i am earth wind & fire capa-400x

Por Fabian Chacur

Muito difícil escolher o melhor álbum lançado pelo Earth, Wind & Fire. Durante sua trajetória, a banda criada pelo genial cantor, compositor, músico e produtor americano Maurice White nos proporcionou diversos trabalhos de primeiríssima linha, especialmente durante a década de 1970, seu auge em termos criativos e comerciais. Mas dá para selecionar, sem sustos, o LP que marca o auge deles, aquele momento em que viraram praticamente uma unanimidade perante os mais diversos públicos. Estou falando de I Am, lançado em 1979, quando os caras tomaram a cena pop de assalto, de uma vez por todas.

Até aquele momento de sua carreira, o grupo já havia conseguido grandes feitos, como atingir o topo das paradas americanas de álbuns e singles, lotar ginásios pelos EUA e outros países com seu show repleto de efeitos especiais e produção sofisticada e também conquistar fãs fora do universo da black music.

O mais importante, obviamente, é a qualidade artística da música que lhes possibilitou tais conquistas, uma brilhante fusão de soul, funk, rock, jazz e músicas africana e latina. Faltava apenas a cereja do bolo, ou seja, ganhar o público mainstream, entrando no primeiro escalão da popularidade mundial.

Inquieto e inteligente, Maurice White sempre buscou parcerias com gente de fora da banda, como forma de somar forças e também levar adiante sua intenção de criar um som universal e ao mesmo tempo criativo e popular.

Em I Am, essa busca o impulsionou a iniciar um trabalho ao lado do compositor, músico e produtor canadense David Foster, que até aquele momento já havia gravado com e produzido artistas do porte de George Harrison, Daryl Hall & John Oates e outros. Fã da banda, ele conheceu Maurice através de uma amiga em comum, e logo de cara mostrou a ele uma balada que havia composto ao lado dos amigos músicos Jay Graydon e Bill Champlin.

Maurice não só adorou a tal balada, nada menos do que After The Love Has Gone, como perguntou a Foster se ele não estava interessado em tentar compor alguma coisa a seu lado. Foster aceitou, e as jam sessions entre eles geraram seis das nove faixas incluídas em I Am. Com boas influências da black music, Foster trouxe para o grupo elementos da música pop que ajudaram a banda a se aproximar do mainstream radiofônico.

Aliás, as duas faixas que conseguiram concretizar esse feito são de certa forma opostas, e ambas agradaram em cheio importantes setores do grande público da época. Uma é a já citada After The Love Has Gone, que chegou ao número 2 da parada de singles da Billboard e pegou em cheio os fissurados por canções românticas, nostálgicas e de apelo fortemente melódico.

A outra mirou os fãs da então extremamente popular disco music. Trata-se de Boogie Wonderland, única música do disco não assinada por White (composição de Joe Lind e Allee Willis) e a única faixa escancaradamente do gênero gravada pela banda, e que estourou com força total nas discotecas de todo o mundo e de quebra atingiu o nº 6 entre os singles da Billboard.

Não é de se estranhar, portanto, que I Am tenha sido o álbum mais popular do E,W&F no Reino Unido, atingindo por lá a posição de nº 5, e também nos principais mercados discográficos do mundo. Mas vale ressaltar uma coisa: se essas duas faixas são apelos a públicos que o grupo nunca havia atingido em cheio, não caem em fórmulas pré-estabelecidas ou diluições picaretas, sendo excelentes e também sem fugir demais ao espírito musical desenvolvido por Maurice White e seus discípulos.

E o disco nos oferece muito mais. O LP tem início de forma apoteótica com In The Stone entrando em cena com uma abertura digna dos melhores musicais da Broadway, para mostrar logo de cara o vasto acervo de armas musicais desse timaço musical: o entrosamento da voz máscula de Maurice com o sedutor falsete de Philip Bailey, os metais sempre pontuando tudo, percussão salerosa e afro para contagiar e o time de guitarras, baixo (do estupendo Verdine White, irmão de Maurice) e teclados dando o arremate final.

Uma das marcas registradas do E,W&F é a criação de interlúdios musicais, pequenos trechos que ou introduzem uma canção ou a ligam à outra que vem a seguir. E é um deles que abre o caminho para que surja a galopante Can’t Let Go, delicioso “balanço” (termo que se usava no Brasil nos anos 1970 para definir canções dançantes) que tocou em nossas rádios. Chega o momento da primeira balada, After The Love Has Gone, cujo solo de sax no final é a deixa para a entrada da sacudida Let Your Feelings Show, encerrando o lado A do LP de vinil original.

Boogie Wonderland abre o lado B para chacoalhar o esqueleto de todos, clima que a incrível Star se incumbe de manter, mesmo não sendo propriamente disco e com vocais simplesmente encantadores. O romantismo na melhor tradição da soul music marca a belíssima Wait, de andamento mais lento e com aquelas paradinhas deliciosas. O momento instrumental do álbum vem a seguir, a roqueira Rock That!, com ótima performance dos músicos. You And I, que fecha o disco, tem um clima ao mesmo tempo romântico, swingado e sensual que certamente influenciou o charm dos anos 1980.

Verdine White define I Am como “o nosso Abbey Road“, o disco mais bem-sucedido em termos comerciais da carreira dos Beatles, enquanto Maurice White o considera não só um dos melhores da banda como um dos mais influentes. “Alguns artistas fizeram suas carreiras baseados em faixas deste álbum”, afirmou ele em texto incluído na box set The Eternal Dance (1992).

Curiosidades envolvendo personagens e fatos sobre I Am:

***** David Foster ganhou seu primeiro Grammy, o Oscar da música, com After The Love Has Gone. Sua participação em I Am foi um divisor de águas na carreira dele, que posteriormente faria trabalhos de imenso sucesso comercial com artistas como Chicago, Whitney Houston, Céline Dion, Josh Groban, Michael Bublé e Andrea Bocelli, entre muitos outros. Ele compôs mais algumas músicas com Maurice White, entre as quais os hits And Love Goes On e Could It Be Right.

***** Em sua ótima autobiografia Hit Man (2008- Pocket Books, não foi lançado no Brasil), David Foster relembra que ele e Maurice White se entendiam muito bem em quase tudo, menos em duas questões: alimentação e cigarros. Enquanto o líder do E,W& F era adepto de alimentação natural e hábitos saudáveis, Foster se dizia um voraz consumidor de hambúrgueres e fast food em geral, além de fumar em torno de três maços de cigarro por dia.

***** Os parceiros de David Foster em After The Love Has Gone tem um belo pedigree musical. O guitarrista americano Jay Graydon, por exemplo, gravou com inúmeros astros da música e é autor de vários hits de Al Jarreau, entre eles a deliciosa Mornin’. Além do Grammy com essa bela balada, ele faturou outro, desta vez com a swingada Turn Your Love Around, hit na voz de George Benson e que inclui na parceria novamente Bill Champlin e Steve Lukather (do grupo Toto).

****** Também com belo currículo como músico de estúdio e autor, Bill Champlin de quebra integrou entre 1981 e 2009 o grupo Chicago, tendo gravado o vocal principal em grandes hits como Hard Habit To Break, Look Away e I Don’t Wanna Live Without Your Love. Vale lembrar que, como músico de estúdio, Jay Graydon gravou o solo de Peg, do grupo Steely Dan, citado por muitos como um dos melhores de todos os tempos. Ouça e tente não concordar aqui.

***** Na edição original em vinil de I Am e mesmo na caixa The Eternal Dance, o título da mais famosa balada do disco é After The Love IS Gone. Na edição em CD, no entanto, a grafia é After The Love HAS Gone , a mesma na qual voce encontra informações sobre ela na internet. A segunda versão, ressalte-se, é a correta em termos gramaticais, pois coloca a palavra no tempo certo, ou seja, no passado.

****** Além de David Foster, Maurice White contou com outra parceria nas canções incluídas em I Am. Trata-se da compositora Alee Willis, que é coautora de sete das nove faixas do álbum, atuando neste caso principalmente no quesito letras. Ela é conhecido como coautora de outros hits importantes, entre os quais Neutron Dance (Pointer Sisters), What Have I Done To Deserve This (Pet Shop Boys e Dusty Springfield) e I’ll Be There For You (The Rembrandts, tema principal da série de TV Friends). Ela também é uma das autoras de September, do E,W&F.

***** Única faixa do álbum não assinada por Maurice White, Boogie Wonderland é uma parceria de Alee Willis com Jon Lind. Este compositor também escreveu com White Sun Godess, gravada originalmente por um dos mentores de Maurice White, Ramsey Lewis e depois pela banda no ao vivo Gratitude. Entre seus hits para outros artistas, vale destacar Crazy For You (Madonna) e Save The Best For Last (Vanessa Williams), sendo que ambas atingiram o topo da parada americana.

****** Duas canções adicionais foram gravadas para integrar o álbum I Am, mas acabaram ficando de fora de sua versão original. São elas Dirty, da qual participa o saudoso gaitista Junior Wells (conhecido por sua dupla com Buddy Guy) e Diana, esta última outra parceria entre Maurice White e David Foster. Essas gravações foram adicionadas como faixas-bônus da versão remasterizada de I Am, lançada em 1999 pela Sony Music.

***** A capa de I Am, com ilustração a cargo de Shusei Nagaoka e design assinado por Roger Carpenter, são inspiradas no Egito antigo, uma das fascinações de Maurice White, um fã de assuntos místicos e espiritualistas. Ele conseguiu levar a banda para lá em uma ocasião, sendo que, segundo ele, “metade deles amou e metade odiou”. A contracapa traz um pot-pourry de vários fatos históricos e discos voadores voando ao fundo, em ilustração bela e apoteótica de Shusei.

*****Eis a escalação do E,W&F, considerada a sua clássica: Maurice White (vocal, percussão e bateria), Verdine White (baixo), Philip Bailey (vocal e percussão), Larry Dunn (teclados), Al McKay (guitarra), Fred White (bateria, irmão de Maurice e Verdine), Johnny Graham (guitarra), Andrew Woolfolk (sax tenor) e Ralph Johnson (percussão). A sessão de metais trazia Don Myrick (sax tenor e barítono), Louis Satterfield (trombone) e Rahmlee Michael Davis (trompete).

Ouça I Am em streaming: