Por Fabian Chacur

Adoro ver documentários sobre praticamente qualquer tema. Música, então, vira obrigação, por razões profissionais e também gosto pessoal. Neste sábado (15), tive a oportunidade de finalmente conferir Gretchen Filme Estrada (2010), e fiquei simplesmente estupefato. Bizarro e genial ao mesmo tempo!

Maria Odete Miranda virou Gretchen na segunda metade dos anos 70, e tornou-se sucesso nacional graças ao faro do produtor argentino radicado no Brasil Mister Sam. Ele sacou a sensualidade da jovem e soube oferecer a ela um repertório ideal, composto de pop dançante com tempero latino e muita simplicidade, ideais para sua voz de pequena extensão, embora bastante agradável. Deu certo.

Durante um período de aproximadamente cinco anos, a cantora levou às paradas hits dançantes como Freak Le Boom Boom, Melô do Piripiri (Je Suis La Femme) e Conga Conga Conga e se tornou figurinha fácil em programas populares de TV do tipo Silvio Santos e Chacrinha. Aí, Sam e Gretchen seguiram caminhos distintos, e o sucesso da moça acabou.

A partir de meados dos anos 80, Gretchen passou a viver do passado, dublando seus sucessos onde fosse possível. De tempos em tempos, tentava gravar novos hits, mas seus discos nunca mais venderam coisa alguma, e nem mesmo um breve retorno da parceria com Sam nos anos 90 reverteu tal situação, ou Marisa Monte cantar Conga Conga Conga em alguns shows.

Gretchen Filme Estrada surgiu com o intuito de registrar a campanha da moça para tentar ser eleita em 2008 prefeita de Itamaracá, em Pernambuco, onde se radicou há mais de uma década. Seu projeto era abandonar a vida artística e mergulhar de vez na política. Inacreditável, mas real. Quem será que deu a ela essa ideia “genial”?

O que vemos no documentário é uma pessoa próxima dos 50 anos de idade com a ingenuidade de uma adolescente de antigamente. Sua incursão na política é do tipo “eu sou a solução para tudo”, típica de quem não tem noção de onde está entrando. Seu ataque de choro no finalzinho do filme prova isso de forma certeira. Isso, mesmo com pessoas tentando treiná-la.

Enquanto sua campanha se desenvolve aos trancos e barrancos, com direito a uma inesperada mudança da candidata a vice no decorrer do período, ela é flagrada durante apresentações patéticas em pequenos shows no nordeste, realizados em circos com condições precárias e na base da dublagem dos sucessos dos velhos e bons tempos.

Em uma das apresentações, o CD player falha, e Gretchen paga o mico de, perante um público quase inexistente, ter de repetir a música mais de uma vez. O momento mais triste é em João Pessoa (PB), quando uma chuva de proporções bíblicas afasta o público e deixa o circo mais vazio do que bolso de pobre. De chorar.

Conforme o tempo vai passando, a inicialmente animada Gretchen vai se dando conta da fria na qual entrou, e com isso nossa personagem se torna perdida, tensa, agressiva e em muitos momentos sem saber o que fazer. Uma senhora chega a questionar Gretchen: “eu acho que você sonhou alto demais”. Sonhou mesmo…

No fim das contas, a Rainha do Bumbum não passa de 400 votos, algo em torno de 2% do eleitorado local, e vê seu “sonho” enterrado bem fundo. Na verdade, fica claro, no fim das contas, que ela foi vítima de sua total falta de noção e incapacidade de investir em uma carreira política. Tremo só de pensar no que ocorreria, se ela fosse eleita.

Eliane Brum e Paschoal Samora mereciam um prêmio por terem conseguido, a partir de um material tão ruim, concretizar um documentário como esse. Em alguns momentos do filme, por exemplo, temos depoimentos das pessoas autorizando o uso de suas imagens no documentário. Vários momentos, por sinal! Em um deles, com o público de um dos circos onde ela cantou falando junto com ela a frase cedendo seus direitos.

Se esse material exibido era o melhor disponível, dá arrepios imaginar nas sobras de filmagens… Pouco se fala na carreira de Gretchen, de como começou, como gravou os hits etc, e o nome de Mister Sam sequer é citado durante ele. No fim, é exibido um clipe com ela cantando nos bons tempos, o que equivale a uma espécie de “olhem como ela era, e olhem como ela ficou, depois de tantos anos”.

Gretchen Filme Estrada é ao mesmo tempo bizarro e essencial, pois mostra a coragem de uma artista ao se mostrar tão frágil, perdida e mal assessorada em uma fase de carreira na qual deveria estar devidamente consolidada. Tipo do filme ideal para quem acha fácil ser artista.

Ainda mais quando a artista em questão não conseguiu dar continuidade ao que parecia ser seu destino, no início: uma diva pop. No fim das contas, virou uma melancólica caricatura disso. Mesmo assim, Gretchen merece nosso carinho e nosso apoio, pois continua sendo aquela adolescente sonhadora de seu início, nos já distantes anos 70 do século passado.

Veja cenas de Gretchen Filme Estrada: