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Eumir Deodato e eu, em 1992, falando sobre Kool & The Gang

eumir deodato

Por Fabian Chacur

Existem profissionais que possuem currículos imensos, e o músico, arranjador. compositor e produtor carioca Eumir Deodato certamente é um deles. Trabalhou com Frank Sinatra, Tom Jobim, Aretha Franklin, Roberta Flack e inúmeros outros, além de desenvolver uma carreira-solo de muito sucesso. No entanto, quando tive a honra de entrevistá-lo, em São Paulo, para o Diário Popular, no dia 14 de julho de 1992, eu só conseguia pensar em um item dessa trajetória brilhante: ele tinha sido o produtor do grupo americano Kool & The Gang de 1979 a 1982.

Conheci o trabalho do Kool & The Gang de forma pitoresca. Sua música intitulada Kool & The Gang, de 1970, era utilizada pela TV Bandeirantes, no Brasil, nos comerciais e na hora da exibição da série americana Jeannie é um Gênio.

Começava ali uma relação de pura paixão, que culminou quando comprei, ao completar 18 anos de idade, o maravilhoso álbum Ladies Night (1979), um dos meus discos favoritos de todos os tempos. E o produtor desse trabalho é ninguém menos do que Eumir Deodato. Logo…

Radicado nos EUA desde 1967, Deodato voltava ao Brasil para o seu primeiro concerto no país desde então. A ocasião era mais do que nobre: participar do Projeto Memória Brasileira-Série Arranjadores, em apresentação que homenagearia o grande Lyrio Panicali (1906-1984) e também outra fera do mesmo calibre, Léo Peracchi (1911-1993), que não esteve no show por recomendações médicas e nos deixaria meses depois.

Além do meu entrevistado, também participaram do evento, realizado no dia 16 de julho de 1992 no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, a Orquestra Experimental de Repertório (regida por Jamil Maluf e Luis Gustavo Petri), alguns integrantes da Banda Savana e os craques Alex Malheiros (baixo), Victor Biglione (guitarra) e Pascoal Meirelles (bateria).

Bastante simpático e de temperamento forte,Deodato me falou sobre o projeto. Depois de conseguir as informações que precisava sobre o tema principal de nosso papo, respirei fundo e comecei a fazer perguntas sobre a sua parceria de quatro anos com o Kool & The Gang. Para minha felicidade, ele não se opôs a falar sobre o tema, e me passou algumas informações muito bacanas.

Ao iniciar o seu trabalho com a banda americana criada pelos talentosos irmãos Ronald “Khalis Bayyan” (leia mais sobre ele e a banda aqui) e Robert “Kool” Bell, sua primeira sugestão foi que eles escalassem um vocalista principal, e foi nessa brecha que entrou no time o cantor James J.T. Taylor.

Segundo Deodato, ele atuava na parte técnica das gravações e também em termos de arranjos, tendo criado algumas introduções e ganchos importantes das músicas deles naquele período, incluindo Ladies Night e várias outras. Ele também tocou teclados em algumas das faixas.

Ele assinou a produção dos álbuns Ladies Night (1979), Celebrate! (1980), Something Special (1981) e As One (1982), todos com ótimas vendagens e geradores de uma série de hits. O fim da parceria entre eles foi sem dramas, se bem me lembro de sua resposta.

O mais divertido, digamos assim, ficou pela lembrança de que, alguns anos depois, ele chegou a negociar para produzir o que viria a ser o primeiro disco solo de J.T. Taylor. A razão pela qual o projeto não se concretizou, ele definiu em uma frase bem direta: “que cara mesquinho!”. A equipe da casa de shows Via Funchal, que iria trazer o ex-cantor do Kool & The Gang para shows por aqui há alguns anos, certamente concorda com a opinião de Deodato, pois o cara lhes deu um baile, cancelando quase que em cima da hora as apresentações.

Lógico que eu não perderia a chance de pedir um autógrafo a Eumir Deodato, e levei para esse fim seu primeiro álbum-solo internacional, o sublime Prelude (1973- CTI Records, saiu aqui em vinil na época pela Top Tape com capa dupla), que traz sua matadora releitura de Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss. Só que, na hora do “vamos ver”, a minha caneta Bic não “pegava” na capa. E aí?

Bem, resolvi da melhor forma possível: pedi o autógrafo na contracapa da pasta que trazia os releases do evento e sobre Deodato, e lá ele escreveu: “ao Fabian, com meus melhores votos de boa sorte etc…” Era o final daquele delicioso encontro com um dos músicos brasileiros mais conceituados no exterior.

Get Down On it (clipe)- Kool & The Gang:

Stevie Wonder celebra 70 anos como um dos gênios da música

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Por Fabian Chacur

A voz de Stevie Wonder entrou na minha vida com a música Yester-Me Yester-You Yesterday, que lá pelos idos de 1969-1970 tocava e muito nas rádios paulistanas. Era faixa de seu álbum My Cherie Amour (1969). A partir dali, fui aos poucos mergulhando no maravilhoso universo musical desse grande cantor, compositor e músico americano, que nesta quarta-feira (13) chegou aos 70 anos de vida, dando-nos de presente uma carreira brilhante e repleta de grandes momentos. Um autêntico gênio no setor musical.

Stevie é um daqueles caras que parecem talhados para o estrelato. Seu talento para a música foi descoberto quando ele ainda era criança. Não enxergar se mostrou um obstáculo que o cara soube superar com uma desenvoltura absolutamente absurda. Tanto que, em 1962, lançou seu primeiro álbum, The Jazz Soul Of Little Stevie, jovem aposta da gravadora Motown, que então começava a despontar no cenário americano.

Após gravar um álbum em homenagem a uma de suas inspirações, Ray Charles (Tribute To Uncle Ray-1962), Stevie surpreendeu a todos ao atingir o topo da parada pop americana com o álbum ao vivo Recorded Live: The 12 Old Genius (1963), sucesso impulsionado pelo galopante single Fingertips, que também ponteou os charts, no setor singles.

Em um período mais ou menos rápido, Wonder foi criando uma personalidade própria, com o apoio do mentor Clarence Paul e do presidente da Motown, Berry Gordy. O crítico e pesquisador musical Zeca Azevedo sempre se queixa do fato de a imprensa musical normalmente deixar um pouco de lado essa fase inicial da carreira do artista, e está repleto de razão, pois temos pencas de momentos bacanas nesses anos de aprendizado.

Não faltam músicas maravilhosas nesse período que vai até 1970. Só para citar algumas, vamos da já comentada Yester-Me Yester-You Yesterday e prosseguir com outras pepitas: I Was Made For Love Her, Uptight (Everything’s Alright), For Once In My Life, My Chérie Amour, Signed Sealed Delivered I’m Yours e Pretty World (versão em inglês de Sá Marina, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar). Em 1970, Stevie já era um artista repleto de hits e discos bacanas.

Só que em 1971, ao completar 21 anos e atingir a maioridade, ele enfim teve acesso a todo o dinheiro que ganhou naqueles anos todos. Isso lhe deu a independência financeira para experimentar novos rumos musicais, e também para negociar um novo contrato com a Motown Records que lhe desse a liberdade artística que desejava, seguindo os passos do colega de gravadora Marvin Gaye. Gordy rateou, mas acabou dando o braço a torcer.

A parceria com os integrantes do inovador grupo Tonto’s Expanding Head Band, Robert Margouleff and Malcolm Cecil, abriu a ele um universo de novas possibilidade em termos de sons de teclados. Isso veio à tona no álbum Music Of My Mind (1972), que inclui a maravilhosa Superwoman (Where Were You When I Needed You), um de seus clássicos superlativos.

Até o fim dos anos 1970, Stevie Maravilha gravou alguns dos melhores discos de todos os tempos, os maravilhosos Talking Book (1972), Innervisions (1973) e Fulfillingness’ First Finale (1974). Em 1975, não lançou um novo LP, e Paul Simon brincou ao receber seu Grammy de melhor álbum do ano por Still Crazy After All These Years, pois Wonder havia faturado nos dois anos anteriores.

Em 1976, Wonder tirou a diferença com o álbum-duplo Songs In The Key Of Life, que no formato vinil trazia dois LPs e um compacto duplo adicional. O sucesso foi estrondoso, e foi inevitável o cidadão abocanhar mais um Grammy de melhor álbum do ano. Ali, já estava sacramentada a abrangência da música de Wonder, misturando soul, funk, jazz, música africana, latinidades, pop e muito mais.

Nesse período de quatro anos, Stevie Wonder nos proporcionou pérolas sonoras de raríssimo valor do porte de You Are The Sunshine Of My Life, Higher Ground, Superstition, Living For The City, All In Love Is Fair, You Haven’t Done Nothing, Sir Duke, As, I Wish, Boogie On Reggae Woman e muitas outras, entre hits e faixas ótimas “escondidas” nos álbuns.

Em 1979, lançou o ambicioso álbum duplo Stevie Wonder’s Journey Through “The Secret Life of Plants feito inicialmente para trilha de um documentário mas que ganhou vida própria. Se só trouxesse a encantadora e envolvente balada Send One Your Love já valeria o preço, mas tem muito mais, embora não tenha tido o mesmo sucesso comercial de seus trabalhos anteriores.

Hotter Than July (1980) o trouxe com mais força aos charts, trazendo clássicos de seu repertório como o envolvente reggae Master Blaster (Jammin’), uma bela homenagem a Bob Marley, e a fantástica Happy Birthday, tributo ao grande Martin Luther King que virou hino de sua bela campanha para que a data de nascimento desse grande ativista virasse um feriado nacional nos EUA, o que acabou se concretizando.

Em 1982, mais dois itens bacanas em sua trajetória: ele lançou a coletânea dupla Stevie Wonder’s Original Musiquarium I, com 12 hits da fase 1972-1980 e quatro petardos inéditos: That Girl, Do I Do (com participação especial do ícone do jazz Dizzy Gillespie), Front Line e Ribbon In The Sky. De quebra, ainda gravou dois duetos com Paul McCartney incluídos no álbum Tug Of War, do ex-beatle: Ebony And Ivory e What’s That You’re Doing, ambas ótimas.

Até o fim dos anos 1980, lançou os hits Part-Time Lover, Overjoyed e I Just Call To Say I Love You e participou com destaque de We Are The World, do projeto beneficente USA For Africa. Characters (1987) não vendeu tanto, mas traz a energética Skeletons e um dueto com Michael Jackson, Get It.

Após a ótima trilha para o filme Jungle Fever (1991), de Spike Lee, os lançamentos inéditos de Stevie Wonder passaram a ser bem mais esparsos. Na verdade, nos últimos 29 anos, foram só dois novos álbuns de estúdio com faixas inéditas: Conversation Peace (1995) e A Time For Love (2005).

Ele continuou fazendo shows e participando de discos de outros artistas, entre os quais Sting, Luciano Pavarotti, Babyface, Herbie Hancock, The Dixie Humminbirds, Elton John, Gloria Estefan e inúmeros outros. Também lançou um esplêndido DVD gravado ao vivo, Live At Last- A Wonder Summer’s Night (2009), gravado ao vivo na imensa O2 Arena, em Londres com altíssima qualidade técnica e na qual ele dá uma bela geral em seu fantástico songbook se mostrando em plena forma.

O astro vendeu mais de 100 milhões de discos nesses anos todos, além de influenciar inúmeros outros artistas. Ele faturou 25 troféus Grammy e também um Grammy pelo conjunto de sua carreira, além de ser o único a ganhar o laurel de melhor álbum do ano com três lançamentos consecutivos. Seus shows no Brasil em 1971 (gravado pela TV Record e exibido por essa emissora) e em 1995 foram marcantes, com grande repercussão de público e crítica.

Com essa trajetória maravilhosa humildemente resumida aqui, Stevie Wonder nos mostrou como um ser humano pode atingir o ponto alto de seu potencial artístico ao superar limitações e desenvolver com rara habilidade canções capazes de cativar as mais distintas gerações. Gênio!

Yester-me Yester-you Yesterday– Stevie Wonder:

Risqué (1979), o álbum que marca o auge do Chic de Nile Rodgers

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Por Fabian Chacur

Em 1979, a disco music era a galinha dos ovos de ouro da indústria fonográfica. O gênero musical que surgiu e se desenvolveu durante a década de 1970 atingiu o auge de sua popularidade após o estouro de Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever-1977). O filme estrelado por John Travolta e com trilha sonora encabeçada pelos Bee Gees rapidamente se tornou um fenômeno cultural e comercial. Todos queriam faturar em cima daquele modismo contagiante e inovador.

O resultado foi uma verdadeira overdose de lançamentos dedicados ao gênero a partir daquele momento, com uma significativa aparição de oportunistas tentando surfar naquela onda que gerava milhões de dólares.

Isso acabou levando muita gente a confundir esses picaretas aproveitadores com os artistas de verdade que estavam desenvolvendo trabalhos incríveis dentro desse conceito de música criado para proporcionar diversão, alegria e te fazer dançar até não poder mais. Abra suas asas, solte suas feras…

Se por um lado essa saturação atingiu o seu auge naquele ano, do outro tínhamos uma legião de ressentidos, boa parte deles roqueiros brancos que não conseguiam aceitar que aquele amontoado de negros, gays e pobres tomasse conta dos holofotes, afastando das paradas de sucessos os seus ídolos.

Roqueiros ressentidos reagem da pior forma possível

Era preciso dar um basta naquilo, pensavam (?) esses acéfalos. E, como costumeiramente ocorre nesse tipo de situação, alguém surge com uma ideia que, posta em prática, vira o estopim de uma reação ignorante e violenta.

O DJ, roqueiro e humorista americano Steve Dahl foi demitido da rádio na qual trabalhava, em Chicago, pela mudança de direcionamento musical da emissora, que largou o rock para mergulhar na disco music. A partir dali, Dahl se tornou uma espécie de “inimigo nº 1” do gênero.

E foi dessa cabeça oca que surgiu a “brilhante” ideia de promover a destruição pública de LPs e compactos dos artistas disco. O auge desse projeto do mal teve como palco o estádio Comiskey Park, em Chicago, no intervalo de uma partida de baseball entre o Chicago White Socks e o Detroit Tigers.

Um marco de ignorância e intolerância

O evento, intitulado Disco Demolition Day, ocorreu no dia 12 de julho de 1979, que merece constar nos calendários como um dos acontecimentos mais vergonhosos da história da cultura pop de todos os tempos.

Em determinado momento da “festa”, um engradado lotado de discos foi explodido, gerando um grande tumulto e ganhando manchetes em toda a imprensa. “Disco Sucks” (disco music é uma merda, em tradução livre) era o slogan que esses imbecis usavam, em camisetas e bottoms.

O objetivo dessa horda de homofóbicos e racistas não foi atingido logo de imediato, mas a Disco Demolition Day conseguiu alastrar nos meses seguintes um sentimento de medo entre as pessoas, e em especial nas gravadoras.

Em sua excelente autobiografia Le Freak (2011), Nile Rodgers, o líder da banda Chic relembra uma festa da qual participou promovida pela revista Cash Box, algum tempo após aquela cerimônia de ódio, na qual um espaço com pista de dança dedicado à disco music permaneceu vazio durante toda a noite.

Aos poucos, ninguém queria ser associado à disco music. Ser considerado um artista disco era quase uma maldição. E todos os artistas ligados ao gênero passaram a ser postos de lado. Entre eles, Nile e sua seminal banda.

Sucesso que nem o preconceito conseguiu derrubar

Foi nesse contexto tumultuado, no dia 30 de julho de 1979, 18 dias após o show de horrores promovido por Dahl e seus idiotas, que Risqué, o terceiro álbum do Chic, chegou às lojas de discos.

Esse trabalho tinha a dura missão de suceder o esplêndido C’Est Chic (1978), que emplacou os megahits Le Freak e I Want Your Love e tornou a banda americana um grandioso sucesso nos quatro cantos do planeta, Brasil incluso (eles fizeram shows por aqui, na época).

A primeira faixa a ser extraída do disco (no formato single) não poderia ter sido melhor escolhida. Good Times reeditou a performance de Le Freak, atingindo o primeiro lugar na parada de singles americanas no dia 18 de agosto daquele ano.

Com uma levada hipnótica e um refrão matador, Good Times traz como marca registrada no seu “miolo” uma extensa parte instrumental na qual a linha de baixo comanda, com espaços para elegantes solos de teclados e guitarra.

A letra se baseia em hits dos tempos da Depressão Americana (anos 1920-1930) e busca estimular um astral positivo em um momento no qual a economia americana passava novamente por sérios problemas.

Em circunstâncias normais, Good Times deveria ter se mantido mais do que apenas uma semana no topo da parada americana, mas a mudança de orientação das rádios, que aos poucos foram tocando cada vez menos músicas associadas à disco music em suas programações, impediu que esse clássico fosse ainda mais longe. Ainda assim, virou um hit explosivo.

Disco music, sim, mas do seu jeito

O embrião do Chic surgiu quando o guitarrista Nile Rodgers tornou-se parceiro musical do baixista Bernard Edwards. Com a entrada no time do baterista Tony Thompson, eles ganharam entrosamento acompanhando outros artistas, até que, na metade dos anos 1970, resolveram investir em material próprio.

Influenciados pela disco music, eles no entanto criaram uma sonoridade própria, com forte tempero de rhythm and blues, funk, jazz e até rock que os colocam à parte dos grupos disco mais emblemáticos, do tipo Village People, Silver Convention e Boney M.

O Chic tinha um DNA mais próximo de bandas funk como Con Funk Shun, Commodores e Kool & The Gang, mas foi inserido no universo disco, o que lhes valeu muito de 1977 (quando lançaram o álbum de estreia, Chic) a 1979, e depois se tornou um fardo duro de carregar devido ao fator preconceito.

Capa com visual anos 1920-30

Risqué marca o momento em que o Chic atingiu o seu auge em termos criativos. A coisa começa bem logo na capa, contracapa e encarte, que traz fotos com os cinco integrantes do grupo vestindo elegantes trajes típicos dos anos 1920-1930. O clima é de filme de mistério, com direito a Bernard Edwards caído nas teclas do piano, com uma faca nas costas.

Tony Thompson posa de mordomo (seria ele o culpado do crime?), com Nile dando uma de cafetão e as vocalistas Luci Martin e Alfa Anderson no melhor estilo garotas de programa. A locação é uma sala estilosa com móveis idem, tendo como centro um piano de cauda.

O jeitão da apresentação visual do LP lembra o de In Throught The Out Door, do Led Zeppelin, que curiosamente foi lançado pela mesma Atlantic Records no dia 15 de agosto, ou seja, duas semanas após Risqué. Baita coincidência, mas cada uma dessas capas tem seus aspectos peculiares, não denotando um plágio.

Um álbum bom de ponta a ponta

Como normalmente as faixas de disco music e funk costumavam ser mais longas, era comum um número menor de canções do que em discos de rock e pop. No caso de Risqué, temos sete músicas. Mas é o típico caso de conteúdo na medida, nem a mais, nem a menos. E a duração estendida mostra a criatividade dos músicos no intuito de criarem uma sonoridade repleta de grooves, hipnótica e de uma sofisticação sintética e repleta de bom gosto.

Após a abertura matadora com Good Times, temos a seguir A Warm Summer Night, uma espécie de balada sensual que pode ser considerada a Je T’Aime Moi Non Plus do Chic. Para quem não lembra, essa música gravada em 1969 por seu autor, Serge Gainsbourg, em parceria com a cantora Jane Birkin, tornou-se um marco do som erótico-sensual.

No caso da canção de Edwards-Rodgers, a letra concisa, com os versos “te quiero papi” praticamente gemidos pelas cantoras, leva ao clima ideal para transar.

Homenagem aos dançarinos profissionais com solo inusitado

My Feet Keep Dancing tem como marca o arranjo de cordas com stacatto, o que dá uma ênfase rítmica bem peculiar e envolvente. A letra da canção fala sobre alguém que resolve mergulhar no mundo da dança mesmo sem o apoio dos parentes, que o ironizavam dizendo que “seu cérebro está em seus pés”.

A grande sacada, genial mesmo, do arranjo de My Feet Keep Dancing fica por conta de termos nela um solo não de guitarra, teclados ou outro instrumento musical, mas de sapateado! Sim, e feito por três craques dessa área, Mr. Fayard Nicholas (do grupo The Nicholas Bros.), Mr. Eugene Jackson (do grupo Our Gang) e Mr. Sammy Warren.

As idas e vindas do amor

A eterna questão do amor proibido dá o tom a My Forbidden Lover, inspirada naquelas paixões que a gente sabe serem inadequadas, mas das quais não conseguimos nos livrar, com versos bem definidores como “minha paixão proibida, eu não quero outra”. Em um mundo perfeito, esta faixa e My Feet Keep Dancing teriam sido hit singles de muito sucesso.

As dificuldades de um relacionamento afetivo, no qual a sinceridade nem sempre se faz presente, é o tema de Can’t Stand To Love You, provavelmente o momento mais jazzístico de Risqué.

Nada mais duro do que ser dispensado pela pessoa que você ama, e este é o tema da balada do álbum, Will You Cry (When You Hear This Song), na qual a cantora Alfa Anderson dá uma comovente aula de interpretação.

O disco é encerrado por What About Me, na qual a garota questiona o namorado, que conseguiu o que queria, mas e ela? Como é que fica? “Eu te dei o meu amor, você não vê?” Isso, tendo como fundo sonoro uma canção swingada na qual a guitarra base se destaca. Final perfeito para um álbum perfeito.

A ótica feminina nas letras

Existe um aspecto muito interessante nas composições do Chic, que fica por conta da qualidade das letras. Neste álbum em questão, temos uma quantidade significativa de incursões em temas vinculados aos relacionamentos.

Ao contrário do que se poderia esperar, o fato de as faixas serem assinadas por dois homens não deu um viés machista ou muito masculinizado ao tema. Pelo contrário, o ponto de vista das mulheres é defendido e mostra a crueldade masculina em diversos momentos.

Difícil algum homem ou mulher de bom senso não concordar ou não se identificar com alguns dos personagens das sete composições contidas em Risqué, cujo título tem muito a ver com os riscos que corremos sempre que nos envolvemos afetivamente com alguém.

The Chic Organization Ltd

Para todos os efeitos, a formação clássica e oficial do Chic trazia Nile Rodgers (guitarra e composições), Bernard Edwards (baixo e vocais), Tony Thompson (bateria) e as cantoras Alfa Anderson e Luci Martin. Nos discos, no entanto, o time aumentava, justificando plenamente o nome The Chic Organization com que Nile e Bernard assinavam as suas produções para a banda ou outros artistas.

Neste Risqué, temos nos teclados Raymond Jones, Robert Sabino e Andy Schwartz. Na percussão, Sammy Figueroa. Nos vocais, Alfa e Luci tem o auxílio luxuoso de Fonzi Thornton, Michelle Cobbs e Ullanda McCullough. E, de quebra uma sessão de instrumentos de cordas, a The Chic Strings, regida por Gene Orloff e incluindo Karen Milne, Cheryl Hong, Karen Karlsrud e Valerie Haywood.

Todos esses músicos foram utilizados estritamente em função das necessidades de cada canção, sem espaço para virtuosismos tolos ou exageros arrogantes. Mesmo as incríveis linhas de baixo criadas por Bernard Edwards nunca atropelam as faixas nas quais estão inseridas, reforçando o groove e envolvendo os ouvintes. Tudo muito chique mesmo!

Good Times, influente e inspiradora

Se não bastasse o sucesso que conseguiu no formato single e como principal faixa de Risqué, Good Times ainda se transformou em uma das músicas mais influentes e inspiradoras de todos os tempos.

O primeiro grande hit da história do rap, por exemplo, Rapper’s Delight, da Sugarhill Gang, valeu-se da passagem instrumental e da linha de baixo de Good Times. A partir de um determinado momento de sua carreira, o Chic passou a inserir no meio de Good Times um extenso trecho de Rapper’s Delight, que você pode encontrar em DVDs ao vivo da banda.

No mesmo 1980, Bounce Rock Skate Roll, de Vaughan Mason And Crew, e Another One Bites The Dust, do Queen, esbanjavam influências de Good Times, assim como Rapture, do Blondie, esta última uma clara homenagem ao Chic. Não por acaso, Debbie Harry gravou um disco solo, Koo-Koo (1981), com produção e composições de Nile Rodgers.

The Adventures of Grandmaster Flash on the Wheels of Steel, hit em 1981 com outro grupo pioneiro e importante do rap americano, Grandmaster Flash And The Furious Five, foi ainda além, acrescentando nessa sua composição trechos de Good Times, Another One Bites The Dust, Rapture e Rapper’s Delight.

E a lista vai muito mais longe. Só para citar mais três músicas influenciadas por Good Times, temos Try It Out (1981), de Gino Soccio, Hot! Hot! Hot! (1987), do The Cure, e 2345meia78, do brasileiro Gabriel o Pensador.

Alguma dúvida de que se trata de um álbum clássico?

No fim das contas, apesar de todo o contexto negativo no qual foi lançado, Risqué conseguiu atingir o 5º posto na parada americana, vendendo mais de um milhão de cópias por lá e estourando mundialmente. Missão cumprida!

Chega a ser uma vergonha este álbum não ter sido incluído na série de documentários da série Classic Albums, que contam a história de discos importantes da história do rock, soul e música pop. Ainda dá tempo…

Risqué- Chic (ouça na íntegra em streaming):

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