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Por Fabian Chacur

Michael Hutchence teria completado 60 anos de idade no dia 22 (quarta-feira). Infelizmente, o cantor e compositor australiano não chegou nem perto disso, pois nos deixou aos 37 anos em 1997, tirando sua própria vida em um quarto de hotel na cidade de Sidney, na antevéspera do início da turnê que divulgaria Elegantly Wasted, o então mais recente álbum de sua banda, a INXS. Resta aos fãs curtir suas lembranças. No caso dos brasileiros, as três passagens do sexteto por aqui durante seus 20 anos de carreira.

O grupo, que iniciou sua carreira em 1977 e lançou o primeiro álbum em 1980, não se tornou conhecido internacionalmente do dia para a noite. Após dois álbuns inicialmente lançados apenas na Austrália, eles chegaram ao mercado internacional com Shabooh Shoobah (1983). The Swing (1984), o álbum seguinte, trouxe como destaque Original Sin, produzida por Nile Rodgers.

Foi lá pelos idos do lançamento de Listen Like Thieves (1985), um belo passo do grupo rumo ao estrelato, que o INXS esteve no Brasil pela primeira vez. Foi uma discreta viagem promocional, durante a qual o grupo concedeu entrevistas e fez ações promocionais. Da próxima vez, a coisa seria bem diferente.

Michael Hutchence e seus colegas tocaram pela primeira vez em nosso país como uma das atrações principais da segunda edição do Rock in Rio. Foi no dia 19 de janeiro de 1991. Na verdade, eles entraram em cena já na madrugada do dia 20, mas de forma apoteótica, tocando a impactante Suicide Blonde.

Eles estavam no início da turnê de divulgação do álbum X (1990), que tinha a difícil tarefa de suceder o trabalho que os catapultou rumo à primeira divisão do rock mundial, o excelente Kick (1987), e provaram sua grande capacidade ao vivo, com direito ao carisma de Hutchence e o pique dos músicos. Um dos melhores grupos para animar festinhas de todos os tempos.

A consagradora tour mundial que passou pelo Brasil gerou um belo álbum ao vivo, Live Baby Live, lançado em novembro daquele mesmo ano de 1991 e com faixas gravadas em diversos países, incluindo uma por aqui.

Entre essa performance consagradora, uma das melhores daquele festival repleto de grandes nomes (Prince, George Michael, Santana etc) e a próxima visita da banda ao Brasil, muita coisa mudaria na vida de Michael Hutchence, e infelizmente não para melhor. Tudo começou com um violento acidente ocorrido em agosto de 1992.

Hutchence estava em Copenhague, Dinamarca, com a modelo internacional Helena Christensen, com quem namorou entre 1991 e 1994. Eles estavam saindo de um taxi, o taxista se enfezou com o roqueiro e enfiou um soco em seu rosto. O cantor caiu de costas no chão, batendo a parte de trás de sua cabeça.

O cantor foi negligente em termos de se cuidar, e passou um mês no apartamento da namorada, vomitando, alimentando-se mal e se comportando de forma inconveniente. Só após esse período o casal resolveu procurar um especialista em Paris, e naquele momento ficou clara a gravidade do seu estado de saúde. Ele perdeu para sempre os sentidos de paladar e olfato, além de outras contusões que o afetaram de forma intensa.

O acidente certamente explica o porque o INXS não saiu em turnê para divulgar o álbum que havia lançado na mesma época, agosto de 1992, Welcome To Wherever You Are, algo até então inédito na trajetória da banda. A justificativa divulgada então referia-se ao desejo de o grupo dar uma descansada para, logo a seguir, começar a preparar um novo trabalho, que seria lançado em 1993 com o título Full Moon, Dirty Hearts.

Embora interessantes e com momentos muito bons, os dois álbuns fizeram bem menos sucesso do que os anteriores, especialmente nos EUA. É nesse contexto que eles voltam ao Brasil em 1994, para shows no Rio de Janeiro (estádio da Gávea) no dia 10 de março, em São Paulo (estacionamento do Anhembi) no dia 11 de março e 12 de março em Curitiba (Pedreira Paulo Leminski).

Com abertura da banda americana Soul Asylum, o show em São Paulo reuniu por volta de metade da capacidade do espaço, fato possivelmente motivado pelo tempo chuvoso. Hutchence aparentava muito menos energia do que na performance anterior, mas mesmo assim conseguiu comandar um show profissional e competente, com direito aos hits e a canções boas da safra recente como Heaven Sent e Please (You Got That…), esta última gravada no álbum Full Moon Dirty Hearts com a participação especialíssima de Ray Charles.

Dali em diante, Michael Hutchence passou a frequentar mais as páginas da imprensa sensacionalista do que as musicais. Ele, que namorou famosas como a cantora Kylie Minogue, deixou a modelo Helena Christensen para se envolver em um romance controverso com a apresentadora de TV e escritora Paula Yates, que desde 1976 estava comprometida com o cantor Bob Geldof, do grupo Boontown Rats e criador do Live Aid.

Dizem os boatos (possivelmente verdadeiros) da época que Yates estava interessada em Hutchence desde que o entrevistou para um programa de TV britânico em 1985. Em 1994, em outra entrevista, o fogo aparentemente acendeu de vez, e a consequência foi não só o fim de um casamento de quase trinta anos como também o nascimento em 22 de julho de 1996 de Tiger Lily, primeira e única filha do casal.

Envolto com os problemas de saúde e o consumo cada vez mais alto de drogas e barbitúricos, além da distância da filha, Hutchence ainda mostrou disposição para o trabalho, pois, paralelamente ao início das gravações de um disco solo, ainda gravou um último álbum com o INXS, o mediano Elegantly Wasted.

O disco-solo estava sendo feito por Hutchence em parceria com Andy Gill, guitarrista da banda britânica Gang Of Four e coautor de boa parte das músicas. Como forma de homenagear o amigo, o músico arregaçou as mangas e conseguiu finalizar as gravações, contando com a participação de Bono na faixa Slide Away. O resultado é o álbum intitulado Michael Hutchence, lançado em 1999 e digno da bela trajetória do astro australiano.

Conhecido por ter trabalhado durante muito tempo com a banda e ser o diretor de clipes de hit singles como Need You Tonight, Never Tear Us Apart e Suicide Blonde, o diretor australiano Richard Lowenstein lançou em 2019 o documentário Mistify Michael Hutchence.

Ele se valeu de raros registros da banda e do cantor (incluindo alguns com Kylie Minogue e Helena Christensen) para ilustrar depoimentos em áudio de integrantes do INXS e de outros nomes importantes na trajetória do astro do rock. Um dos destaques fica por conta dos detalhes do acidente de agosto de 1992 e sobre as terríveis consequências com as quais Hutchence teve de conviver em seus anos finais de vida.

Sem seu principal integrante, o INXS tentou seguir adiante, com substitutos que não deram conta do recado, incluindo um selecionado em um reality show televisivo. Em 2012, resolveram sair de cena, e um retorno parece improvável, embora não impossível. Com Jon Stevens no vocal, o grupo voltou a se apresentar no Brasil em 2002, com shows dia 15 de maio no ATL Hall, no Rio de Janeiro, e 17 de maio em São Paulo, na Via Funchal.

Se não revolucionou o mundo da música, Michael Hutchence e sua banda certamente criaram uma obra dançante e pra cima, com direito a boas baladas no meio e repleta de momentos bacanas que merecem ser reverenciados pelos fãs de pop rock consistente e com personalidade forte.

Veja o trailer de Mistify Michael Hutchence: