Por Fabian Chacur

Aos 33 anos de idade, Marcela Vale tem muitas histórias para contar. Filha adotada por uma família de evangélicos, a moça se envolveu com a música desde cedo, tocando bateria e violão e cantando em igrejas. Com o tempo, sentiu que era essa musa que desejava seguir. Mas não foi fácil. Durante anos, conciliou trabalhos fora dessa área com a atuação como técnica de áudio e microfonista de lugares como o Circo Voador e a Fundição Progresso.

Há cerca de 10 anos, resolveu encarar o desafio de uma carreira como cantora, musicista e compositora. Desde então, conhecida pelo nome artístico Mahmundi, vai pavimentando uma trajetória das mais interessantes. Efeito das Cores (2012) e Setembro (2013), dois EPs, foram os seus primeiros lançamentos. Em 2016, veio o primeiro álbum, Mahmundi, pelo selo Stereomono-Skol Music.

Sua parceria com a gravadora Universal Music teve início em 2018 com o álbum Para Dias Ruins. Desde o início, mostrou uma voz doce e muito bem colocada, aliada a canções que, como um todo, dificultam uma rotulação. Seria nova MPB, pop, soft rock, eletropop, r&b, reggae, soul? Ou seria tudo isso junto e misturado? Pouco importa, pois a qualidade é o que importa, e é grande.

Mahmundi nos oferece ecos de Corinne Bailey Rae, Marina Lima, Marisa Monte e Erikah Badu, só para citar algumas possíveis referências, mas do seu jeito. Mundo Novo, seu novo álbum, acaba de ser disponibilizado nas plataformas digitais, e tem tudo para ampliar ainda mais os seus horizontes profissionais em termos de público e crítica especializada.

São sete faixas (incluindo uma espécie de vinheta). Uma, inteligentemente escolhida para iniciar a divulgação do trabalho, é a hipnótica Nova TV, uma das duas parcerias com o artista carioca Castello Branco incluídas neste álbum (a outra é Nós de Fronte). Trata-se de uma gravação absolutamente perfeita, que te prende do primeiro ao último segundo, com letra e melodia envolventes.

Sem Medo, parceria com Felippe Lau, fecha o lado autoral. Convívio (Paulo Nazareth) e Vai (Frederico Heliodoro), de dois talentosos compositores da nova geração, estão aqui. O repertório é fechado com uma bela releitura de No Coração da Escuridão, composição de Dadi e Jorge Mautner gravada pelo primeiro originalmente em seu autointitulado álbum de 2005 com marcante participação de Caetano Veloso nos vocais.

Mundo Novo equivale a um álbum conciso (tem pouco mais de 20 minutos de duração) que deixa aquele adorável gostinho de quero mais, amostra luxuosa de uma artista que tem tudo para pavimentar uma discografia preciosa. Em entrevista por telefone a Mondo Pop, a artista carioca atualmente radicada em São Paulo nos dá algumas pistas de suas intenções musicais.

MONDO POP- Como foi o seu encontro com a música, e o que você ouvia quando criança e adolescente?
MAHMUNDI
– Minha educação musical foi muito restrita à música gospel, pois meus pais são religiosos. Ouvia música gospel americana e brasileira. Comecei, na igreja, a tocar violão e bateria. Só depois fui ouvir outras coisas, como Legião Urbana, Oasis, Keane, Avril Lavigne.

MONDO POP- Qual a diferença básica do conceito deste novo trabalho em relação aos anteriores?
MAHMUNDI
– Tenho uma assinatura estética em cada um deles. A ideia em Mundo Novo era fazer algo que soasse mais como uma banda, saindo da produção sozinha, dos sintetizadores e tudo mais. Então, partimos pra um trabalho com coprodução do músico Frederico Heliodoro, que trouxe suas referências de música instrumental. Eu assino a direção e a produção musical e ele fez a coprodução do álbum.

MONDO POP- Mundo Novo tem uma duração de 22 minutos, não muito comum em álbuns tradicionais. Há quem rotule um trabalho com essa duração como EP. Como você encara essa questão?
MAHMUNDI
– Para mim, esse trabalho é um álbum, pois tem um formato atual, adaptado para os dias atuais. Toda a concepção dele é a de um álbum, desde a seleção de faixas até a concepção final, capa, encarte etc.

MONDO POP- Esse é o seu segundo álbum lançado por uma gravadora grande, a Universal Music. Como está sendo a relação entre vocês?
MAHMUNDI
– Minha relação com a Universal é maravilhosa. Eu cuido de tudo em termos artísticos e criativos, e eles me dão todo o apoio necessário na parte de divulgação. A sugestão de que Nova TV fosse a primeira faixa de trabalho, por exemplo, foi uma sugestão deles que acabei aceitando.

MONDO POP- Aliás, já que tocamos nessa faixa, fale um pouco sobre ela.
MAHMUNDI
– É uma parceria com o Castello Branco, que é um artista carioca maravilhoso. Vi um texto dele em uma rede social, gostei muito e adaptei para a criação desta canção. Adoro TV, ver o que as pessoas fazem nos botecos, sair dessa visão de Sudeste que as pessoas tem do Brasil. Somos muito presos aos celulares, e essa música fala sobre isso.

MONDO POP- Como surgiu a ideia de reler No Coração da Escuridão?
MAHMUNDI
– Conheci o Dadi quando ele tocava com a Ana Cañas, em um show no Circo Voador. Eu nem sabia quem ele era, e vi que ele tocava muito, fiquei impressionada como ele era bom. Fiquei amiga dele, e depois fui saber de tudo o que ele já tinha feito em sua carreira. É uma pessoa muito profunda. Este álbum é um encontro muito bonito entre eu e outras pessoas, conectei-me com o melhor das pessoas envolvidas neste trabalho.

MONDO POP- O título do seu disco anterior é Para Dias Ruins. Este é Mundo Novo. No caso do que você está lançando agora, isso tem a ver com o que estamos vivendo nesse momento atual?
MAHMUNDI
Mundo Novo é uma relação muito pessoal, muito comigo mesma, comecei a criar o conceito desse trabalho em 2019. Fiz psicanálise e me descobri muito nesse processo. Quanto ao que está acontecendo hoje, não dá pra ficar só batendo panelas, só reclamando. Não podemos nos bloquear, é preciso seguir em frente, pois isso vai passar. O brasileiro consegue de um jeito muito espirituoso resolver as coisas.

Nova TV– Mahmundi: