recado gonzaguinha-400x

por Fabian Chacur

Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (1945-1991) teve como marca a sensibilidade à flor da pele. Essa característica o levava a atingir os extremos, indo do extremamente ácido ao incrivelmente doce às vezes em uma mesma canção. Puro coração. Sujeito que se indignava com as injustiças, que tinha paixão por se apaixonar, por viver, por “andar por esse país pra ver se um dia descanso feliz”, como bem retratam os versos de Vida de Viajante, parceria do pai Gonzagão com Hervê Cordovil que fez grande sucesso em 1979, em versão incluindo pai e filho nos vocais.

Sua poesia era direta e sem rodeios, enquanto em termos melódicos e rítmicos suas canções apresentavam influências de música nordestina, jazz, rock, bossa nova, samba, bolero e o que mais aparecesse.

Em uma discografia repleta de preciosidades, Recado, lançado em 1978 e seu sexto álbum, se sobressai por várias razões, a começar pela maravilhosa faixa título, espécie de carta de intenções de Gonzaguinha enquanto ser humano. “Se é para ir, vamos juntos, se não é já não tô nem aqui”, finaliza esse clássico da MPB, com sua levada bossa nova e o piano marcante de Gilson Peranzzetta, conhecido por também participar de discos essenciais de Ivan Lins, um dos raros parceiros de Gonzaguinha e seu amigo fiel desde sempre.

A única composição alheia é O Que Foi Feito Devera, de Milton Nascimento (provavelmente o maior ídolo do artista carioca) e Fernando Brant, relida de forma brilhante e com a participação do próprio Milton no violão e vocais.

O romantismo intimista é a marca de Lindo, balada jazzística sublime em sua sutileza, enquanto a mãe do astro carioca, uma cantora da noite que morreu quando ele era ainda muito criança, vítima de tuberculose, é homenageada de forma tocante em Odaléia Noites Brasileiras, balada voz e piano.

A indignação do artista com a infeliz e então recente declaração dada por Pelé, dizendo que, para ele, “brasileiro não sabe votar”, gerou E Por Falar No Rei Pelé…, uma espécie de “MPB heavy metal” na qual ele toma as dores do povão, com versos ácidos e certeiros como “craque mesmo é o povo brasileiro carregando esse time de terceira divisão”.

E o final fica com a magnífica Petúnia Resedá, sacudida mistura de rock e forró que fez sucesso na releitura de Simone. E tem a voz. Fora dos padrões convencionais, Gonzaguinha cantava com paixão, assinatura própria e muita, mas muita personalidade. Lá do fundo, das entranhas, paixão total.

E vale destacar também o elenco de músicos presentes neste álbum. Além de Gilson Peranzzetta nos teclados, também temos Fredera (guitarra), Toninho Horta (guitarra), Luis Alves (baixo), João Cortez (bateria), Danilo Caymmi (flauta), Mauro Senise (flauta), Paulo Jobim (flauta), Ronaldo Alvarenga (percussão) e Novelli (baixo), com produção a cargo do compositor Ronaldo Bastos, parceiro de Milton Nascimento em vários clássicos da MPB.

Recado é daqueles discos padrão vinho: sua audição melhora, com o decorrer dos anos. Clássico da MPB que você precisa conhecer, ouvir de novo e degustar com prazer. E paixão, obviamente.

Recado- Gonzaguinha- ouça o álbum em streaming: