Por Fabian Chacur

Edu Lobo é um dos grandes gênios da história da nossa amada música popular brasileira. Só não é mais badalado e reverenciado por sua conhecida aversão ao contato constante com a mídia. Discreto, foge da badalação como o capeta da cruz. Sua obra, no entanto, é tão consistente como a de outros mestres da MPB. Boa prova é a recém-lançada caixa Dois Tons de Edu Lobo (Universal Music).

Filho do também compositor Fernando Lobo (autor de Chuvas de Verão e outros clássicos da MPB), Edu nasceu em 29 de agosto de 1943 e se tornou conhecido no cenário musical muito cedo. Ele estourou nas paradas de sucesso com a música Ponteio, vencedora do Festival da Record de 1967. Ao invés de aproveitar aquele momento em termos comerciais, preferiu estudar e aprofundar seus conhecimentos musicais. Ele é parceiro musical de gente como Chico Buarque, Gianfrancesco Guarnieri, Cacaso e muitos outros do mesmo altíssimo gabarito.

Se perdeu em popularidade, ganhou em reconhecimento entre os colegas e em consistência artística. Com profundo conhecimento teórico, ele no entanto não se distanciou da música popular, em uma original mistura que inclui bossa nova e os ritmos nordestinos. Aliás, ele foi um dos responsáveis por forró, baião e outras variações da cultura nordestina ganharem sofisticação, sem perder a alma.

O produtor e pesquisador Thiago Marques Luiz reuniu em Dois Tons de Edu Lobo dois dos melhores, mais importantes e mais bem-sucedidos em termos comerciais álbuns da carreira desse grande artista. No formato caixa, com direito a embalagem luxuosa, encartes repletos de informações e as letras e fichas técnicas completas de cada canção, temos aqui Camaleão (1978) e Tempo Presente (1980).

Lero-Lero, um dos maiores sucessos comerciais da carreira de Edu Lobo e tema da novela global Sinal de Alerta, é a faixa mais conhecida de Camaleão. Prova de que é possível unir melodia bela e acessível, ritmo sofisticado e cativante e uma letra poética e direta, sem rodeios. Chega a ser inacreditável imaginar que essa música fez sucesso radiofônico na época.

O álbum conta com canções maravilhosas do naipe de O Trenzinho do Caipira (Bachianas Brasileiras nº2), versão com letra da obra de Villa-Lobos, Coração Noturno, Sanha da Mandinga, a releitura de seu clássico dos anos 60 Memórias de Marta Saré e duas instrumentais simplesmente cativantes, a faixa-título do álbum e Bate-Boca.

O grupo Boca Livre, então iniciando de forma decisiva sua ascensão rumo ao estrelato, marca presença em várias faixas de Camaleão e também de Tempo Presente, assim como o brilhante Antônio Adolfo. Aliás, os dois álbuns possuem boas semelhanças estruturais, incluindo dez faixas cada, sendo dois temas instrumentais (no caso de Tempo Presente, as belas Balada do Outono e Rio das Pedras).

Tempo Presente tem como diferenciais o fantástico dueto de Edu com Joyce Moreno em Rei Morto Rei Posto (Joyce também é coautora da faixa-título) e o incrível bate-bola vocal entre o autor de Ponteio e Dori Caymmi na envolvente Desenredo, que tem ecos de O Trenzinho do Caipira. Os grupos vocais Viva Voz e MPB-4 também estão presentes nesses trabalhos.

Com uma voz doce e sempre utilizada de forma inteligente, melódica e envolvente, Edu toca violão e se dedica com afinco aos arranjos e à escalação dos músicos, fazendo dessa forma aquilo que se convencionou chamar de “disco de produtor”, ou seja, no qual o astro da companhia procura também delegar espaços bacanas para que outros músicos participem com brilho de seus discos, sempre com ótimos resultados.

Camaleão e Tempo Presente são discos maravilhosos, daqueles que se recusam a envelhecer e que são marcos de um tempo em que músicas com esse alto gabarito não só eram reconhecidas pelos críticos como também conseguiam ocupar espaços nas programações de rádio, hoje algo praticamente impossível em meio ao domínio de gêneros mais popularescos e imediatistas. Que, provavelmente, sairão de cena rapidinho, ao contrário da obra de Edu Lobo, cada dia mais importante e boa de se ouvir.

Ouça Lero-Lero, com Edu Lobo: