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Eumir Deodato, muito mais do que o avô de Hailey Bieber

arnaldo de souteiro e eumir deodato-400x

Por Fabian Chacur

Aos 26 anos de idade, a modelo e influencer americana Hailey Bieber é casada com o astro pop canadense Justin Bieber. Seus inúmeros fãs mundo afora sabem que ela é neta de um músico brasileiro, um tal de Eumir Deodato. E dá vergonha alheia quando sabemos que muitos não tem nem ideia de quem ele seja, isso em plena era da informação instantânea. Portanto, nada melhor do que iniciativas como a do Sesc de promover um curso sobre a obra desse verdadeiro mestre da música.

O curso será realizado no próximo dia 28 (sábado) das 13 às 17h no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo (rua Doutor Plínio Barreto, nº 285- 4º andar- Bela Vista), e é gratuito (saiba como se inscrever aqui). O mestre será o produtor musical carioca Arnaldo De Souteiro, que não está na foto que ilustra esse post ao lado direito de Deodato por acaso.

Caso você seja um desses que não tem ideia de quem seja o personagem em questão, vamos a um pequeno resumo. Nascido no Rio de Janeiro em 22 de junho de 1942, Eumir Deodato iniciou sua carreira como tecladista e arranjador ainda muito novo, nos anos 1960. Logo, envolveu-se com a nata da bossa nova, e em pouco tempo se mudou para os EUA.

Seus trabalhos ao lado de nomes do porte de Tom Jobim e Frank Sinatra lhe abriram portas para uma carreira-solo que tem como marca a releitura funkeada de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss, que invadiu as paradas de sucesso de todo o mundo em 1973.

Um de seus momentos seminais ocorreu entre 1979 e 1982, quando, como produtor, compositor e músico, ajudou a banda funk americana Kool & The Gang a atingir os primeiros postos das paradas de sucesso do planeta com músicas incríveis como Ladies Night, Too Hot, Celebration, Get Down On It e Steppin’ Out, só para citar algumas delas.

Nos anos 1990, trabalhou com a cantora islandesa Bjork, em trabalhos bastante elogiados pela crítica e público. Vale registrar que Deodato, que tem mais de 15 álbuns em sua rica discografia, foi eleito um dos 10 melhores arranjadores do mundo pela revista americana Downbeat, considerada a bíblia do jazz, e ao lado de nomes como Gil Evans, Duke Ellington, Quincy Jones e Frank Zappa.

Para dar conta de realizar um curso sobre uma obra tão rica, ninguém mais bem preparado do que o produtor musical, jornalista e roteirista carioca Arnaldo De Souteiro, que nas últimas quatro décadas esteve ao lado de Eumir Deodato em shows, gravações, compilações e especiais de TV, além de ter produzido as reedições digitais de seus principais álbuns.

De Souteiro é membro votante do Grammy, o Oscar da música, e prestou serviços para várias gravadoras, para as TVs Globo e Manchete e para artistas estelares como João Gilberto, Tom Jobim, Marcos Valle, Azymuth, Dave Brubeck, Ithamara Koorax e Ron Carter.

Also Sprach Zarathustra– Eumir Deodato:

Tempo Feliz é livro que conta a história de uma bela aventura

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Por Fabian Chacur

Uma forma interessante de estudar a história da música brasileira é se deter na trajetória das gravadoras, especialmente as independentes ou de pequeno e médio porte. É através delas que muita coisa importante aconteceu. Um bom exemplo é a Forma, criada por Roberto Quartin e Wadi Gebara em 1964 e que se manteve assim até 1967, quando foi vendida para a CBD (cujo acervo hoje pertence à Universal Music). Eis a missão assumida pelo jornalista Renato Vieira, que mergulhou fundo nela e nos proporcionou o excelente livro Tempo Feliz- A História da Gravadora Forma (Kuarup Música).

Além das tradicionais entrevistas com boa parte dos principais envolvidos com o enredo do tema que resolveu abordar, Vieira teve uma ideia bastante interessante. Como o acervo de lançamentos da Forma em seu período independente comporta um número pequeno de títulos (pouco mais de 20), ele nos traz uma análise de cada um deles, com direito a fichas técnicas, textos das contra-capas e também uma análise inteligente dos discos, incluindo desempenho comercial e repercussão na imprensa.

Além disso, ele nos situa de forma basante precisa naquele período da história do Brasil, quando o golpe militar havia acabado de ocorrer e as perseguições à área cultural foram aos poucos aumentando, além do clima favorável à bossa nova no exterior, graças ao mitológico show no Carnegie Hall em 1962 e principalmente ao estouro do álbum Getz-Gilberto (1964), que vendeu muito e rendeu 4 troféus Grammy ao músico americano Stan Getz e seus talentosos parceiros brazucas.

É dentro dessa dualidade medo/esperança que a Forma surge. Ela é fruto do idealismo quase irresponsável do jovem Roberto Quartin, que se une a um profissional do meio musical, o alemão Peter Keller, para criar um selo musical que teria seus discos prensados e distribuídos pela CBD. Keller saiu da sociedade antes mesmo do lançamento do 1º álbum, e o também jovem músico amador e arquiteto Wadi Gebara acabou sendo o seu parceiro de fato nessa ousada empreitada.

Quartin tinha como objetivo lançar discos de artistas extremamente talentosos e que admirava muito, mesmo sem saber se poderiam lhe dar um retorno comercial que viabilizasse o negócio. Cada álbum teria apresentação luxuosa, com direito a capas duplas, textos assinados por nomes importantes da cultura brasileira e fichas técnicas completas. E assim foi feito, mesmo sob o olhar assustado de Gebara em vários momentos, ele mais próximo do lado financeiro dessa operação.

Em termos musicais, deu muito certo. Entre outros, lançou o mitológico Os Afro-Sambas, firmando a célebre parceria de Baden Powell e Vinícius de Moraes, os primeiros discos do seminal Quarteto em Cy, o icônico Coisas, do maestro Moacir Santos e discos importantes e marcantes dos então ainda novatos Eumir Deodato e Victor Assis Brasil, só para citar alguns.

O duro é que, por circunstâncias as mais diversas, esses discos foram acumulando prejuízos, e em 1966 o próprio Quartin resolveu se mandar, deixando a encrenca nas mãos de Gebara. A Forma só se manteve no mesmo espírito independente até 1967, quando foi vendida para a CBD e tornou-se apenas um selo como outro qualquer até 1971, quando enfim saiu de cena. Mas sua história ficou marcada.

Com um texto fluente e consistente, Renato Vieira nos conta essa história com muita riqueza de detalhes e bastidores, e que mostra um pouco do idealismo em prol da criação de espaços nobres para lançamentos de artistas que praticassem a boa música brasileira que gerou empreitadas como esta Forma e também a mais conhecida delas, a Elenco de Aloysio de Oliveira, outra que acabou sendo incorporada ao acerco da gloriosa CBD.

Roberto Quartin ainda faria algumas produções eventuais, após deixar a Forma, e nos deixou em 2004, aos 62 anos de idade. Wadi Gebara saiu de vez da cena musical sem um tostão, e voltou a se dedicar à arquitetura, sendo uma das fontes deste livro e quem sugeriu o belo título. Ele infelizmente nos deixou antes de vê-lo publicado, em 2019, aos 81 anos.

Ao desabafar um dia com o amigo Roberto Menescal sobre o fato de ter perdido todo o dinheiro que tinha com o projeto da Forma, Gebara ouviu de um dos grandes craques da bossa nova uma frase lapidar, e com um trocadilho matador: “Wadi, foi a melhor forma de você perder dinheiro”.

Os Afro-Sambas- Baden e Vinícius (ouça em streaming):

Eumir Deodato e eu, em 1992, falando sobre Kool & The Gang

eumir deodato

Por Fabian Chacur

Existem profissionais que possuem currículos imensos, e o músico, arranjador. compositor e produtor carioca Eumir Deodato certamente é um deles. Trabalhou com Frank Sinatra, Tom Jobim, Aretha Franklin, Roberta Flack e inúmeros outros, além de desenvolver uma carreira-solo de muito sucesso. No entanto, quando tive a honra de entrevistá-lo, em São Paulo, para o Diário Popular, no dia 14 de julho de 1992, eu só conseguia pensar em um item dessa trajetória brilhante: ele tinha sido o produtor do grupo americano Kool & The Gang de 1979 a 1982.

Conheci o trabalho do Kool & The Gang de forma pitoresca. Sua música intitulada Kool & The Gang, de 1970, era utilizada pela TV Bandeirantes, no Brasil, nos comerciais e na hora da exibição da série americana Jeannie é um Gênio.

Começava ali uma relação de pura paixão, que culminou quando comprei, ao completar 18 anos de idade, o maravilhoso álbum Ladies Night (1979), um dos meus discos favoritos de todos os tempos. E o produtor desse trabalho é ninguém menos do que Eumir Deodato. Logo…

Radicado nos EUA desde 1967, Deodato voltava ao Brasil para o seu primeiro concerto no país desde então. A ocasião era mais do que nobre: participar do Projeto Memória Brasileira-Série Arranjadores, em apresentação que homenagearia o grande Lyrio Panicali (1906-1984) e também outra fera do mesmo calibre, Léo Peracchi (1911-1993), que não esteve no show por recomendações médicas e nos deixaria meses depois.

Além do meu entrevistado, também participaram do evento, realizado no dia 16 de julho de 1992 no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, a Orquestra Experimental de Repertório (regida por Jamil Maluf e Luis Gustavo Petri), alguns integrantes da Banda Savana e os craques Alex Malheiros (baixo), Victor Biglione (guitarra) e Pascoal Meirelles (bateria).

Bastante simpático e de temperamento forte,Deodato me falou sobre o projeto. Depois de conseguir as informações que precisava sobre o tema principal de nosso papo, respirei fundo e comecei a fazer perguntas sobre a sua parceria de quatro anos com o Kool & The Gang. Para minha felicidade, ele não se opôs a falar sobre o tema, e me passou algumas informações muito bacanas.

Ao iniciar o seu trabalho com a banda americana criada pelos talentosos irmãos Ronald “Khalis Bayyan” (leia mais sobre ele e a banda aqui) e Robert “Kool” Bell, sua primeira sugestão foi que eles escalassem um vocalista principal, e foi nessa brecha que entrou no time o cantor James J.T. Taylor.

Segundo Deodato, ele atuava na parte técnica das gravações e também em termos de arranjos, tendo criado algumas introduções e ganchos importantes das músicas deles naquele período, incluindo Ladies Night e várias outras. Ele também tocou teclados em algumas das faixas.

Ele assinou a produção dos álbuns Ladies Night (1979), Celebrate! (1980), Something Special (1981) e As One (1982), todos com ótimas vendagens e geradores de uma série de hits. O fim da parceria entre eles foi sem dramas, se bem me lembro de sua resposta.

O mais divertido, digamos assim, ficou pela lembrança de que, alguns anos depois, ele chegou a negociar para produzir o que viria a ser o primeiro disco solo de J.T. Taylor. A razão pela qual o projeto não se concretizou, ele definiu em uma frase bem direta: “que cara mesquinho!”. A equipe da casa de shows Via Funchal, que iria trazer o ex-cantor do Kool & The Gang para shows por aqui há alguns anos, certamente concorda com a opinião de Deodato, pois o cara lhes deu um baile, cancelando quase que em cima da hora as apresentações.

Lógico que eu não perderia a chance de pedir um autógrafo a Eumir Deodato, e levei para esse fim seu primeiro álbum-solo internacional, o sublime Prelude (1973- CTI Records, saiu aqui em vinil na época pela Top Tape com capa dupla), que traz sua matadora releitura de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss. Só que, na hora do “vamos ver”, a minha caneta Bic não “pegava” na capa. E aí?

Bem, resolvi da melhor forma possível: pedi o autógrafo na contracapa da pasta que trazia os releases do evento e sobre Deodato, e lá ele escreveu: “ao Fabian, com meus melhores votos de boa sorte etc…” Era o final daquele delicioso encontro com um dos músicos brasileiros mais conceituados no exterior.

Get Down On it (clipe)- Kool & The Gang:

Ronald Bell, 68 anos, um dos criadores do Kool & The Gang

ronald bell

Por Fabian Chacur

Chega a ser sintomático o autor de uma das músicas mais alegres e festivas de todos os tempos nos deixar em um ano tão terrível como este 2020. Foi exatamente o que ocorreu na manhã desta quarta-feira (9). O compositor, produtor e multi-instrumentista Ronald Bell, também conhecido por seu nome muçulmano Khalis Bayyan, um dos fundadores da seminal banda americana Kool & The Gang e autor, entre diversos outros megahits, da contagiante Celebration, deixou-nos aos 68 anos, em sua casa nas Ilhas Virgens, de forma repentina e de causa ainda não revelada.

Ronald nasceu em 1º de novembro de 1951, irmão mais novo de outro cofundador e integrante do grupo que o tornou famoso, o baixista Robert “Kool” Bell (que veio ao mundo no dia 8 de outubro de 1950). Filhos de um boxeador que viajava pelo país no circuito de lutas para defender o pão de cada dia e ficou amigo de músicos de jazz como Miles Davis e Thelonius Monk, foi assim que os garotos tiveram acesso a música de boa qualidade.

Em 1964, junto com o baterista e compositor George Brown e outros amigos, criaram em Jersey City, New Jersey (para onde haviam se mudado quatro anos antes, de Youngstown, Ohio) uma banda inicialmente denominada Jazziacs, nome que foi se alterando até chegar em 1969 ao batismo definitivo, mesmo ano em que assinaram com a gravadora De-Lite.

Seu primeiro álbum, autointitulado e todo instrumental, trouxe como destaque a faixa Kool & The Gang, seu primeiro hit lançada como single e curiosamente utilizada, pela TV Bandeirantes no Brasil, como música de abertura para o seriado Jeannie é um Gênio. Seu som dançante, mesclando o então efervescente funk com jazz, pegou no breu de vez em 1973 com seu quarto álbum de estúdio, Wild And Peaceful.

É deste álbum (nº 33 na parada pop) que fazem parte três faixas que renderam aos irmãos Bell os primeiros grandes hits nos charts americanos, as sensacionais Jungle Boogie (nº 4 entre os singles, escrita por Ronald e incluída com destaque em 1994 na célebre trilha sonora do filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino), Hollywood Swinging (nº 6 na parada pop) e Funky Stuff (nº 29 na parada pop).

Logo a seguir, no entanto, a banda entrou em uma fase difícil em termos de popularidade, especialmente com a ascensão da disco music. Ao tentarem inicialmente se adaptar ao novo som, não se deram muito bem. Um consolo bacana ocorreu com a inclusão da faixa-título de seu álbum de 1976, Open Sesame, composição de Ronald que na época vendeu muito pouco, na multiplatinada trilha sonora do filme Os Embalos de Sábado à Noite (1977).

A saída para a crise teve origem brasileira. O produtor Eumir Deodato, radicado há anos nos EUA e muito bem-sucedido em uma carreira solo, aceitou o convite para produzi-los, e de cara deu uma sugestão que se mostrou acertadíssima. A ideia era deixar de lado os vocais em uníssono que os marcavam e contratar um vocalista principal, que veio a ser James J.T. Taylor.

A nova roupagem do Kool & The Gang veio à tona em 1979 com o álbum Ladies Night, com seis faixas matadoras, entre elas os hits Ladies Night e Too Hot. O álbum atingiu o 13º lugar na parada pop, uma entrada triunfante da banda no primeiro escalão da música pop.

Em 1980, inspirado em versos de Ladies Night, Khalis Bayyan resolveu escrever uma canção para virar uma espécie de hino de festas. Nascia Celebration, que atingiu o primeiro lugar na parada pop no formato single e impulsionou o álbum do qual faz parte, Celebrate!, rumo ao 10º lugar nos EUA e a vender mais de um milhão de cópias, primeiro disco de platina dos rapazes.

A parceria com Eumir Deodato renderia mais dois álbuns de muito sucesso, Something Special (1981), 12º lugar nos EUA e trazendo os hits Take My Heart (You Can Have It) e Get Down On It, e As One (1982), 29º lugar nos EUA com a salerosa Let’s Go Dancin’ (Oh La La La). A mistura de disco music, funk e pop dessa era se mostrava imbatível.

Em 1983, no entanto, Eumir deixou de trabalhar com o grupo, e Khalis Bayyan passou a ser produtor ou coprodutor dos próximos trabalhos, deixando aos poucos de participar dos shows. Nos estúdios, ele mostrava sua versatilidade tocando sax tenor, flauta, teclados, clavinete, sintetizadores e percussão.

Sem Deodato, o Kool & The Gang ainda se manteria disputando os primeiros lugares dos charts até 1986, emplacando sucessos como Joanna, Tonight, Fresh e Cherish (de Bayyan). Em 1988, com a saída do vocalista James J.T. Taylor rumo a uma carreira-solo, a banda viu sua mágica comercial cair por terra, sendo que o cantor também não se deu tão bem com a mudança.

Houve um reencontro entre J.T. e a banda em 1996, que teve como marca o lançamento do álbum State Of Affairs naquele mesmo ano, mas nada aconteceu, e o cantor saiu fora de novo em 1999. Seja como for, o Kool & The Gang se manteve na estrada fazendo shows e animando as festas pelo mundo afora.

Outra tentativa de reativar o seu poder em termos comerciais ocorreu em 2005, quando saiu o álbum-duplo The Hits Reloaded (saiu no Brasil pela extinta Indie Records), no qual o grupo releu alguns de seus grandes sucessos em novas versões ao lado de nomes das novas gerações como Lisa Stansfield, Angie Stone, Lauryn Hill, Youssou N’Dour, Jamiroquai, Beverley Knight e Tony Hadley, mas infelizmente não deu certo. O grupo se apresentou no Brasil em 2008 e 2011.

Ouça o álbum Ladies Night na íntegra em streaming:

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