (1950-2021), sobre o qual Mondo Pop fez um extenso texto quando de sua morte (leia aqui).

O outro é um caso mais curioso. Trata-se de Dennis Parker (1946-1985), nome usado no meio musical pelo ator americano Dennis Posa, também conhecido pela alcunha de Wade Nichols nos filmes pornôs de que participou. Como ator, ele viveu o papel do chefe policial Derek Mallory na série televisiva The Edge Of Night entre 1979 e 1984.

Posa/Nichols/Parker namorou com Jacques Morali, que resolveu apostar em uma carreira musical para ele. Valendo-se basicamente da mesma equipe que atuava nos discos do Village People e da fase final da The Ritchie Family, ele colocou o namorado em estúdio. No dia 1º de março de 1979, saía o fruto desse projeto, o álbum Like An Eagle, surpreendentemente bom.

Tudo bem, a voz de Parker é bem limitada e com pouca extensão, mas os produtores souberam encaixá-la de forma a não atrapalhar as músicas. Na espetacular faixa-título, por exemplo (ouça aqui), sua interpretação sussurrante e sensual se encaixa bem no clima disco midtempo, tornando-a um envolvente clássico cult das pistas de dança.

As faixas mais conhecidas são as excelentes Why Don’t You Boogie e I’m a Dancer, que no álbum aparecem em sequência sem interrupções (ouça aqui) e que poderiam ter figurado sem fazer feio nos melhores álbuns do Village People, pois tem aquele estilo contagiante.

O álbum teve sucesso bastante restrito ao público disco mais fiel, mas teve boa repercussão no Brasil, inclusive trazendo o cantor para cá com a missão de participar de alguns programas de TV e rádio. I’m a Dancer foi incluída na trilha sonora da novela global Marrom Glacê (1979).

A carreira de Dennis Parker como cantor se resumiu a este álbum, provavelmente pelo sucesso comercial reduzido e também pelo fim do seu namoro com Morali. Infelizmente uma das primeiras vítimas famosas do vírus HIV, eles nos deixou em 28 de janeiro de 1985 com apenas 34 anos.

E é exatamente aí que entra o porque a parceria que gerou tantos hits se encerrou. Em 1985, Jacques Morali também foi diagnosticado com o vírus HIV, e a partir daí saiu de cena, com Belolo voltando ao esquema antigo de licenciar músicas para o mercado francês, especialmente hits dançantes. Morali nos deixou em 15 de novembro de 1991.

Embora menos do que produtores contemporâneos, Morali e Belolo também colaboraram com outros artistas. A diva Cher, por exemplo, gravou em 1982 uma música deles, Rudy (ouça aqui), no álbum I Paralize (1982), canção anteriormente gravada em francês pela estrela franco-egípcia Dalida.

Belolo e Morali só atuaram em um único projeto fora do universo da disco music. Foi com o trio de rap/hip hop Break Machine, liderado pelo também compositor Keith Rogers. O álbum produzido por eles para o grupo passou batido nos EUA, mas o single Stree Dance (ouça aqui) chegou ao 3º lugar no Reino Unido em 1984 e é muito bom.

Morali também produziu e compôs músicas para o álbum I Love Men (1984), da célebre cantora e atriz americana Eartha Kitt (1927-2008), mais conhecida no Brasil por ter sido a Mulher Gato na série de TV Batman, nos anos 1960. A faixa-título é ótima, assim como o clipe (veja aqui).

Após o fim da parceria do Village People com Jacques Morali e Henri Belolo, seis de seus integrantes, entre eles Ray Simpson, criaram em 1987 a produtora Sixuvus. A partir daí, eles passaram a fazer shows pelos quatro cantos do mundo, com o visual da fase clássica.

Conseguiram, dessa forma, manter o nome do grupo ativo, participando de programas de TV e lançando eventuais singles, entre eles um, bizarro, com a seleção da Alemanha que disputou a Copa do Mundo de 1994 nos EUA, Far Away In America (veja o clipe aqui ).

Enquanto isso, seu antigo vocalista, Victor Willis, envolveu-se com drogas e chegou a ser preso e depois internado em uma clínica de reabilitação para se livrar do vício. As coisas começaram a melhorar para ele, curiosamente, a partir de 2012, quando ganhou o primeiro processo na justiça americana pelos direitos sobre as músicas que escreveu com o Village People.

Essa pendenga jurídica acabou em 2017, quando Willis não só conseguiu ficar com a parcela de direitos autorais antes destinados a Henri Belolo como de quebra passou a ser o dono dos direitos da utilização da marca Village People para shows, passando a perna na Sixuvus.

Desde então, o Village People passou a ter Victor Willis como seu vocalista principal novamente e cinco coadjuvantes escolhidos para dar apoio a ele nos shows. O grupo gravou em 2018 um álbum inédito, A Village People Christmas, com músicas natalinas assinadas por Willis.

YMCA (clipe oficial)- The Village People:

Sarah Dash, 76 anos, do grupo Labelle e uma ativista social

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Por Fabian Chacur

Durante mais de um mês, pesquisei e ouvi inúmeras vezes o álbum Gonna Take a Miracle, da saudosa Laura Nyro (1947-1997) em parceria com o trio vocal feminino Labelle, com o intuito de fazer um texto celebrando os 50 anos de seu lançamento (leia aqui), que enfim foi publicado no último domingo (19). Pois, para minha imensa tristeza, uma das integrantes do grupo, Sarah Dash, nos deixou nesta segunda (20), aos 76 anos de idade.

Sem causa mortis revelada, embora alguns amigos tenham afirmado que a cantora havia se queixado de desconfortos físicos nos últimos dias, Dash recebeu homenagens nas redes sociais de várias pessoas, incluindo sua parceira de grupo, Pati LaBelle, que afirmou ter cantado com ela em um evento no último sábado (18). Ela também recebeu recentemente uma premiação de sua cidade natal, Trenton (Nova Jersey-EUA) por seu trabalho artístico e também social, pois apoiou várias causas humanitárias, incluindo auxílio a mães solteiras sem lar.

Sarah Dash nasceu em 18 de agosto de 1945 e deu seus primeiros passos como cantora profissional a partir de 1961, quando se uniu a Patti LaBelle e Nona Hendryx no grupo Patti Labelle And The Blue Belles. O grupo passou a década de 1960 inteira lançando trabalhos com menos repercussão do que mereciam, mas sem esmorecer. A partir de 1971, mudaram o nome do trio para Labelle, e gravaram o álbum ao lado de Laura Nyro.

Entre 1971 e 1977, o Labelle lançou seis álbuns próprios, e estourou com o quarto deles, Nightbirds (1974), que atingiu o 7º lugar na parada de álbuns americana e traz como grande atrativo o explosivo single Lady Marmalade (ouça aqui), 1º lugar nos EUA e rendendo ao grupo a capa da revista Rolling Stone.

Após a separação do Labelle, que ocorreu em 1977, Sarah estreou na carreira solo em 1978, com um hit nas discotecas americanas, Sinner Man. Até 1988, ela lançaria quatro álbuns individuais que não obtiveram o mesmo sucesso comercial dos tempos de seu grupo, mas a mantiveram na ativa.

Em 1988, Sarah foi convidada por Keith Richards, que a conhecia desde os tempos em que Patty LaBelle And The Blue Belles abriu shows para os Rolling Stones nos anos 1960, para integrar sua banda Xpensive Winos. Ela não só participou de dois álbuns do cantor e guitarrista britânico, Live At The Hollywood Palladium (1991) e Main Offender (1992), como de quebra ainda marcou presença em Steel Wheels (1989), dos Stones.

A cantora também deu brilho ao trabalho de outros artistas, entre os quais Nile Rodgers (em seu disco solo Adventures in the Land of the Good Groove, de 1983), The O’Jays, David Johansen (do grupo New York Dolls) e The Marshall Tucker Band.

O Labelle teve dois retornos em termos de gravações. Um em 1995, quando gravaram a faixa Turn It Out para a trilha do filme To Wong Foo Thanks For Everything! Julie Newmar e um em 2008, mais robusto, que rendeu o álbum Back To Now, com boa repercussão e atingindo o 45º lugar na parada americana.

Sinner Man– Sarah Dash:

Patrick Juvet, 70 anos, um dos grandes astros da disco music

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Por Fabian Chacur

Por paradoxal que possa parecer, o volume de notícias na era da internet é tão grande que, por vezes, acabamos deixando passar algumas delas. Apenas hoje fiquei sabendo da morte do cantor e compositor suíço Patrick Juvet. Ele nos deixou aos 70 aos de idade no dia 1º de abril deste ano. Foi encontrado morto em seu apartamento em Barcelona, Espanha, vítima de um ataque cardíaco, conforme informaram seus parentes em post nas redes sociais. Com atraso, mas na antevéspera do que seria o seu aniversário de 71 anos, eis o tributo de Mondo Pop a esse artista.

Patrick Juvet nasceu no dia 21 de agosto de 1950 na icônica cidade de Montreux, mundialmente conhecida por abrigar desde o final dos anos 1960 um badalado festival de jazz. Ele chegou a atuar como modelo na cidade alemã de Dusseldorf durante dois anos, mas se mudou para a França lá pelos idos de 1970, disposto a arriscar uma carreira no meio musical. Juvet encantou o produtor Eddie Barclay, que o contratou para o seu selo, o Barclay, em 1971.

O cantor lançou seu primeiro álbum em 1973, mesmo ano em que representou a Suíça no festival Eurovision com a canção Je Vais Me Marier Marie, que atingiu a 12ª posição na importante competição musical europeia.

Em 1975, fez sucesso na França e no Brasil com um single que trazia dois hits internacionais vertidos para o francês: Magic (David Paton e Billy Lyall- ouça aqui), do grupo britânico Pilot cuja versão foi assinada pelo então ainda desconhecido músico francês Jean-Michel Jarre, e J’ai Peur de La Nuit, versão de Boris Bergman (ouça aqui) para Only Women Bleed, hit de Alice Cooper e Dick Wagner gravado pelo astro americano em Welcome To My Nightmare (1975).

A coisa realmente engrenou na carreira de Patrick Juvet quando ele firmou parceria com a produtora Can’t Stop Productions, do músico e produtor Jacques Morali e do administrador Henri Belolo, os mesmo responsáveis pelos estouros do Village People e da Ritchie Family. O primeiro projeto do cantor suíço com os novos parceiros, o álbum Got a Feeling (1978), tornou-se o marco principal de sua trajetória musical. Em pleno auge da era da disco music, estourou no mundo inteiro, graças a dois singles certeiros.

O 1º foi Got a Feeling, faixa-título do LP e cujo single de vinil (com Another Lonely Man no lado B) eu ganhei do meu saudoso irmão Victor no meu aniversário de 17 anos. O 2º e mais importante se tornou o seu maior hit, I Love America (ouça aqui), que no álbum dura 14m02 e no single por volta de 6 minutos (divididos em duas parte). Difícil alguma festa temática disco que não inclua essa música.

O álbum traz quatro faixas. Três delas- Got a Feeling, Another Lonely Man e I Love America são parcerias de Juvet com o produtor Jacques Morali e o cantor americano Victor Willis, vocalista principal do Village People em sua fase áurea. A faixa restante, Where Is My Woman, tem como autores Juvet, Willis e o velho amigo Jean-Michel Jarre. Os arranjos de cordas e metais de Horace Ott e os vocais e de base de Morali são matadores.

Em 1979, Patrick Juvet voltou com outro ótimo álbum, Lady Night, que emplacou nas paradas disco a certeira faixa-título (ouça aqui) e a deliciosa Swiss Kiss (ouça aqui), ambas assinadas por Juvet/Morali/Willis.

Naquele mesmo 1979, Juvet mostrou um outro lado de seu talento com o álbum praticamente todo instrumental Laura Les Ombres De L’ete, trilha sonora do filme Laura, dirigido pelo inglês David Hamilton que conta com a participação dos músicos franceses Marc Chantereau e Slim Pezin, integrantes do grupo Voyage, outro marco da disco music com hits como Souvenirs, From East To West e Scotch Machine, entre (vários) outros.

Aí, a era disco infelizmente acabou, com boa parte dos artistas imediatamente associados a esse estilo musical sendo jogados de lado pela mídia e gravadoras. Patrick Juvet não foi exceção, e após tentativas de reaver o sucesso perdido (um desses álbuns tinha o irônico título Still Alive, de 1980), mergulhou em bebidas e drogas, mudando algumas vezes de país e entrando em franca decadência.

Um bom momento desses anos pós-fama ocorreu em 1991 com o lançamento do álbum Solitudes, que contou com as participações especiais de Françoise Hardy, Luc Plamondou e Marc Lavoine. Sua carreira, então, passou a ser participar de shows de revival da disco, alguns ao lado da cantora Sheila B. Devotion (dos hits Spacer, Singing In The Rain e You Light My Fire). Em 2005, ele lançou a autobiografia Les Bleus Au Coeur: Souvenirs, na qual contou suas histórias na música e também como lidou com o seu homossexualismo.

Got a Feeling (clipe)- Patrick Juvet:

Three For Love (1980), o álbum que consolidou o trio Shalamar

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Por Fabian Chacur

Tudo que começa mal, termina mal, afirma uma das inúmeras frases feitas pertencentes ao léxico popular. Nem sempre, no entanto. A história do Shalamar serve como um belo exemplo. O grupo americano que, na verdade, começou como uma mera armação de estúdio destinada a faturar uns trocados, acabou se tornando uma das forças do r&b e da disco music em seus anos de ouro, entre 1977 e 1983. E o álbum que consolidou sua trajetória, Three For Love, completa 40 anos de seu lançamento pela Solar Records nos EUA neste 15 de dezembro de 2020.

Antes de nos concentrarmos nesse icônico trabalho, vamos dar uma geral na trajetória do grupo. Tudo começou quando o produtor e promotor artístico Dick Griffey (1938-2010) resolveu criar, em parceria com o apresentador de TV e criador do seminal programa televisivo americano Soul Train, Don Cornelius (1936-2012), uma gravadora dedicada à música negra, a Soul Train Records. A ideia era apostar no r&b, mais especificamente naquele mais próximo da disco music, então o estilo musical mais popular.

Em 1977, como forma de entrar com força nesse mercado e explorar um veio bem seguido naqueles anos, Griffey arregimentou cantores e músicos de estúdio e gravou um pot-pourry com trechos de vários hits da Motown Records (como Going To a Go-Go e I Can’t Help Myself) e intitulado Uptown Festival. O single, creditado ainda de forma impessoal ao Shalamar, atingiu o 25º posto na parada pop e o 10º na de r&b.

Ficou claro para Griffey que poderia ser interessante criar um grupo de verdade para não só divulgar aquele single em rádios e TVs como também fazer shows e gravar um álbum completo. Dos cantores que participaram de Uptown Festival, Gary Mumford foi considerado o mais adequado a entrar no projeto. Completaram o time dois dançarinos estilosos do cast do Soul Train.

Jody Watley, nascida em 30 de janeiro de 1959, subiu ao palco pela primeira vez na vida aos oito anos de idade, em um show de seu padrinho, ninguém menos do que o lendário soul man Jackie Wilson (1934-1984). Ao participar do Soul Train, logo se tornou um dos destaques do elenco de dançarinos daquela atração televisiva, por dançar bem, ter um belíssimo visual e estilo próprio. De quebra, tinha um belo parceiro de dança.

Jeffrey Daniel, esse “parça”, nasceu em 24 de agosto de 1955, e era estilosíssimo, além de criativo. Reza a lenda que foi ele quem inventou os passos que, depois, se tornaram mundialmente conhecidos através de Michael Jackson, o célebre moonwalk. Quando surgiram as vagas para o Shalamar, e ao ficar claro que eles também cantavam, e bem, Dick Griffey os escalou para gravar o 1º LP.

Intitulado Uptown Festival, o LP saiu em 1977 e teve boa vendagem. Só que surgiu um problema pouco depois de seu lançamento: Don Cornelius quis encerrar as atividades da Soul Train Records, para se dedicar exclusivamente ao programa de TV. Inconformado, Dick Griffey comprou a parte do ex-sócio e mudou o nome da empresa, que passou a se chamar Solar (sigla criada a partir do nome Sound Of Los Angeles, sua solar cidade-sede).

A nova fase da gravadora estreou com o segundo álbum do Shalamar, Disco Gardens (1978), que trouxe o jovem veterano Gerald Brown na vaga de Gary Mumford. Este trabalho marcou o início da parceria do grupo com o produtor, baixista e compositor Leon Sylvers III, integrante do The Sylvers que naquele momento resolveu se concentrar na área da produção e sair daquela bem-sucedida banda de r&b pop.

A parceria rendeu um hit logo de cara, a deliciosa Take That To The Bank (Leon Sylvers III- Kevin Spencer), uma espécie de aperitivo do que viria a seguir. Pouco depois do lançamento do álbum, mais uma alteração no grupo: Gerald Brown saiu de forma intempestiva durante a turnê de divulgação do álbum. Para preencher a vaga, Watley e Daniel se lembraram de um cara talentoso que encontraram em um de seus shows, em Akron, Ohio.

A peça final no quebra-cabeças intitulado Shalamar atende pelo nome de Howard Hewett, nascido em 1º de setembro de 1955 e cujas marcas registradas eram o carisma, a ótima voz, a desenvoltura como dançarino e o mais do que instantâneo entrosamento com seus novos colegas de banda.

O “grupo-armação” ganha identidade própria

O terceiro álbum do trio, Big Fun (1979), trouxe, além da excelente estreia de Hewett no time, a adição de uma série de músicos arregimentados por Leon Sylvers III, que além de forte consistência e identidade sonora, trariam também ótimas composições. A primeira delas foi o primeiro grande hit do Shalamar, Second Time Around, assinada por Sylvers com um desses músicos.

Trata-se do tecladista William Shelby, irmão do cantor Thomas Shelby, do ótimo grupo de r&b Lakeside (conhecido pelo hit massivo na praia da black music Fantastic Voyage, de 1980). Ele, Kevin Spencer (teclados), Richard Randolph (guitarra) e Nidra Beard (cantora, compositora e mulher de Sylvers) também integravam outra banda bem bacana da Solar Records produzida por Sylvers, a Dynasty.

Second Time Around atingiu o 8º posto na parada pop e o topo da parada de r&b americanas, além de ter integrado a trilha da novela global Água Viva em 1980. O álbum, nº 23 na parada pop e nº 4 na de r&b, trouxe outro hit deliciosamente dançante, I Owe You One (Joey Gallo- Leon Sylver III), e criava uma grande expectativa em torno do que viria a seguir. E isso se confirmou com o antológico Three For Love.

Leon Sylvers II pôe seus craques em campo

Para as gravações de Three For Love, Leon Sylvers III arregimentou um timaço. Além dele próprio e do irmão Foster no baixo, temos (entre outros) Kevin Spencer, William Shelby, Ricky Smith e Joey Gallo nos teclados, Wardell Potts Jr. na bateria, Ernest Pepper Reed, Richard Randolph, Stephen Shockley e Ricky Silver na guitarra, boa parte deles do projeto Dynasty.

Como vários desses músicos também eram parceiros nas composições, certamente deram aquele algo a mais para que as suas músicas ficassem com a melhor roupagem e pudessem lhes render um bom dinheiro. Inteligente, Leon soube explorar a versatilidade e o talento de cada um deles.

Ao contrário de outros grupos similares a este, o Shalamar tinha também a participação de seus integrantes como coautores de algumas músicas. Mais: eles também ajudavam nos arranjos vocais, em parceria com William Shelby e Sylvers. E os ótimos arranjos de cordas e metais ficaram a cargo de Gene Dozier, John Stevens e Ben Wright.

E já que falamos nos vocais, vale lembrar que aqui também temos muita qualidade e eficiência. Howard Hewett é o mais destacado no time, mas Jody Watley não ficava muito atrás, com os dois se alternando nos vocais principais e Jeffrey Daniel na maior parte do tempo participando das harmonizações vocais e bolando as coreografias.

Sucesso, mesmo em plena crise da disco music

Se em termos artísticos Three For Love tinha tudo para ser o discaço que acabou sendo, em termos comerciais sofreu um pouco com o contexto da época em que foi lançado. Mesmo tendo ultrapassado um milhão de cópias vendidas e valido ao grupo o seu primeiro disco de platina nos EUA, o álbum atingiu apenas a posição de nº 40 na parada pop, e a 8º na de r&b, com seus ótimos singles atingindo posições bem inferiores a Second Time Around.

E qual era o problema? Simples. No segundo semestre de 1979, teve início nos EUA um odioso movimento de cunho racista e homofóbico intitulado Disco Sucks (disco music “fede”, em tradução livre), liderado por verdadeiros fundamentalistas brancos que não admitiam que a disco tivesse tanta repercussão. Eles chegaram a fazer cerimônias públicas de destruição de LPs e singles de disco music. O horror, o horror!

Essa pressão gerou um clima de medo em importantes setores da mídia, e graças a isso, em 1980 artistas mais fortemente rotulados como de disco music, como Bee Gees, Chic, Village People e muitos outros, viram da noite para o dia seus trabalhos saírem das programações de rádios e TVs e terem muito menos divulgação do que antes.

Embora certamente tenha sido prejudicado por isso, o Shalamar nunca deixou de lado suas raízes no r&b em seus trabalhos, e dessa forma mantinha um público fiel e grande nessa praia musical, o que lhes valeu naquele momento um resultado comercial muito melhor do que outros colegas.

Na época, a posição dos singles nos EUA era tirada a partir de uma média entre vendagens e execução em rádios. Como a disco music teve uma queda grande nas execuções em rádios mais populares, isso explica porque single matadores como Make That Move (nº 60 pop, nº6 no r&b), Full Of Fire (nº 55 pop, nº24 r&b) e This Is For The Lover In You (não entrou na parada pop, nº17 r&b) tiveram um desempenho tão fraco na parada pop.

Three For Love, faixa a faixa

FULL OF FIRE (Jody Watley-Joey Gallo- Richard Randolph)
O primeiro hit single do álbum traz como marcas uma guitarra bem roqueira, um arranjo vocal repleto de nuances, com Jody comandando as ações, um refrão impactante e uma mistura muito bem dosada de r&b e disco. Bela abertura de álbum, dando a medida do que viria a seguir, em termos de qualidade musical. A letra, escrita pela menina do trio, aposta ousadamente, mas de forma polida até, no lado sensual e sexual do amor.

ATTENTION TO MY BABY (William Shelby-Kevin Spencer-Wardelll Potts Jr.)
Mantendo o clima dançante, esta canção traz Hewett no vocal principal, dialogando bem com os backing vocals e as passagens de cordas.

SOMEWHERE THERE’S A LOVE (William Shelby-Ernest Pepper Reed-Otis Stokes)
Chegou a hora de uma slow jam, termo usado para definir canções lentas e sensuais no universo da black music. Aqui, Hewett e Jody se revezam no vocal principal, em uma balada doce, romântica até a medula, com letra idealista e esperançosa (“em algum lugar, existe um amor só pra mim). Fofa até a medula!

SOMETHINGS NEVER CHANGE (William Shelby- Dana Meyers)
O lado A do vinil se encerra com uma canção balançada, com belos riffs de sintetizador e um groove delicioso, com aquelas vocalizações cheias de sutilezas típicas do Shalamar.

MAKE THAT MOVE (Kevin Spencer- William Shelby- Ricky Smith)
Entre as oito faixas de Three For Love, é a mais escancaradamente disco, e provavelmente uma das melhores gravações do trio americano. Timbres instrumentais, variações vocais, elaboração melódica, arranjo de cordas, tudo esta perfeito por aqui, além de uma letra otimista, pra cima e contagiante. Clássico das pistas!

THIS IS FOR THE LOVER IN YOU (Howard Hewett- Dana Meyers)
Depois de um verdadeiro petardo dançante, temos aqui o momento mais soul music do álbum, uma balada arrebatadora na qual Howard Hewett dá um verdadeiro banho de interpretação, apoiado por vocalizações no mínimo arrepiantes. Certamente a melhor balada da carreira do grupo. Em 1996, o cantor, compositor, músico e produtor Babyface, que teve uma passagem pela Solar Records no início de sua premiada carreira, regravou esta belezura para seu álbum The Day, com participações especiais de LL Cool J e também de Jody, Hewett e Daniel, a primeira reunião da formação clássica do grupo desde 1993 e a única desde então. Essa releitura atingiu o nº 6 na parada pop e o nº 2 na de r&b.

WORK IT OUT (Jody Watley-Nidra Beard)
Esta parceria de Jody Watley com a cantora do grupo Dynasty tem semelhanças com o hit Second Time Around, embora sem ser uma cópia descarada. Leve, descontraída, serve como um bom veículo para a cantora, com uma letra otimista do tipo “nós vamos conseguir fazer isso dar certo”.

POP ALONG KID (Jeffrey Daniel-Howard Hewett-Nidra Beard)
O álbum se encerra com a canção de pegada mais eletrônica, com direito a um belo riff de sintetizador. Aqui, quem faz o vocal principal é Jeffrey Daniel, interpretando uma letra feita sob encomenda para ele, o “garoto pop” da banda por excelência. Pode não ser um cantor tão efetivo como seus então colegas de banda, mas consegue um bom desempenho e deixando os fãs com um sabor de quero mais nos ouvidos.

Three For Love ficou na posição de nº 43 no ranking The 80 Greatest Albums of 1980 da edição americana da revista Rolling Stone. O álbum saiu no Brasil no início de 1981 pela gravadora RCA, e nunca saiu por aqui no formato CD.

A formação clássica do Shalamar se manteria unida até 1983, quando, após o lançamento do álbum The Look, Jody e Daniel resolveram sair do grupo. Mas essa história a gente conta em outra ocasião.

Ouça Three For Love em streaming:

Risqué (1979), o álbum que marca o auge do Chic de Nile Rodgers

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Por Fabian Chacur

Em 1979, a disco music era a galinha dos ovos de ouro da indústria fonográfica. O gênero musical que surgiu e se desenvolveu durante a década de 1970 atingiu o auge de sua popularidade após o estouro de Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever-1977). O filme estrelado por John Travolta e com trilha sonora encabeçada pelos Bee Gees rapidamente se tornou um fenômeno cultural e comercial. Todos queriam faturar em cima daquele modismo contagiante e inovador.

O resultado foi uma verdadeira overdose de lançamentos dedicados ao gênero a partir daquele momento, com uma significativa aparição de oportunistas tentando surfar naquela onda que gerava milhões de dólares.

Isso acabou levando muita gente a confundir esses picaretas aproveitadores com os artistas de verdade que estavam desenvolvendo trabalhos incríveis dentro desse conceito de música criado para proporcionar diversão, alegria e te fazer dançar até não poder mais. Abra suas asas, solte suas feras…

Se por um lado essa saturação atingiu o seu auge naquele ano, do outro tínhamos uma legião de ressentidos, boa parte deles roqueiros brancos que não conseguiam aceitar que aquele amontoado de negros, gays e pobres tomasse conta dos holofotes, afastando das paradas de sucessos os seus ídolos.

Roqueiros ressentidos reagem da pior forma possível

Era preciso dar um basta naquilo, pensavam (?) esses acéfalos. E, como costumeiramente ocorre nesse tipo de situação, alguém surge com uma ideia que, posta em prática, vira o estopim de uma reação ignorante e violenta.

O DJ, roqueiro e humorista americano Steve Dahl foi demitido da rádio na qual trabalhava, em Chicago, pela mudança de direcionamento musical da emissora, que largou o rock para mergulhar na disco music. A partir dali, Dahl se tornou uma espécie de “inimigo nº 1” do gênero.

E foi dessa cabeça oca que surgiu a “brilhante” ideia de promover a destruição pública de LPs e compactos dos artistas disco. O auge desse projeto do mal teve como palco o estádio Comiskey Park, em Chicago, no intervalo de uma partida de baseball entre o Chicago White Socks e o Detroit Tigers.

Um marco de ignorância e intolerância

O evento, intitulado Disco Demolition Day, ocorreu no dia 12 de julho de 1979, que merece constar nos calendários como um dos acontecimentos mais vergonhosos da história da cultura pop de todos os tempos.

Em determinado momento da “festa”, um engradado lotado de discos foi explodido, gerando um grande tumulto e ganhando manchetes em toda a imprensa. “Disco Sucks” (disco music é uma merda, em tradução livre) era o slogan que esses imbecis usavam, em camisetas e bottoms.

O objetivo dessa horda de homofóbicos e racistas não foi atingido logo de imediato, mas a Disco Demolition Day conseguiu alastrar nos meses seguintes um sentimento de medo entre as pessoas, e em especial nas gravadoras.

Em sua excelente autobiografia Le Freak (2011), Nile Rodgers, o líder da banda Chic relembra uma festa da qual participou promovida pela revista Cash Box, algum tempo após aquela cerimônia de ódio, na qual um espaço com pista de dança dedicado à disco music permaneceu vazio durante toda a noite.

Aos poucos, ninguém queria ser associado à disco music. Ser considerado um artista disco era quase uma maldição. E todos os artistas ligados ao gênero passaram a ser postos de lado. Entre eles, Nile e sua seminal banda.

Sucesso que nem o preconceito conseguiu derrubar

Foi nesse contexto tumultuado, no dia 30 de julho de 1979, 18 dias após o show de horrores promovido por Dahl e seus idiotas, que Risqué, o terceiro álbum do Chic, chegou às lojas de discos.

Esse trabalho tinha a dura missão de suceder o esplêndido C’Est Chic (1978), que emplacou os megahits Le Freak e I Want Your Love e tornou a banda americana um grandioso sucesso nos quatro cantos do planeta, Brasil incluso (eles fizeram shows por aqui, na época).

A primeira faixa a ser extraída do disco (no formato single) não poderia ter sido melhor escolhida. Good Times reeditou a performance de Le Freak, atingindo o primeiro lugar na parada de singles americanas no dia 18 de agosto daquele ano.

Com uma levada hipnótica e um refrão matador, Good Times traz como marca registrada no seu “miolo” uma extensa parte instrumental na qual a linha de baixo comanda, com espaços para elegantes solos de teclados e guitarra.

A letra se baseia em hits dos tempos da Depressão Americana (anos 1920-1930) e busca estimular um astral positivo em um momento no qual a economia americana passava novamente por sérios problemas.

Em circunstâncias normais, Good Times deveria ter se mantido mais do que apenas uma semana no topo da parada americana, mas a mudança de orientação das rádios, que aos poucos foram tocando cada vez menos músicas associadas à disco music em suas programações, impediu que esse clássico fosse ainda mais longe. Ainda assim, virou um hit explosivo.

Disco music, sim, mas do seu jeito

O embrião do Chic surgiu quando o guitarrista Nile Rodgers tornou-se parceiro musical do baixista Bernard Edwards. Com a entrada no time do baterista Tony Thompson, eles ganharam entrosamento acompanhando outros artistas, até que, na metade dos anos 1970, resolveram investir em material próprio.

Influenciados pela disco music, eles no entanto criaram uma sonoridade própria, com forte tempero de rhythm and blues, funk, jazz e até rock que os colocam à parte dos grupos disco mais emblemáticos, do tipo Village People, Silver Convention e Boney M.

O Chic tinha um DNA mais próximo de bandas funk como Con Funk Shun, Commodores e Kool & The Gang, mas foi inserido no universo disco, o que lhes valeu muito de 1977 (quando lançaram o álbum de estreia, Chic) a 1979, e depois se tornou um fardo duro de carregar devido ao fator preconceito.

Capa com visual anos 1920-30

Risqué marca o momento em que o Chic atingiu o seu auge em termos criativos. A coisa começa bem logo na capa, contracapa e encarte, que traz fotos com os cinco integrantes do grupo vestindo elegantes trajes típicos dos anos 1920-1930. O clima é de filme de mistério, com direito a Bernard Edwards caído nas teclas do piano, com uma faca nas costas.

Tony Thompson posa de mordomo (seria ele o culpado do crime?), com Nile dando uma de cafetão e as vocalistas Luci Martin e Alfa Anderson no melhor estilo garotas de programa. A locação é uma sala estilosa com móveis idem, tendo como centro um piano de cauda.

O jeitão da apresentação visual do LP lembra o de In Throught The Out Door, do Led Zeppelin, que curiosamente foi lançado pela mesma Atlantic Records no dia 15 de agosto, ou seja, duas semanas após Risqué. Baita coincidência, mas cada uma dessas capas tem seus aspectos peculiares, não denotando um plágio.

Um álbum bom de ponta a ponta

Como normalmente as faixas de disco music e funk costumavam ser mais longas, era comum um número menor de canções do que em discos de rock e pop. No caso de Risqué, temos sete músicas. Mas é o típico caso de conteúdo na medida, nem a mais, nem a menos. E a duração estendida mostra a criatividade dos músicos no intuito de criarem uma sonoridade repleta de grooves, hipnótica e de uma sofisticação sintética e repleta de bom gosto.

Após a abertura matadora com Good Times, temos a seguir A Warm Summer Night, uma espécie de balada sensual que pode ser considerada a Je T’Aime Moi Non Plus do Chic. Para quem não lembra, essa música gravada em 1969 por seu autor, Serge Gainsbourg, em parceria com a cantora Jane Birkin, tornou-se um marco do som erótico-sensual.

No caso da canção de Edwards-Rodgers, a letra concisa, com os versos “te quiero papi” praticamente gemidos pelas cantoras, leva ao clima ideal para transar.

Homenagem aos dançarinos profissionais com solo inusitado

My Feet Keep Dancing tem como marca o arranjo de cordas com stacatto, o que dá uma ênfase rítmica bem peculiar e envolvente. A letra da canção fala sobre alguém que resolve mergulhar no mundo da dança mesmo sem o apoio dos parentes, que o ironizavam dizendo que “seu cérebro está em seus pés”.

A grande sacada, genial mesmo, do arranjo de My Feet Keep Dancing fica por conta de termos nela um solo não de guitarra, teclados ou outro instrumento musical, mas de sapateado! Sim, e feito por três craques dessa área, Mr. Fayard Nicholas (do grupo The Nicholas Bros.), Mr. Eugene Jackson (do grupo Our Gang) e Mr. Sammy Warren.

As idas e vindas do amor

A eterna questão do amor proibido dá o tom a My Forbidden Lover, inspirada naquelas paixões que a gente sabe serem inadequadas, mas das quais não conseguimos nos livrar, com versos bem definidores como “minha paixão proibida, eu não quero outra”. Em um mundo perfeito, esta faixa e My Feet Keep Dancing teriam sido hit singles de muito sucesso.

As dificuldades de um relacionamento afetivo, no qual a sinceridade nem sempre se faz presente, é o tema de Can’t Stand To Love You, provavelmente o momento mais jazzístico de Risqué.

Nada mais duro do que ser dispensado pela pessoa que você ama, e este é o tema da balada do álbum, Will You Cry (When You Hear This Song), na qual a cantora Alfa Anderson dá uma comovente aula de interpretação.

O disco é encerrado por What About Me, na qual a garota questiona o namorado, que conseguiu o que queria, mas e ela? Como é que fica? “Eu te dei o meu amor, você não vê?” Isso, tendo como fundo sonoro uma canção swingada na qual a guitarra base se destaca. Final perfeito para um álbum perfeito.

A ótica feminina nas letras

Existe um aspecto muito interessante nas composições do Chic, que fica por conta da qualidade das letras. Neste álbum em questão, temos uma quantidade significativa de incursões em temas vinculados aos relacionamentos.

Ao contrário do que se poderia esperar, o fato de as faixas serem assinadas por dois homens não deu um viés machista ou muito masculinizado ao tema. Pelo contrário, o ponto de vista das mulheres é defendido e mostra a crueldade masculina em diversos momentos.

Difícil algum homem ou mulher de bom senso não concordar ou não se identificar com alguns dos personagens das sete composições contidas em Risqué, cujo título tem muito a ver com os riscos que corremos sempre que nos envolvemos afetivamente com alguém.

The Chic Organization Ltd

Para todos os efeitos, a formação clássica e oficial do Chic trazia Nile Rodgers (guitarra e composições), Bernard Edwards (baixo e vocais), Tony Thompson (bateria) e as cantoras Alfa Anderson e Luci Martin. Nos discos, no entanto, o time aumentava, justificando plenamente o nome The Chic Organization com que Nile e Bernard assinavam as suas produções para a banda ou outros artistas.

Neste Risqué, temos nos teclados Raymond Jones, Robert Sabino e Andy Schwartz. Na percussão, Sammy Figueroa. Nos vocais, Alfa e Luci tem o auxílio luxuoso de Fonzi Thornton, Michelle Cobbs e Ullanda McCullough. E, de quebra uma sessão de instrumentos de cordas, a The Chic Strings, regida por Gene Orloff e incluindo Karen Milne, Cheryl Hong, Karen Karlsrud e Valerie Haywood.

Todos esses músicos foram utilizados estritamente em função das necessidades de cada canção, sem espaço para virtuosismos tolos ou exageros arrogantes. Mesmo as incríveis linhas de baixo criadas por Bernard Edwards nunca atropelam as faixas nas quais estão inseridas, reforçando o groove e envolvendo os ouvintes. Tudo muito chique mesmo!

Good Times, influente e inspiradora

Se não bastasse o sucesso que conseguiu no formato single e como principal faixa de Risqué, Good Times ainda se transformou em uma das músicas mais influentes e inspiradoras de todos os tempos.

O primeiro grande hit da história do rap, por exemplo, Rapper’s Delight, da Sugarhill Gang, valeu-se da passagem instrumental e da linha de baixo de Good Times. A partir de um determinado momento de sua carreira, o Chic passou a inserir no meio de Good Times um extenso trecho de Rapper’s Delight, que você pode encontrar em DVDs ao vivo da banda.

No mesmo 1980, Bounce Rock Skate Roll, de Vaughan Mason And Crew, e Another One Bites The Dust, do Queen, esbanjavam influências de Good Times, assim como Rapture, do Blondie, esta última uma clara homenagem ao Chic. Não por acaso, Debbie Harry gravou um disco solo, Koo-Koo (1981), com produção e composições de Nile Rodgers.

The Adventures of Grandmaster Flash on the Wheels of Steel, hit em 1981 com outro grupo pioneiro e importante do rap americano, Grandmaster Flash And The Furious Five, foi ainda além, acrescentando nessa sua composição trechos de Good Times, Another One Bites The Dust, Rapture e Rapper’s Delight.

E a lista vai muito mais longe. Só para citar mais três músicas influenciadas por Good Times, temos Try It Out (1981), de Gino Soccio, Hot! Hot! Hot! (1987), do The Cure, e 2345meia78, do brasileiro Gabriel o Pensador.

Alguma dúvida de que se trata de um álbum clássico?

No fim das contas, apesar de todo o contexto negativo no qual foi lançado, Risqué conseguiu atingir o 5º posto na parada americana, vendendo mais de um milhão de cópias por lá e estourando mundialmente. Missão cumprida!

Chega a ser uma vergonha este álbum não ter sido incluído na série de documentários da série Classic Albums, que contam a história de discos importantes da história do rock, soul e música pop. Ainda dá tempo…

Risqué- Chic (ouça na íntegra em streaming):

I Am (1979) marca o auge da incrível banda Earth, Wind & Fire

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Por Fabian Chacur

Muito difícil escolher o melhor álbum lançado pelo Earth, Wind & Fire. Durante sua trajetória, a banda criada pelo genial cantor, compositor, músico e produtor americano Maurice White nos proporcionou diversos trabalhos de primeiríssima linha, especialmente durante a década de 1970, seu auge em termos criativos e comerciais. Mas dá para selecionar, sem sustos, o LP que marca o auge deles, aquele momento em que viraram praticamente uma unanimidade perante os mais diversos públicos. Estou falando de I Am, lançado em 1979, quando os caras tomaram a cena pop de assalto, de uma vez por todas.

Até aquele momento de sua carreira, o grupo já havia conseguido grandes feitos, como atingir o topo das paradas americanas de álbuns e singles, lotar ginásios pelos EUA e outros países com seu show repleto de efeitos especiais e produção sofisticada e também conquistar fãs fora do universo da black music.

O mais importante, obviamente, é a qualidade artística da música que lhes possibilitou tais conquistas, uma brilhante fusão de soul, funk, rock, jazz e músicas africana e latina. Faltava apenas a cereja do bolo, ou seja, ganhar o público mainstream, entrando no primeiro escalão da popularidade mundial.

Inquieto e inteligente, Maurice White sempre buscou parcerias com gente de fora da banda, como forma de somar forças e também levar adiante sua intenção de criar um som universal e ao mesmo tempo criativo e popular.

Em I Am, essa busca o impulsionou a iniciar um trabalho ao lado do compositor, músico e produtor canadense David Foster, que até aquele momento já havia gravado com e produzido artistas do porte de George Harrison, Daryl Hall & John Oates e outros. Fã da banda, ele conheceu Maurice através de uma amiga em comum, e logo de cara mostrou a ele uma balada que havia composto ao lado dos amigos músicos Jay Graydon e Bill Champlin.

Maurice não só adorou a tal balada, nada menos do que After The Love Has Gone, como perguntou a Foster se ele não estava interessado em tentar compor alguma coisa a seu lado. Foster aceitou, e as jam sessions entre eles geraram seis das nove faixas incluídas em I Am. Com boas influências da black music, Foster trouxe para o grupo elementos da música pop que ajudaram a banda a se aproximar do mainstream radiofônico.

Aliás, as duas faixas que conseguiram concretizar esse feito são de certa forma opostas, e ambas agradaram em cheio importantes setores do grande público da época. Uma é a já citada After The Love Has Gone, que chegou ao número 2 da parada de singles da Billboard e pegou em cheio os fissurados por canções românticas, nostálgicas e de apelo fortemente melódico.

A outra mirou os fãs da então extremamente popular disco music. Trata-se de Boogie Wonderland, única música do disco não assinada por White (composição de Joe Lind e Allee Willis) e a única faixa escancaradamente do gênero gravada pela banda, e que estourou com força total nas discotecas de todo o mundo e de quebra atingiu o nº 6 entre os singles da Billboard.

Não é de se estranhar, portanto, que I Am tenha sido o álbum mais popular do E,W&F no Reino Unido, atingindo por lá a posição de nº 5, e também nos principais mercados discográficos do mundo. Mas vale ressaltar uma coisa: se essas duas faixas são apelos a públicos que o grupo nunca havia atingido em cheio, não caem em fórmulas pré-estabelecidas ou diluições picaretas, sendo excelentes e também sem fugir demais ao espírito musical desenvolvido por Maurice White e seus discípulos.

E o disco nos oferece muito mais. O LP tem início de forma apoteótica com In The Stone entrando em cena com uma abertura digna dos melhores musicais da Broadway, para mostrar logo de cara o vasto acervo de armas musicais desse timaço musical: o entrosamento da voz máscula de Maurice com o sedutor falsete de Philip Bailey, os metais sempre pontuando tudo, percussão salerosa e afro para contagiar e o time de guitarras, baixo (do estupendo Verdine White, irmão de Maurice) e teclados dando o arremate final.

Uma das marcas registradas do E,W&F é a criação de interlúdios musicais, pequenos trechos que ou introduzem uma canção ou a ligam à outra que vem a seguir. E é um deles que abre o caminho para que surja a galopante Can’t Let Go, delicioso “balanço” (termo que se usava no Brasil nos anos 1970 para definir canções dançantes) que tocou em nossas rádios. Chega o momento da primeira balada, After The Love Has Gone, cujo solo de sax no final é a deixa para a entrada da sacudida Let Your Feelings Show, encerrando o lado A do LP de vinil original.

Boogie Wonderland abre o lado B para chacoalhar o esqueleto de todos, clima que a incrível Star se incumbe de manter, mesmo não sendo propriamente disco e com vocais simplesmente encantadores. O romantismo na melhor tradição da soul music marca a belíssima Wait, de andamento mais lento e com aquelas paradinhas deliciosas. O momento instrumental do álbum vem a seguir, a roqueira Rock That!, com ótima performance dos músicos. You And I, que fecha o disco, tem um clima ao mesmo tempo romântico, swingado e sensual que certamente influenciou o charm dos anos 1980.

Verdine White define I Am como “o nosso Abbey Road“, o disco mais bem-sucedido em termos comerciais da carreira dos Beatles, enquanto Maurice White o considera não só um dos melhores da banda como um dos mais influentes. “Alguns artistas fizeram suas carreiras baseados em faixas deste álbum”, afirmou ele em texto incluído na box set The Eternal Dance (1992).

Curiosidades envolvendo personagens e fatos sobre I Am:

***** David Foster ganhou seu primeiro Grammy, o Oscar da música, com After The Love Has Gone. Sua participação em I Am foi um divisor de águas na carreira dele, que posteriormente faria trabalhos de imenso sucesso comercial com artistas como Chicago, Whitney Houston, Céline Dion, Josh Groban, Michael Bublé e Andrea Bocelli, entre muitos outros. Ele compôs mais algumas músicas com Maurice White, entre as quais os hits And Love Goes On e Could It Be Right.

***** Em sua ótima autobiografia Hit Man (2008- Pocket Books, não foi lançado no Brasil), David Foster relembra que ele e Maurice White se entendiam muito bem em quase tudo, menos em duas questões: alimentação e cigarros. Enquanto o líder do E,W& F era adepto de alimentação natural e hábitos saudáveis, Foster se dizia um voraz consumidor de hambúrgueres e fast food em geral, além de fumar em torno de três maços de cigarro por dia.

***** Os parceiros de David Foster em After The Love Has Gone tem um belo pedigree musical. O guitarrista americano Jay Graydon, por exemplo, gravou com inúmeros astros da música e é autor de vários hits de Al Jarreau, entre eles a deliciosa Mornin’. Além do Grammy com essa bela balada, ele faturou outro, desta vez com a swingada Turn Your Love Around, hit na voz de George Benson e que inclui na parceria novamente Bill Champlin e Steve Lukather (do grupo Toto).

****** Também com belo currículo como músico de estúdio e autor, Bill Champlin de quebra integrou entre 1981 e 2009 o grupo Chicago, tendo gravado o vocal principal em grandes hits como Hard Habit To Break, Look Away e I Don’t Wanna Live Without Your Love. Vale lembrar que, como músico de estúdio, Jay Graydon gravou o solo de Peg, do grupo Steely Dan, citado por muitos como um dos melhores de todos os tempos. Ouça e tente não concordar aqui.

***** Na edição original em vinil de I Am e mesmo na caixa The Eternal Dance, o título da mais famosa balada do disco é After The Love IS Gone. Na edição em CD, no entanto, a grafia é After The Love HAS Gone , a mesma na qual voce encontra informações sobre ela na internet. A segunda versão, ressalte-se, é a correta em termos gramaticais, pois coloca a palavra no tempo certo, ou seja, no passado.

****** Além de David Foster, Maurice White contou com outra parceria nas canções incluídas em I Am. Trata-se da compositora Alee Willis, que é coautora de sete das nove faixas do álbum, atuando neste caso principalmente no quesito letras. Ela é conhecido como coautora de outros hits importantes, entre os quais Neutron Dance (Pointer Sisters), What Have I Done To Deserve This (Pet Shop Boys e Dusty Springfield) e I’ll Be There For You (The Rembrandts, tema principal da série de TV Friends). Ela também é uma das autoras de September, do E,W&F.

***** Única faixa do álbum não assinada por Maurice White, Boogie Wonderland é uma parceria de Alee Willis com Jon Lind. Este compositor também escreveu com White Sun Godess, gravada originalmente por um dos mentores de Maurice White, Ramsey Lewis e depois pela banda no ao vivo Gratitude. Entre seus hits para outros artistas, vale destacar Crazy For You (Madonna) e Save The Best For Last (Vanessa Williams), sendo que ambas atingiram o topo da parada americana.

****** Duas canções adicionais foram gravadas para integrar o álbum I Am, mas acabaram ficando de fora de sua versão original. São elas Dirty, da qual participa o saudoso gaitista Junior Wells (conhecido por sua dupla com Buddy Guy) e Diana, esta última outra parceria entre Maurice White e David Foster. Essas gravações foram adicionadas como faixas-bônus da versão remasterizada de I Am, lançada em 1999 pela Sony Music.

***** A capa de I Am, com ilustração a cargo de Shusei Nagaoka e design assinado por Roger Carpenter, são inspiradas no Egito antigo, uma das fascinações de Maurice White, um fã de assuntos místicos e espiritualistas. Ele conseguiu levar a banda para lá em uma ocasião, sendo que, segundo ele, “metade deles amou e metade odiou”. A contracapa traz um pot-pourry de vários fatos históricos e discos voadores voando ao fundo, em ilustração bela e apoteótica de Shusei.

*****Eis a escalação do E,W&F, considerada a sua clássica: Maurice White (vocal, percussão e bateria), Verdine White (baixo), Philip Bailey (vocal e percussão), Larry Dunn (teclados), Al McKay (guitarra), Fred White (bateria, irmão de Maurice e Verdine), Johnny Graham (guitarra), Andrew Woolfolk (sax tenor) e Ralph Johnson (percussão). A sessão de metais trazia Don Myrick (sax tenor e barítono), Louis Satterfield (trombone) e Rahmlee Michael Davis (trompete).

Ouça I Am em streaming:

Johnny Mathis e Chic enfim tem seu álbum lançado em CD simples

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Por Fabian Chacur

Em 1981, o consagrado astro do jazz e do pop Johnny Mathis deveria ter lançado o álbum I Love My Lady, no qual foi produzido por Nile Rodgers e Bernard Edwards, do grupo Chic. Na prática, o LP equivale a uma espécie de álbum da banda disco com os vocais do cantor, pois composições, músicos e backing vocals ficaram por conta deles. No entanto, a gravadora Columbia Records resolveu abortar o projeto, e colocou-o em seus arquivos. Em 1ª de fevereiro, nos EUA, I Love My Lady, o fruto dessa parceria, enfim estará disponível no formato CD simples.

Na verdade, este mitológico álbum já havia sido disponibilizado no formato CD anteriormente. No entanto, o interessado teria de adquirir The Voice Of Romance: The Columbia Original Album Collection, box set lançada em 2017 com 67 discos (!!!) e um livro com 200 páginas. No site da Amazon americana, está disponível pela “bagatela” de 362 dólares (bem mais do que mil reais, fora frete). A partir de 2010, algumas faixas do disco apareceram em coletâneas como Up All Night (The Chic Organization Album (2013, lançada no Brasil).

A nova versão do álbum, que será disponibilizada em CD e logo após em vinil, trará como atrativos adicionais uma nova capa, belíssima, e um encarte repleto de informações sobre as gravações de I Love My Lady com direito a uma entrevista com o próprio Johnny Mathis feita especialmente para esta ocasião. O selo responsável por tal reedição é o americano Real Gone Music, especialista em reeditar trabalhos bacanas há muito fora do mercado discográfico.

I Love My Lady traz oito faixas, e mostra o cantor se adaptando de forma competente à sonoridade concebida pelos geniais Nile Rodgers e Bernard Edwards. O repertório é muito bom, com direito a maravilhas como a swingada balada Fall In Love (I Want To), a sacudida e irresistivelmente dançante Something To Sing About (com um refrão fantástico e bela interação entre Mathis e as vocalistas de apoio), a elegante faixa-título e a gostosa Love And Be Loved.

Alguns podem achar os vocais de Mathis muito contidos em relação a outros trabalhos dele, mas a graça quem sabe esteja exatamente aí, ou seja, ele teve a humildade de se enquadrar na concepção musical do Chic. No fim das contas, valeu a pena esperar tanto para enfim ouvir essa parceria histórica. Pena que, só para variar, esse álbum não terá versão nacional no formato físico…

Something To Sing About– Johnny Mathis:

Nile Rodgers anuncia o novo CD do Chic ainda para 2018

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Por Fabian Chacur

Em 2015, Nile Rodgers lançou I’ll Be There, um novo single do Chic. Seria o aperitivo para um novo álbum, previsto para chegar ao mercado musical a seguir. Pois bem. Estamos em fevereiro de 2018 e até agora, nada. No entanto, os inúmeros fãs do brilhante músico americano voltam a se empolgar. O artista, em entrevista ao site da revista americana Billboard publicada nesta sexta (2), promete o álbum para breve, ainda em 2018, e com o sugestivo título It’s About Time (já era tempo, em tradução livre).

Nile define o novo trabalho, o primeiro de inéditas do grupo desde 1992, como uma celebração à sua carreira e uma espécie de compêndio musical. Estão previstas participações especiais de Elton John, Lady Gaga, Miguel, Janelle Monáe, Disclosure e Anderson.Paak, entre outros. A faixa Prince Said It, avaliada pelo próprio artista como muito boa, foi posta de lado, em função da morte do autor de Purple Rain.

Embora não tenha ficado claro no texto da Billboard, a impressão é que o álbum já está pronto, com no máximo alguns detalhes a serem concluídos, e só não foi lançado até agora pelo fato de o guitarrista, compositor e produtor americano ter tido problemas de saúde que o impediriam de divulgar da melhor forma possível o material. Problemas esses aparentemente superados, pois o Chic está na estrada, passou pelo Rock in Rio em 2017 e deve iniciar em julho uma turnê ao lado de outra banda legendária da música pop, o Earth, Wind & Fire.

Atualmente, a banda que o tornou conhecido mundialmente na década de 1970 atende pelo nome de Chic Featuring Nile Rodgers, pois só mantém ele de sua formação original. Com uma sonoridade própria e marcante, o grupo ajudou a elevar o patamar da disco music, além de influenciar gerações de músicos. Gênio é pouco para se definir Nile. Que venha logo esse álbum. Leia mais matérias sobre o Chic e Nile Rodgers do arquivo de Mondo Pop aqui e aqui.

I’ll Be There– Chic Featuring Nile Rodgers:

Sylvester, um dos grandes da disco music, e os seus 70 anos

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Por Fabian Chacur

No último dia 6(quarta-feira), um certo Sylvester James teria completado 70 anos de idade. Infelizmente, ele só viveu 41 anos, tendo nos deixado no dia 16 de dezembro de 1988. Mas o seu legado musical certamente sobreviverá a mim, a você e a todos nós. Sylvester nos deixou as incríveis You Make Me Feel (Mighty Real), Dance (Disco Heat) e outros petardos que até hoje eletrizam as melhores pistas de dança do planeta. Esse cara deixou a sua marca. Ele faz falta…

O som da minha adolescência foi a disco music, e quando esse ritmo mágico estava no auge, lá pelos idos de 1978, o álbum Step II, do Sylvester, era um dos mais ouvidos. Meu irmão Victor o comprou logo que saiu no Brasil. Esse vinil traz os dois maiores hits de Sylvester, as incríveis Dance (Disco Heat) e You Make Me Feel (Mighty Real), que conseguiram ir além das paradas disco, invadindo até trilhas de novela e tocando em rádios mais afeitas a sonoridades tradicionais ou caretas.

Step II marca o momento em que este cantor, compositor e músico americano nascido na região de Los Angeles em 6 de setembro de 1947 encontrou um caminho musical ao mesmo tempo original e com forte potencial comercial. Ele acoplou sua influência gospel e soul music à sonoridade eletrônica que começava a emergir no cenário dance, graças a pioneiros como Giorgio Moroder e o grupo alemão Kraftwerk. Na mistura, criou uma espécie de discoeletrogospelsoul.

O lado 1 do vinil de Step II traz os dois megahits, e é encerrado por uma belíssima versão gospel e lenta de You Make Me Feel (Mighty Real). O lado B do álbum é dedicado a uma sonoridade soul mais convencional e também muito boa, com direito até a música de Burt Bacharach e com destaque para a comovente balada Just You And Me Forever.

Vale ressaltar alguns nomes essenciais para que este álbum se tornasse um clássico não só da disco music, mas como da música pop em geral. Um é o produtor, Harvey Fuqua, líder do grupo vocal The Moonglows e descobridor de ninguém menos do que Marvin Gaye, que ele levou para o que viria a ser a Motown Records, onde atuou como produtor e compositor. Coube a Fuqua trazer Sylvester para a gravadora Honey Records, distribuída pela Fantasy Records.

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O lado eletrônico de sua sonoridade teve como um dos caras fundamentais o multi-instrumentista Patrick Cowley (1950-1982), que a seguir passou a ser figura constante nas bandas de apoio e discos de Sylvester. Quando gravou disco solo, Cowley teve como grande sucesso Do Ya Wanna Funk?, com participação especial do patrão famoso.

A parte vocal dos álbuns da fase áurea do astro disco se firmou graças à incorporação ao seu time das cantoras Martha Wash e Izora Rhodes, que junto com ele criaram um modernizado coral gospel/soul contagiante. Elas receberam o codinome Two Tons O’Soul, e nos anos 1980, em carreira própria, passaram a ser conhecidas como The Weather Girls, do megahit It’s Raining Man. Comandando este time, Sylvester se tornou um dos astros máximos da disco.

A vida de Sylvester Stewart não foi das mais fáceis. Descobriu ser homossexual ainda criança, para horror dos pais. Aos 13 anos, teve de deixar o coral da igreja em que atuava desde criança por causa disso, e aos 15 anos, foi a vez de ir para a estrada, longe da família. Depois de integrar um grupo de trangêneros e cross dressers, mudou-se para a cidade de San Francisco em 1970, integrando-se naquela cidade ao grupo de drag queens The Cockettes.

Em 1972, após participar de diversos espetáculos com aquele grupo de drags, geralmente imitando Billie Holiday e Josephine Baker, resolveu partir para um projeto próprio. Em 1973, essa nova fase de sua carreira desembocou na Sylvester And His Hot Band, uma banda de rock com a qual gravou dois álbuns em 1973 pelo selo Blue Thumb, sem sucesso comercial. Como melhor momento, abriram um show de David Bowie, que elogiou Sylvester e sua turma.

Já sob a tutela de Harvey Fuqua e com as Two Tons O’ Soul, gravou o seu primeiro álbum solo, Sylvester (1977), que tinha uma sonoridade ainda convencional e emplacou um semihit, Down Down Down. A coisa engrenou mesmo foi com Step II. Logo a seguir, em 1979, lançou Stars, álbum totalmente disco com apenas quatro faixas. Mas com a qualidade delas, para que mais? Todas bem extensas.

O destaque é uma releitura simplesmente brilhante de I (Who Have Nothing), que transformou a dramática canção de Ben E. King (conhecido por Stand By Me e diversos outros hits) em uma faixa disco percussiva simplesmente irresistível. Body Strong, a faixa-título e I Need Somebody To Love Tonight trazem uma sonoridade que influenciaria e muito o pop eletrônico dos anos 80.

Ainda em 1979, chegou às lojas o álbum duplo Living Proof (saiu no Brasil), que traz nos lados 1, 2 e 3 um incrível show beneficente de Sylvester e sua banda gravado em 11 de março daquele mesmo ano e trazendo não só hits do artista como também releituras bacanas, entre elas uma de Blackbird, dos Beatles, que arrepia. O lado 4 trazia inéditas de estúdio, entre elas o semihit Can’t Stop Dancing. obs.: segundo o músico e jornalista Fernando Savaglia, um especialista em black music, este álbum saiu, sim, no Brasil, tanto que ele tem um exemplar dessa raridade. Sortudo demais! Valeu pelo toque, fera!

A partir de 1980, tal qual todos os nomes mais importantes e populares da disco music, Sylvester sofreu uma forte queda em sua popularidade, prejudicado por um odioso movimento intitulado Disco Sucks que em 1979 levou imbecis preconceituosos a quebrar e queimar álbuns e singles de disco em locais públicos. Uma das manifestações mais lamentáveis de preconceito, uma espécie de holocausto fonográfico que arrebentou a carreira de muita gente boa.

Vale um pequeno parêntesis aqui. A disco music teve como berço a comunidade gay dos EUA e de outros países. Quando estourou e cativou todos os tipos de público com sua sonoridade alegre, pra cima e criativa, horrorizou os conservadores, e, ironia das ironias, muitos roqueiros, que haviam sido vítimas de preconceitos em décadas anteriores, mas que naquele momento se sentiam ameaçados pelos artistas disco. E Sylvester nunca negou a sua homossexualidade.

Mesmo tendo se recusado a usar o rótulo disco como sua principal intenção musical, Sylvester acabou marcado por ela. Nos anos 80, viu sua popularidade ir despencando aos poucos. Ainda se daria bem em colaborações com o músico de jazz Herbie Hancock no ótimo single funk-disco Magic Number (1981). Em 1982, saiu da gravadora Fantasy e a processou, mas o ex-mentor Harvey Fuqua não teve como pagar o valor total do processo. Uma separação triste.

Se seus álbuns passaram a vender cada vez menos, Sylvester teve a oportunidade de realizar um sonho. Em 1985, ele participou, fazendo backing vocals, do álbum Who’s Zooming Who?, de Aretha Franklin, uma de suas heroínas. Ele deu sorte a ela, pois o disco foi um dos mais vendidos de sua carreira, com Sylvester atuando em dois singles de sucesso, a faixa título e Freeway Of Love. Em 1986, lança Mutual Attraction, o último que lançaria em vida.

Desde o fim dos anos 1970, uma doença até então desconhecida vitimou diversos integrantes da comunidade gay. Patrick Cowley, o amigo de Sylvester, foi uma de suas primeiras vítimas. Desde o início, o autor de You Make Me Feel (Mighty Real) mostrou-se solidário às vítimas do posteriormente revelado vírus HIV e da Aids. Para sua tristeza, viu um namorado morrer, vítima da doença. Pouco depois, descobriu também ser portador daquela terrível enfermidade.

Consta que Sylvester James foi o primeiro astro negro gay a assumir ser portador do vírus HIV. Ele se manteve ativo até onde pode, mas a partir do início de 1988, não conseguiu mais. E em 16 de dezembro de 1988, saiu do plano físico rumo à eternidade, não sem antes ser homenageado pela comunidade gay de San Francisco. Ele deixou instruções para que toda a renda com os royalties de seus trabalhos fossem doados a entidades ligadas à assistência aos portadores da Aids.

Não é nada fácil encontrar discos de Sylvester atualmente. O mais acessível costuma ser a coletânea The Original Hits, que traz onze faixas lançadas entre 1977 e 1981, entre elas seus megahits. Pena que não inclua I (Who Have Nothing). O incrível Step II só saiu em uma rara edição internacional em CD que também incluía Sylvester (de 1977) no pacote. Mas vale ir atrás. O som alegre e contagiante deste gênio do falsete disco vale a procura. E dá pra ouvir no Youtube, na faixa, para quem não se importa em não ter os itens físicos.

Step II- Sylvester (ouça em streaming):

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