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Ubirany, 80 anos, músico e um grande intelectual do samba

ubirany fundo de quintal

Por Fabian Chacur

Ubirany Felix do Nascimento não foi um músico qualquer. Afinal de contas, quantos deles podem se gabar de ter inventado o instrumento que o tornou famoso no Brasil e no mundo, o repique de mão? Ou de ter sido o fundador de um dos mais importantes, influentes e bem-sucedidos grupos musicais deste país, o Fundo de Quintal? Ele soube como poucos elevar o samba ao patamar mais alto possível, com seu talento. Ele infelizmente nos deixou, aos 80 anos de idade, em decorrência de complicações geradas pela terrível covid-19. Uma perda imensa!

As marcas registradas de Ubirany eram o talento como músico e cantor, a simpatia, o português correto e a sabedoria. O cidadão sabia literalmente tudo acerca dos temas samba e cultura popular, e tinha a paciência suficiente para nos transmitir seus imensos conhecimentos de uma forma ao mesmo tempo didática e divertida, sem arrogância.

Ao lado de seu irmão mais velho, o carismático Bira Presidente (hoje com 83 anos), ele criou em 1975 o Grupo Fundo de Quintal, cujas sementes foram plantadas no bloco carnavalesco Cacique de Ramos, ali à sombra da célebre tamarineira. Em meio a rodas de samba empolgantes, eles e Sereno conceberam um grupo que não surgia para ser apenas mais um, entre tantos outros.

Almir Guineto, por exemplo, tocava um banjo adaptado, instrumento até então associado a outros ritmos musicais. Sereno criou o tantã, Bira tocava seu pandeiro com um estilo todo próprio, e Ubirany criou o repique de mão. A soma dessas novidades, aliadas a muito swing e criatividade, geraram uma formação que deixou a cantora Beth Carvalho com o queixo caído. E foi ela quem os apadrinhou e os impulsionou rumo à fama.

Em 1980, o Grupo Fundo de Quintal lançou o seu primeiro disco, Samba é no Fundo de Quintal. Era o início de uma discografia repleta de sucessos, com uma sonoridade que se mostraria influência fundamental para os artistas das gerações posteriores. Sem exagero, dá para considerar o Fundo como uma espécie de Beatles do samba, tal a sua importância nesse meio cultural.

Além de tocar seu instrumento inovador e participar dos arranjos, Ubirany também nos oferecia sua voz de veludo, nos corais e em momentos solo, sempre com elegância. Não era muito de compor para o grupo, mas assinou Amor Maior (com Arlindo Cruz e Franco), A Noite (com Acyr Marques) e a icônica Nova Esperança (com Mauro Diniz e Adilson Victor), que tem gravação de estúdio e uma ao vivo, esta com participação do grande Péricles.

Tive a honra de entrevistar Ubirany em algumas ocasiões, especialmente quando fui colaborador da extinta revista Cavaco, especializada em samba, e posso garantir que ninguém que tenha tido a oportunidade de conversar com esse verdadeiro intelectual do samba não virou seu fã incondicional. Neste ano tão difícil, trata-se de uma perda imensa, de alguém que soube como poucos representar nossa cultura popular.

Nova Esperança (ao vivo)- Fundo de Quintal e Péricles:

Zeca Pagodinho e a entrevista que rendeu admiração eterna

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Por Fabian Chacur

Essa história rolou em 1988. Vivia os meus primeiros tempos no hoje extinto jornal Diario Popular (SP), e fui designado pelo meu editor Oswaldo Faustino para entrevistar Zeca Pagodinho, então estreando na gravadora BMG com o LP Jeito Moleque, após dois discos de muito sucesso pela RGE. A assessora de imprensa, Miriam Martinez, avisou-me antes do meu bate-papo com o sambista carioca começar: “tome cuidado que ele está bravo, andaram fazendo perguntas de que ele não gostou…” Ou seja, entrei em cena com o placar desfavorável, e não por minha culpa. Mas cabia a mim virar o jogo.

A ideia do meu editor era que eu fizesse uma entrevista solta, coloquial, na qual o leitor pudesse ter uma ideia de como era aquele artista apadrinhado por Beth Carvalho que veio do subúrbio carioca e se tornou um fenômeno de vendas. Embora ainda inexperiente, eu percebi que precisava ser cauteloso ao menos no início do papo, e foi assim que comecei a conversa. Na minha, respeitoso, prestando atenção no que ele me falava. E, para minha felicidade, a troca de ideias se mostrou ótima e bem fluente.

Aos poucos, Zeca demostrou confiar em mim, e os assuntos se ampliaram, indo da música até mesmo ao jogo do bicho. As declarações eram sempre deliciosas, do tipo “sei falar com bacana e sei falar com malandro”, ou “o jogo do bicho é uma das coisas mais confiáveis desse país, pois você ganha hoje e os caras te pagam na hora, sem conversa mole”. Quando essa nossa primeira conversa profissional se encerrou, recebi um elogio que guardo para a vida: “gostei de você, você é malandro”. Imagina ouvir uma dessas vindo de um cara que é malandragem pura, obviamente do lado positivo desse termo.

A entrevista fez sucesso, e a partir dali tive várias oportunidades de conversar com esse cara, que tornou-se ainda mais simpático, franco e sem frescuras. Sua generosidade se mostra em respostas aparentemente banais, como quando lhe perguntei o porque de, com o passar dos anos, ele gravar cada vez menos músicas de sua autoria, ele que ficou conhecido inicialmente como autor de sambas, e só posteriormente como intérprete: “Cara, tem muita gente boa compondo, e gente que precisa mais do que eu dos direitos autorais”.

Em uma entrevista coletiva realizada em 1999, a pergunta que ele levou mais a sério veio de mim, sobre a fusão entre a Brahma e a Antarctica que gerou a AmBev. Ele sempre se declarou um entusiasta da Brahma. “Olha, quando surgiu essa notícia, eu fiquei preocupado e até liguei para saber se eles iriam manter a Brahma do mesmo jeito, e eles me garantiram que sim”, respondeu, para delírio dos repórteres presentes. Com o tempo, ele acabou fazendo propaganda dessa marca, não sem uma polêmica no meio que não cabe ser analisada aqui.

Grande compositor, sambista de estilo inconfundível e craque em escolher músicas alheias para gravar, Zeca sempre foi um seguidor da tradição do samba, como me confessou logo naquela primeira entrevista: “desde moleque eu sempre ficava colado na Velha Guarda. Eu ia buscar as cervejas, abria para eles e ficava ouvindo ele cantarem e tocarem, aprendendo”. E como aprendeu, heim?

Nesta segunda (4), Jessé Gomes da Silva Filho, o nosso querido Zeca Pagodinho, completa 60 anos de idade. Um cara que mesmo em situação financeira excelente nunca abandonou suas origens, sendo famoso pela generosidade. Xerém, que adotou como ponto de encontro com amigos de todas as idades e faixas sociais, deve estar em festa. Que essa data se repita por muitos e muitos anos, e que eu possa entrevistar novamente no futuro esse representante do Brasil que importa, o Brasil do swing, do jogo de cintura, do talento, da simpatia e da integração entre as pessoas.

Camarão que Dorme a Onda Leva (ao vivo)- Zeca Pagodinho e amigos:

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