Por Fabian Chacur

Em 1988, o R.E.M. enfrentou provavelmente o maior desafio de sua carreira. Após quase dez anos atuando na cena independente, o quarteto havia acabado de emplacar o álbum Document no Top 10 da parada americana, graças especialmente ao estouro do espetacular single The One I Love, e passou a ser a banda mais disputada pelas gravadoras majors naquele momento. O que fazer?

A dúvida em aceitar ou não o convite da Warner naquele momento era compreensível. Outras bandas independentes promissoras como Replacements e Husker Du toparam assinar com essa gravadora , e acabaram quebrando a cara em termos comerciais, partindo para a separação não muito tempo depois. O medo de perder a credibilidade indie e não ganhar em troca o sucesso comercial ficava no ar.

Mas Michael Stipe (vocal), Peter Buck (guitarra), Mike Mills (baixo) e Bill Berry (bateria) preferiram não ter medo do desafio. Green (1988), o primeiro fruto dessa nova parceria, não estourou como se esperava (chegou ao número 12 na parada americana), mas obteve sucesso suficiente para que a Warner continuasse apostando nos rapazes. O álbum agora surge em uma reedição simplesmente imperdível para os fãs dessa saudosa banda ianque.

Feito pelo grupo com o objetivo de não soar como seus trabalhos anteriores lançados pela IRS Records de Miles Copeland (irmão de Stewart Copeland, baterista do Police), Green é um típico álbum de transição, trazendo elementos típicos da banda mas ao mesmo tempo oferecendo novos rumos, que iriam ser desenvolvidos com categoria nos anos que viriam. Mas é um belíssimo trabalho, repleto de singles bacanas.

Uma dessas novas facetas apresentadas é uma aposta em rocks mais diretos e acessíveis, com delicioso tempero bubblegum. Podem ser encaixados nessa descrição as certeiras Pop Song 89 (com homenagem a Hello I Love You, dos Doors), Stand e Get Up. São precursoras da deliciosa Shiny Happy People, por exemplo, e mostram como ser pop sem ser banal.

Como forma de ampliar as sonoridades de suas canções, o grupo inseriu em seu contexto novos instrumentos musicais, entre os quais o mandolin. Peter Buck encaixa esses sons melodiosos na maravilhosa You Are The Everything e Hairshirt, dando uma prévia do que viria posteriormente em hits como Losing My Religion, por exemplo. E uns intrincados vocais a la Beach Boys também começaram a aparecer.

Os rocks vigorosos que marcaram Document apareceram aqui também. Orange Crush e Turn You Inside-Out são daquelas de levantar as plateias em shows. Por sua vez, World Leader Pretend (primeira letra a ser incluída em um encarte de disco da banda de Athens) e I Remember California cativam pela intensidade e por suas belas mensagens. E ainda temos uma décima-primeira faixa que, embora ótima, nem ao menos recebeu um título, ficando como uma espécie muito bacana de “música-secreta”.

Se a versão remasterizada do álbum original já é ótima, o CD bônus incluído nesta reedição de Green é ainda mais apetitoso. Ele traz o registro de um show feito pela banda em Greensboro em 1989 durante a turnê que divulgou o trabalho de estreia do R.E.M. na Warner. Trata-se de uma gravação crua, sem firulas, que mostra os caras em ótima forma e soltando o verbo sem dó nem piedade, sem se descuidar de suas sutilezas sonoras.

O repertório traz 21 faixas, sendo sete de Green, duas até então inéditas (Low e Belong, que só seria lançada no álbum Out Of Time, de 1991) e clássicos de seus álbuns anteriores, entre as quais The One I Love, Cuyahoga, Life And How To Leave It, Fall On Me, Finest Worksong e It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine). Um show à altura dessa banda.

De quebra, ainda temos um belo encarte com fotos legais, ficha técnica e um excelente texto assinado por Allan Jones, editor da ótima revista Uncut. Essa reedição de Green comemora não só os 25 anos de seu lançamento original, mas também o fato de o R.E.M. ter conseguido se tornar uma banda do primeiro time do rock sem ter se vendido ao comercialismo mais banal. Uma bela façanha.

Veja o clipe de Orange Crush, com o R.E.M.: