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Por Fabian Chacur

Existem inúmeras maneiras de se fazer música, todas válidas e capazes de render bons frutos. Há longos 36 anos, o Língua de Trapo resolveu criar a sua, única e facilmente reconhecível por quem os acompanha nessa trajetória mais do que peculiar. Em plena forma, o combo capitaneado pelo impagável Laert Sarrumor volta ao mundo fonográfico com O Último CD da Terra (Gênesis/Arlequim), que mantém o alto padrão de qualidade de sempre. E olha que a espera foi longa!

Trata-se do primeiro álbum da banda desde ao vivo 21 Anos na Estrada (2001), e o primeiro de inéditas desde o longínquo ano de 1992, quando Brincando Com Fogo chegou às lojas. Valeu a espera. Melhor lançar poucos e bons trabalhos do que enfiar abacaxis azedos goela abaixo do público, como muitos fazem por ai. E ao menos os caras continuaram com os shows, sem a frequência desejável mas sempre com categoria.

E o que seria essa tal fórmula própria de se fazer música implementada pelos “linguistas”? Trata-se de uma incrível mistura de ritmos musicais, indo do mega-brega ao mega-chique, passando por literalmente tudo. E tudo significa chorinho, jazz, rock, jovem guarda, blues, heavy/hard rock, country, folk, samba, brega de todos os tipos, romantismo… O que amarra isso tudo é um humor que consegue a façanha de ser cáustico, ácido e virulento, sem no entanto cair na tentação politicamente incorreta do “perco a piada, mas não perco o amigo”.

As tiradas do Língua não perdoam ninguém, mas nunca com teor ofensivo. E a provável explicação para essa façanha é o fato de não levarem ninguém a sério, especialmente eles próprios. Os compositores habitualmente gravados por eles, figuras do naipe de Laert, Carlos Melo, Guca Mastrodomênico, Ayrton Mugnaini Jr. e o saudoso Cesar Brunetti (entre outros) sabem, digamos assim, manter as amizades, sem perder as piadas jamais. Jamais!

Ouvir O Último CD da Terra equivale a uma viagem pelas programações das rádios AM de antigamente, nas quais se tocavam todos os estilos musicais, sem exceção (lógico que sempre em horários específicos, no caso de alguns deles). Se há algo de que não se pode rotular esse novo álbum de “Laert e seus Comparsas” é de monótono. As molduras musicais mudam a cada nova faixa, e às vezes em uma mesma faixa, como na impagável Os Infernautas, sátira aos viciados em internet que vai do vira a la Roberto Leal ao rap sem medo de ser feliz.

Três composições são da fase inicial da banda, o período 1980-1982, e que por um motivo ou outro nunca haviam sido gravadas: Circular 46, Amor Indigente e Ratatá no Zum-zum-zum. Sempre espere o inesperado em um disco e/ou show do Língua: ode a um pombo, encontro modelo humor negro em uma fila de hospital, o canto de um mendigo, um imitador de Bob Dylan que poderia ser o sumido Belchior, um ex-fã de rock progressivo… Tem até uma releitura do Hino Nacional Brasileiro, desta vez em homenagem aos desempregados (Hino dos Desempregados).

Em texto incluído na segunda página do encarte, o grupo afirma que este será o seu último CD. Tomara que não. Afinal de contas, eles mostram aqui que ainda tem muita lenha para queimar. E quer saber? O formato compact disc ainda ficará em cena por muito tempo, tal qual os discos de vinil e mesmo as fitas-cassete, ambos vivendo um revival improvável nos últimos anos. Quem duvida estar lá na esquina uma nova era dos CDs? E que venha um novo do Língua. Que último que nada, seus preguiçosos! Me dá o mizão e vamos logo gravar outro!

Ouça trechos das músicas de O Último CD da Terra:

Trechos do show de lançamento do CD- Sesc Pompeia abril 2016:

Rick Wakeman Nunca Mais– Língua de Trapo: