cartola caixa capa-400x

Por Fabian Chacur

Nenhum apelido poderia ter sido tão preciso para definir um artista como o recebido por Angenor de Oliveira (1908-1980). Afinal de contas, quando a gente pensa em Cartola, o artista, pensa em elegância, em requinte, em poesia bem elaborada, em melodias deliciosas. A obra deste cantor, compositor e violonista carioca é coisa finíssima. A Universal Music acaba de lançar Todo Tempo Que Eu Viver, box com três CDs que nos oferece alguns dos melhores momentos da carreira desse indiscutível gênio da MPB.

O conteúdo desta caixa tem duas origens distintas, e reúne tudo que Cartola gravou entre 1967 e 1976. Vale lembrar que, antes disso, ele havia sido em 1928 um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, provavelmente a mais icônica escola de samba de todos os tempos, e viu suas músicas gravadas por artistas do porte de Carmen Miranda, Francisco Alves, Mario Reis e Silvio Caldas, entre outros. Como cantor, no entanto, fez apenas uma gravação (em 1940) da música Quem Me Vê Sorrir, e participou de programas de rádio.

Problemas de saúde e de outros tipos o levaram a sumir de cena a partir do final dos anos 1940, e muitos acreditavam até que ele tivesse morrido. Em 1957, no entanto, foi redescoberto pelo jornalista Sérgio Porto (também conhecido pelo codinome Stanislaw Ponte Preta), e a partir dali aos poucos retomou a carreira. As grandes gravadoras, no entanto, relutavam em contratá-lo para o lançamento de um LP, afirmando de forma cruel que “aqui não é asilo”.

Sorte que o produtor musical João Carlos Botezelli, o Pelão, não acreditava naquela frase infeliz, e batalhou o quanto pode para concretizar seu sonho de ver Cartola gravar um álbum. E a gravadora independente Marcus Pereira topou o desafio. O LP, intitulado Cartola, saiu em 1974, e é o primeiro CD desta caixa. Com produção elegante e despojada, traz maravilhas do porte de O Sol Nascerá (A Sorrir), Acontece, Alvorada e Tive Sim, entre outras. Foi um sucesso, com mais de 20 mil cópias vendidas. Que asilo, que nada!

O bom resultado comercial resultou no lançamento de um segundo disco, também intitulado Cartola e lançado em 1976. O bacana é que o artista incluía canções feitas recentemente, entre elas O Mundo é um Moinho e As Rosas Não Falam, fruto de sua maturidade como ser humano e compositor. Com o mesmo formato classudo e repleto de sutilezas, o trabalho, segundo CD desta caixa, traz também Cordas de Aço, Meu Drama (Senhora Tentação) e Ensaboa como outros destaques.

O terceiro disco incluído nesta caixa, intitulado Tempos Idos, é inédito, e se trata de uma coletânea reunindo gravações feitas pelo autor de Acontece em discos de outros artistas e também álbuns temáticos. São dez registros raros e nunca reunidos antes em um único CD, que mostram Cartola ao vivo, em estúdio e também junto com Elizeth Cardoso, Clementina de Jesus, Odete Amaral, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Canhoto e Conjunto de José Menezes.

O trabalho de remasterização realizado nos três CDs foi excelente, com qualidade de som impecável, especialmente se levarmos em conta se tratarem de registros feitos há mais de 40 anos. Os encartes são simplesmente sensacionais, com direito à reprodução dos textos incluídos nas edições originais, novos textos (feitos por Eduardo Magossi, curador do projeto desta box set) contextualizando cada álbum, fichas técnicas e as letras de todas as canções. Um trabalho belíssimo e à altura desse mestre da MPB.

Vale registrar que uma audição atenta desses CDs nos proporciona chegar a uma conclusão óbvia: Cartola não era só um compositor iluminado, um sujeito que falava sobre as idas e vindas do amor com classe, precisão cirúrgica e inspiração. O cara era também um violonista extremamente eficiente e, acima de tudo, um cantor impecável, que usava sua pequena extensão vocal com uma classe que envolve o ouvinte. Para ouvir trajado de fraque e…cartola!

As Rosas Não Falam– Cartola:

O Sol Nascerá– Cartola:

Acontece– Cartola: