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Expresso 2222 volta em reedição luxuosa

Por Fabian Chacur

Álbum que marcou a volta de Gilberto Gil ao Brasil em 1972 após um exílio involuntário de quase três anos, Expresso 2222 volta às lojas em luxuosa edição comemorativa remasterizada e com reprodução da embalagem original do álbum, incluindo encarte com letras e ficha técnica completa. Estão à venda versões em CD e LP de vinil. O comentário de Mondo Pop a seguir leva em conta a edição em CD.

A qualidade de áudio ficou muito boa, ressaltando os elementos acústicos imprimidos à obra, enquanto a parte visual mereceu um apuro técnico elogiável. O único ponto fraco fica por conta da exclusão das faixas bônus da reedição anterior, mantendo apenas as nove faixas do disco original. Ficaram de fora, portanto, Cada Macado No Seu Galho (Cho Chuá), Vamos Passear no Astral e Está na Cara Está na Cura.

O álbum abre com a interpretação instrumental rústica e cativante de Pipoca Moderna (Caetano Veloso e Sebastiano Biano), com a Banda de Pífaros de Caruaru, como que apresentando as raízes da música nordestina em sua forma mais crua e em seu habitat natural.

Logo a seguir, temos Back In Bahia (Gil), um rockão com a cara de 1972 e cuja letra fala sobre esse retorno do tropicalista a seu país. A seu lado, uma banda composta por Lanny Gordin (guitarra), Bruce Henry (baixo), Antonio Perna (teclados) e Tutty Moreno (bateria).

O Canto da Ema (Ayres Viana, Alventino Cavalcante e João do Vale) surge como uma espécie de síntese entre a crueza de Pipoca Moderna e eletricidade de Back In Bahia, propondo uma mistura da tradição do forró com a modernidade do rock. O resultado é empolgante, com direito a um forró sacudido sem a presença de seu instrumento primordial, a sanfona.

Clássico do repertório de Jackson do Pandeiro, Chiclete Com Banana já propunha há mais de uma década o que Gil pôs em prática nesse disco, a mistura do chiclete americano com a banana tupiniquim, e ganha aqui uma versão beirando o lado mais rítmico e interessante da bossa nova. Metalinguagem de primeiríssima linha. Ele e Eu é outro momento rock and roller de Gil e seus músicos, com direito a tempero brasileiro e blueseiro.

Sai do Sereno (Onildo Almeida) é outra bela tentativa bem-sucedida de fundir forró e rock, com direito aos vocais de uma endiabrada Gal Costa duelando com Gil e dando uma vitaminada geral na mistura, com direito a uns surpreendentes acordes e convenções jazzísticas aqui e ali, fruto do imenso talento de Lanny Gordin.

A parte final do álbum nos oferece três faixas nas quais a incrível habilidade de Gilberto Gil como violonista e cantor ficam exacerbadas. A incrivelmente rítmica faixa título equivale a um roteiro da viagem feita durante todo o álbum, um mergulho futurista em uma nova dimensão na qual a miscigenação sonora inteligente e criativa não tem fim.

Se em Expresso 2222 o genial astro baiana ainda se vale de alguma percussão, em O Sonho Acabou e Oriente é só ele, no melhor esquema voz e violão. E aí, a viagem se torna simplesmente irresistível. A primeira se vale da célebre frase de John Lennon e de certa forma ironiza o fim de um sonho que, na verdade, estava mais do que vivo naquele momento.

E já que toquei no tema metalinguagem, Oriente utiliza esse recurso com habilidade impressionante, brincando com as possibilidades da palavra em termos geográficos (influências orientais permeiam os acordes tocados por Gil no violão) e existenciais (se oriente, rapaz). Viajante, a faixa fecha o álbum com um quê de psicodelismo.

Expresso 2222 consegue abrigar minimalismo, modernidade, fusão de várias tendências músicais, genialidade dos músicos e um Gilberto Gil em estado de graça como compositor, violonista, cantor e intérprete de material alheio. Um álbum simplesmente maravilhoso, indispensável para os fãs de música sem fronteiras e sem amarras.

Expresso 2222, com Gilberto Gil, ao vivo em programa na Globo em 1972:

4 Comments

  1. Tudo bem que o disco seja relançado sem as bonus da edição anterior. Se saíssem essas faixas extras, ficaria incongruente com o espírito do lançamento, de ser fiel à arte gráfica original.
    O que não dá pra engolir é o crédito de autoria para a faixa “Pipoca Moderna”. Essa faixa era instrumental e, no LP “Expresso 2222” de 1972 era creditada apenas a Sebastião Biano, da Banda de Pífanos de Caruaru.
    Em 1975, Caetano colocou letra na música, e cantou-a no LP “Jóia”, em cujo selo constou a parceria: Sebastião Biano/Caetano Veloso. Muito justo.
    Acontece que, muito malandramente, o Caetano passou a ser creditado em qualquer versão, mesmo instrumental, dessa composição!! Até mesmo nessa versão de 1972, anterior portanto à criação da letra!! Acho isso uma tremenda sacanagem com o Biano (ou talvez seus herdeiros, se ele for falecido), pessoas humildes a quem essa graninha de direitos autorais ajuda bastante, e metade dela lhes foi surrupiada!!
    (esse roubo já tinha acontecido na versão em CD com bonus que fez parte da caixa “Ensaio Geral”)

  2. Boa, Cláudio! Eu não sabia dessa questão, e concordo com a sua posição. Se essa versão de Pipoca Moderna incluída em Expresso 2222 é instrumental e Caetano não tem a ver com a melodia, a autoria deveria ser creditada só a Sebastião Biano. Meu Deus, esse mundo dos direitos autorais é um lodo lamacento mesmo…. Quanto às faixas bônus, acho que elas deveriam ter sido mantidas. A arte original poderia ter sido mantida e as informações sobre as bonus tracks entrariam no encarte de papel branco que também está incluído nesta nova versão em CD, e no qual as informações técnicas, letras etc aparecem de forma mais legível. Aliás, eu deveria ter citado isso na resenha, sorry. E preferi não comentar sobre o garoto que está na capa, o Pedro Gil, filho do Gil, que morreu em um acidente de carro horas após acompanhar o pai no Hollywood Rock em São Paulo, no inicio dos anos 90. Muito triste…. Grande abraço, Cláudio, e volte sempre, pois recebê-lo aqui é sempre uma honra!

  3. Vejam só que curioso. Após os comentários do Cláudio fiz uma pequena pesquisa no “All Music Guide” com a música “Carinhoso”, que sofreu o mesmo processo de “Pipoca Moderna”: João de Barro criou a letra décadas depois de Pixinguinha ter feito a melodia. Aí fui atrás de versões instrumentais e encontrei o seguinte:

    Yo-Yo Ma creditou apenas para Pixinguinha (Alfredo Vianna):

    http://www.allmusic.com/album/obrigado-brazil-mw0000135396

    Paquito D’ Riveira creditou apenas para Pixinguinha (Alfredo Vianna):

    http://www.allmusic.com/album/the-jazz-chamber-trio-mw0000689568

    O Grupo Som de Ouro creditou para João de Barro e Pixinguinha (Alfredo Vianna), mesmo tocando apenas a melodia:

    http://www.allmusic.com/album/carinhoso-mw0000357045

    Agora o pior de tudo, muito pior que o Caetano: Flora Purim canta a letra e credita a autoria para ela e Pixinguinha:!! Sim, está lá: “Composed by Flora Purim / Pixinguinha (Alfredo Vianna):

    http://www.allmusic.com/album/perpetual-emotion-mw0000115846

    Conclusão: só os gringos respeitam os verdadeiros créditos (ou os herdeiros do Pixinguinha…).

    Neder

  4. admin

    November 30, 2012 at 3:06 pm

    Sensacional essa sua pesquisa, Neder! O resultado é o esperado, ou seja, aparentemente o artista lá de fora respeita mais essa história de autoria do que os daqui. Uma pena… Grande abraço e obrigado pela visita qualificada!!!

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