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Por Fabian Chacur

Pode um sim mudar não só a vida dos envolvidos em um determinado acontecimento, como também a história da música? Pois essa palavra mágica foi proferida em 1962 por um certo George Martin, contratando dessa forma os então desconhecidos e rejeitados Beatles para o pequeno selo Parlophone. O que aconteceu a partir dali, todos sabemos. Infelizmente, esse gênio nos deixou, por causas ainda não reveladas, aos 90 anos. O produtor por excelência.

Nascido na Inglaterra em 3 de janeiro de 1926, George Martin serviu a Marinha de seu pais e logo a seguir entrou na Guildhall School Of Music And Drama, na qual aprendeu composição, orquestração e a tocar o oboé. Ele começou a atuar no meio musical no Parlophone, pequeno selo ligado à gigante EMI, e depois de alguns anos se tornou o diretor de A&R de lá em 1955. Os discos de comédia que produziu para Peter Sellers e Peter Ustinov se tornaram famosos, e um de seus fãs era John Lennon.

Os Beatles e seu empresário Brian Epstein levaram sua fita demo para a Parlophone em total desespero, pois até ali já haviam sido rejeitados por literalmente todas as gravadoras atuantes na Inglaterra, incluindo a matriz do selo dirigido por Martin. A principal rejeição havia sido da Decca, e foi com as gravações que eles fizeram nos estúdios dessa gravadora que o grupo tentou seduzir Martin.

O produtor ouviu e não curtiu muito, mas teve sensibilidade suficiente para perceber que havia algo importante ali, só que ainda mal trabalhado. Em junho de 1962, ele resolveu contratar a banda, embora não botasse muita fé em seu baterista, Pete Best. A troca por Ringo Starr acabou ocorrendo durante as gravações do primeiro compacto da banda, Love Me Do. Surgia uma parceria histórica.

A colaboração entre George Martin e os Beatles se tornou perfeita pelo fato de o produtor ter uma formação musical sólida, que se tornou decisiva conforme os Fab Four foram ampliando os seus horizontes musicais. Além disso, tinha uma paciência interminável para encarar os egos daqueles jovens talentosos, como demonstrou ao sugerir a inclusão de um quarteto de cordas na gravação da música Yesterday, algo que Paul McCartney não admitia inicialmente.

Difícil imaginar álbuns elaborados como Rubber Soul, Revolver, Sgt. Peppers, The Beatles (o álbum branco) e Abbey Road sem a batuta de George Martin. Ele foi um dos responsáveis pela solidificação da aproximação do rock com a música erudita, e pela perfeita simbiose entre esses segmentos tão distintos do cenário musical.

A partir de 1965, Martin deixou a EMI e se tornou um dos primeiros produtores independentes na Inglaterra, além de criar seu próprio estúdio, o Air, que entre 1979 e 1989 teve uma filial na paradisíaca Montserrat, no Caribe, onde The Police, The Rolling Stones e Stevie Wonder gravaram. Pena que uma catástrofe tropical (o funesto furacão Hugo) acabou arrasando com aquele estúdio dos sonhos, anos depois.

Com o fim dos Beatles, George Martin continuou firme e forte sua trajetória. Trabalhou com Paul McCartney, o beatle mais apegado a ele, em Live And Let Die (canção tema de filme da franquia James Bond) e nos álbuns Tug Of War (1982), Pipes Of Peace (1983), a trilha do filme Give My Regards To Broad Street (1984) e Flaming Pie (1997).

Se tivesse trabalhado “apenas” com os Beatles, George Martin já mereceria canonização. Mas ele também produziu discos e faixas de outros grandes nomes da música, entre os quais America, Cheap Trick, Mahavishnu Orchestra, Jeff Beck, Kenny Rogers, Ella Fitzgerald e Neil Sedaka. Ele compôs música incidental para vários filmes, sendo a melhor a de Yellow Submarine (1968), com a sublime Pepperland.

George Martin gravou alguns discos, como Off The Beatles Track (1964), que traz versões instrumentais dos sucessos dos Fab Four. Em 1997, ele produziu a nova versão de Candle In The Wind, gravada por Elton John em homenagem a Princesa Diana. Em 1998, como forma de marcar a sua despedida da música, devido a problemas de audição que começavam a afligi-lo, ele resolveu lançar um CD de despedida.

Intitulado In My Life, o álbum trouxe onze composições dos Beatles e uma dele (Pepperland Suite) regravadas por astros da música como Phil Collins, Celine Dion, Bobby McFerrin e Jeff Beck, e atores como Goldie Hawn, Sean Connery, Robin Williams e Jim Carrey. O resultado ficou muito bom, e uma das marcas é o fato de ele ter trabalhado com o filho Giles Martin, que herdou o talento do pai e enveredou para o mundo da produção musical, com sucesso.

Para quem deseja saber mais sobre o profissional e o ser humano George Martin, vale assistir Produced By George Martin, documentário lançado em 2012 (saiu em DVD no Brasil) que dá uma bela geral em sua trajetória e traz depoimentos de Paul McCartney, Ringo Starr, Jeff Beck e outros. A humildade e a serenidade do cara eram impressionantes. Ainda bem que ele disse aquele sim no já distante ano de 1962. Eis o que eu chamo de um sim seminal!

Ouça o CD In My Life, de George Martin, em streaming:

Pepperland– George Martin:

Off The Beatle Track- George Martin And His Orchestra: