Mondo Pop

O pop de ontem, hoje, e amanhã...

Tag: nos dias de hoje

40 anos de Nos Dias de Hoje, um belo clássico de Ivan Lins

ivan lins capa nos dias de hoje-400x

Por Fabian Chacur

Em 1978, Ivan Lins vinha de uma bela estreia na EMI-Odeon com o álbum Somos Todos Iguais Nesta Noite (1977), trabalho que mostrava o cantor, compositor e pianista carioca inaugurando uma fase áurea de sua carreira. Nos Dias de Hoje, que chegou ao mercado discográfico há 40 anos e sétimo álbum da carreira do artista, provou de forma contundente que o cara realmente não estava para brincadeira em termos qualitativos.

A coisa começava com tudo a partir da capa, na qual Ivan aparece sem camisa, em uma foto similar às tiradas por quem é preso. Na contracapa, o complemento, com ele de perfil. Na parte interna da capa dupla, seu parceiro musical, Vitor Martins, surge em foto similar. O clima refletia a Ditadura Militar que nos afligia naquele tempo difícil, nos quais a liberdade era apenas um sonho distante no horizonte dos brasileiros.

O título do álbum, extraído de versos da canção Cartomante, não deixava dúvidas quanto às intenções literárias do trabalho, que era retratar aquele momento sufocante pelo qual passávamos. Mas sem cair em sectarismos, ou panfletarismo barato, ou mesmo partidarizações tendenciosas. E, especialmente, sem deixar de ter como foco a música e a poesia. Informar, sim, mas sem deixar de investir na deliciosa emoção que as boas canções nos proporcionam.

Caminhando para dez anos de vida profissional, Ivan mostra nesse álbum uma enorme maturidade vocal, encontrando o registro ideal para a sua voz, mesclando a doçura e a agressividade em doses precisas. De quebra, firmou aqui de vez a parceria com o poeta Vitor Martins, que pela primeira vez assina todas as letras (dez, no total) de um disco de Ivan. A parceria, a partir daqui, entrou de vez no Olimpo das maiores da música brasileira e, porque não, mundial.

E mais algumas parcerias se mostraram decisivas para que o autor de Madalena pudesse gravar um disco tão perfeito como Nos Dias de Hoje. O impecável tecladista, compositor e maestro carioca Gilson Peranzzetta, por exemplo, incumbido do piano elétrico e dos sublimes arranjos de cordas e metais. A sacada do uso de dois tecladistas deu ao som de Ivan uma riqueza e originalidade que o destacou no então concorridíssimo cenário da música brasileira.

Este álbum também marcou o auge do Modo Livre, grupo criado para acompanha-lo e composto por Peranzzetta, Fred Barbosa (baixo), João Cortez (bateria) e, neste álbum específico, o badalado Fredera (guitarra). Nos inspiradíssimos arranjos vocais, o talento absurdo de Tavito, capitaneando os talentosos Zé Luis, Marcio Lott, Flavinho, Regininha e Lucinha Lins. De quebra, participação especial de Maurício Einhorn (gaita) em Guarde Nos Olhos. Uma seleção de craques.

A essência musical de Nos Dias de Hoje, seu DNA mais profundo, é a música nordestina, especialmente o xote, o baião e o forró, relida de uma forma pop e moderna. Essa origem já é observada logo na música de abertura, a contagiante Cantoria, cuja letra louva a capacidade de resistência do brasileiro perante as dificuldades, e que termina de forma metalinguística, em uma arrepiante cantoria a capella criada por Tavito.

A pungente Guarde Nos Olhos vem a seguir, evocando o sentimento daqueles que tiveram de deixar suas pequenas cidades sem horizontes profissionais rumo à esperança de melhorar de vida nas capitais da vida, levando nos corações e nos olhos o registro da saudade de seus berços natais. Bandeira do Divino evoca a religiosidade positiva, idealista e ingênua como forma de sempre acreditar em tempos melhores, naqueles dias tâo cinzentos de 1978.

Forró do Largo reflete a busca pelo prazer carnal nas festas populares, com um resultado no fim das contas não muito positivo, e uma total ironia no final, citando a então inutilidade do título de eleitor, para quem não tinha o direito de eleger presidente, governador ou mesmo prefeito das capitais. Recado sutil, no final da música, que a censura deixou passar, ou nem percebeu, de tão bem colocado por Vitor Martins.

O lado A do LP de vinil era encerrado pela sensível e visionária Cartomante, que ao mesmo tempo em que traz conselhos cautelosos para a sobrevivência em tempos de repressão, também mostra a crença na vinda da redenção, na qual os reis de então caíssem e a sonhada liberdade voltasse à nossa cena. “Cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada”. Destaque para os viscerais riffs de guitarra de Fredera.

Para dar início ao lado B do álbum, nada melhor do que a tensa e envolvente Quaresma, uma espécie de baião pós-punk refletindo o sentimento de trevas e impotência que se sentia na época, perante o autoritarismo vigente. A Visita, balada jazzística de primeira, reflete a aguda solidão dos humanos aprisionados nos grandes centros urbanos.

Temporal, outro forró moderno arretado, também alerta a todos para a virulência existente em termos políticos, e o que aquele ambiente trazia. Esses Garotos aborda a hipocrisia da sociedade e dos relacionamentos sexuais consumados nas alcovas da vida, tendo os mais ingênuos e sem cacife para entrar na, digamos assim, “festança sexual”, olhando de longe e lambendo os dedos eternamente.

Para fechar um trabalho tão consistente e emocionante, nada melhor do que uma obra-prima do porte de Aos Nossos Filhos. De cara, vale elogiar a brilhante ideia de iniciar e terminar sua execução com uma melodia com clima de cantiga de ninar, levando-se em conta que a letra é endereçada exatamente às crianças de então.

Incorporando um pai incapaz de proporcionar aos filhos uma vida alegre, colorida e afetiva, Ivan se desculpa a eles, tendo como mote a frase “os dias eram assim”. E, mesmo em meio a tanta sombra, ainda se mostrava esperançoso de que um tempo melhor viesse, embora não para ele, e sim para seus rebentos: “quando brotarem as flores, quando crescerem as matas, quando colherem os frutos, digam o gosto para mim”. Difícil conter as lágrimas ao ouvir essa maravilha.

Nos Dias de Hoje- Ivan Lins (em streaming):

Ivan Lins aos 65 anos de idade, parabéns!

Por Fabian Chacur

Em 1979, vi Ivan Lins ao vivo pela primeira vez, no extinto teatro Pixinguinha do Sesc, na rua doutor Vila Nova, no centro de São Paulo. Ele estava lançando, na época, um de seus melhores álbuns, A Noite, e o show foi maravilhoso.

Sou fã desse cantor, compositor e tecladista carioca nascido em 16 de junho de 1945 desde que era moleque. Desde que Madalena invadiu as paradas de sucesso de todo o país, na voz dele e, principalmente, na de Elis Regina, que depois gravaria diversas de suas composições.

Chega a ser curioso pensar que, por pouco, o mundo perde um grande músico para ganhar mais um engenheiro químico. Sorte que a atuação dele no cenário musical universitário acabou motivando-o a deixar o mundo das calculadoras, pranchetas e réguas tê rumo ao universo da notas musicais.

Atualmente, a sonoridade de Ivan é mais mansa, aproximando-se mais da bossa nova, do jazz e do pop latino. Curto, sim, mas não tanto como a de suas fases anterioras. A inicial, por exemplo, era bastante calcada na soul music, e rendeu maravilhas como Quero de Volta O Meu Pandeiro e O Amor é o Meu País, entre outras.

Em 1974, quando vivia o auge do desgaste de ter apresentado um programa na Globo, o Som Livre Exportação, e ter sido descartado pela mesma, e também de uma perseguição por parte da crítica, que o considerava um artista alienado, surgiu Vitor Martins em sua vida.

O paulista de Ituverava se mostrou o parceiro ideal para Ivan, com sua poesia ora lírica e romântica, ora política e incisiva. A primeira parceria dos dois já indicava o que viria a seguir: Abre Alas, um dos grandes sucessos da MPB em 1974 e um clássico instantâneo.

A primeira fase de Ivan Lins na EMI-Odeon foi impecável. Fazendo uma mistura de MPB, rock, pop, jazz e soul, ele lançou alguns dos melhores discos pop da história da nossa música: Somos Todos Iguais Nesta Noite (1977), Nos Dias de Hoje (1978), A Noite (1979) e Novo Tempo (1980).

Ivan Lins sempre foi um artista de música emotiva, forte, intensa. Lógico que nem sempre a crítica especializada gosta desse tipo de artista, e então, muitos adoram baixar o cacete em seus trabalhos. Azar deles, pois assinam atestado de ignorantes.

Nessa fase, Ivan e Vitor Martins assinaram maravilhas como Quaresma, Guarde Nos Olhos, Cartomante, Saindo de Mim, Antes Que Seja Tarde, Somos Todos Iguais Nesta Noite e Velas Içadas, só para citar algumas canções dessas que nem o tempo irá apagar, de tão fortes e belas.

Nos anos 80 e 90, Ivan Lins se firmou no mercado internacional, virando fã de gente do naipe de Quincy Jones, George Benson (que gravou-bem- Dinorah Dinorah), Patty Austin, Sting e tantos outros.

Ele continuou lançando bons discos, como Awa-ii-o (1991) e Mãos (1987), com direito a algumas músicas arrepiantes, entre as quais Iluminados, Vitoriosa, Ai Ai Ai Ai Ai, Lua Soberana e Lembra de Mim.

Ivan Lins é um daqueles artistas difíceis de serem rotulados, pois sua música é MPB, é jazz, é rock, é pop, é soul…. É música com eme maiúsculo. Parabens, grande mestre, muita saúde, paz e alegria!

© 2024 Mondo Pop

Theme by Anders NorenUp ↑