Por Fabian Chacur

A Universal Music acaba de selecionar mais um título importante da nobre discografia de Gilberto Gil e dar nele um banho de loja em termos visuais e tecnológicos. Desta vez, trata-se de Gilberto Gil, lançado originalmente em 1969 e gravado em um período particularmente terrível na vida do cantor, compositor e músico baiano.

As gravações foram realizadas nos meses de abril e maio daquele ano, período no qual Gil estava confinado na Bahia, após ter sido preso ao lado do Mano Caetano em dezembro de 1968 e ficado no Rio longe de seus familiares, amigos e dos inúmeros fãs Brasil afora. A Ditadura Militar os encarcerou de forma arbitrária. Felizmente eles saíram vivos para contar a história.

Sem poder sair de Salvador depois de ser solto e antes do exílio posterior em Londres, Gil gravou voz e violão por lá, nos estúdios J.S., com o acompanhamento instrumental sendo registrado nos estúdios Scatena, em São Paulo, e Phillips, no Rio. Os arranjos e orquestrações ficaram a cargo do genial maestro Rogério Duprat. Felizmente, essa separação geográfica não transmitiu frieza aos registros. Pelo contrário.

O time que participou do CD é conciso e excepcional. No baixo elétrico, o ótimo Sérgio Barroso. Na guitarra, Lanny Gordin, que deu um tempero hendrixiano ao álbum. O também maestro Chiquinho de Moraes arrasou nos teclados, enquanto o lendário Wilson das Neves, hoje conhecido como o “baterista do Chico Buarque”, deu um banho de swing com as baquetas.

No geral, o álbum traz letras que falam muito de futuro, de ficção científica e da relação homem-máquina, com direito a uma sonoridade pontuada pelo rock and roll a la Jimi Hendrix, mas também com muito forró, samba, jazz, experimentalismo e o que pintasse.

O momento máximo é a contagiante Aquele Abraço, samba exaltação no qual Gil bota pra fora, com muita garra e um pouco de raiva, a energia negativa acumulada durante a prisão, com direito aos versos “o meu caminho eu mesmo traço”. Um dos melhores sambas de todos os tempos, possivelmente o maior sucesso da brilhante trajetória de Gil Black Gil.

Mas o CD tem muito mais, como a empolgante Cérebro Eletrônico, a deliciosa Volks-Volksvagen Blue, a releitura roqueira do baião 17 Légua e Meia (de Humberto Teixeira e Carlos Barroso), a gostosa 2011 (de Tom Zé e Rita Lee), a misteriosa Futurível, a irônica A Voz do Vivo (de Caetano) e a filosófica Vitrines.

Gil reservou para o final Objeto Semi-identificado, feita em parceria com Rogério Duarte e Rogério Duprat e, guardadas as devidas proporções, sua faixa equivalente a Revolution Nº9, dos Beatles, com direito a jeitão de música concreta, trechos musicais de várias origens e a leitura de textos filosóficos e intrincados.

O encarte traz as letras, ficha técnica e reprodução do material incluído na edição original em vinil. A capa não inclui foto do artista, cuja cabeleira afro havia sido raspada pelos militares que o aprisionaram. O desenho e os textos que estão nessa capa tornam a aura do álbum ainda mais enigmática e experimental.

O conteúdo musical criativo e original, no entanto, não perde nada em fluência e capacidade de ser compreendido pelo ouvinte médio. Gilberto Gil (1969) é seguramente um dos melhores discos do autor de Expresso 2222, e soa tão instigante nesse sofrido 2013 como soava naquele também sofrido (por outras razões, obviamente) 1969.

Aquele Abraço, Gilberto Gil:

Cérebro Eletrônico, Gilberto Gil:

17 Légua e Meia, Giberto Gil: