the jazz loft according to

Por Fabian Chacur

Quem foi W. Eugene Smith (1918-1978)? Um fotógrafo genial, que marcou época na história dessa atividade, um profissional obsessivo que sabotou sua própria carreira ou um fã incondicional de jazz que criou um dos mais importantes acervos culturais do gênero? Bem, ele era tudo isso e muito mais. Uma boa forma de se saber um pouco mais sobre essa personalidade fascinante é o documentário The Jazz Loft According To W. Eugene Smith (2015), que o Canal Arte 1 tem exibido em sua programação.

A carreira de Smith como fotógrafo ganhou força a partir do final dos anos 1930, quando ele tornou-se um dos mais talentosos e criativos colaboradores de revistas como a Newsweek e a Life e da Agência Magnum. Seu trabalho é considerado um marco dos chamados estudos fotográficos, aquelas sequências de fotografias que contam de forma técnica e emocional uma determinada história. Ele também atuou como correspondente de guerra entre 1943 e 1944.

Graças à sua forma minuciosa de realizar seu trabalho, sempre beirando e frequentemente ultrapassando os limites do que poderíamos chamar de “normal”, Smith começou a ser meio que colocado de lado na cena profissional, acumulando dívidas e não conseguindo gerir sua família. É dessa forma que, em 1957, após vender sua casa para pagar dívidas e também se distanciar de sua esposa e filhos, ele se muda para um loft em Nova York.

Situado em um prédio velho na região do comércio de flores, seu apartamento era vizinho do de Hall Overton (1920-1972), célebre arranjador, compositor e professor de música. O local era um espaço livre não só para aulas, mas também para jam sessions de jovens músicos sem hora para terminar. Ao perceber a qualidade do que rolava por ali, Smith teve uma ideia maluca: não só começou a tirar fotos de tudo o que ocorria, como também comprou vários gravadores e microfonou diversos ambientes- apartamentos, corredores, escadas etc.

Resultado: entre 1957 e 1965, o cidadão gravou mais de quatro mil horas em fitas de rolo e fez mais de 40 mil fotografias. Pode-se dizer que ele, sozinho, foi uma espécie de BBB daqueles músicos, registrando sem censura tudo o que ocorria naquele espaço, como se fosse uma verdadeira “mosca na parede”, figura tão presente que ninguém se preocupava com o que ele estava fazendo.

Entre outros registros, ele flagrou as mais de três semanas de ensaios de um dos trabalhos mais idolatrados do grande mestre do jazz Thelonious Monk (1917-1982), The Thelonious Monk Orchestra At Town Hall (1959), gravado ao vivo no mítico Town Hall nova iorquino em 28 de fevereiro de 1959.

The Jazz Loft According To W. Eugene Smith é um documentário de 87 minutos no qual a diretora e roteirista Sara Fishko nos conta essa história quase inacreditável valendo-se de várias dessas gravações e fotos e também com entrevistas com alguns dos sobreviventes daqueles anos verdadeiramente incríveis, nos quais músicos totalmente descompromissados com os mesquinhos limites impostos pela indústria cultural tinham como objetivos se divertir e, como consequência, criar alguns dos grandes momentos do jazz.

Além de contar de forma resumida a trajetória de Smith enquanto profissional da fotografia e pai de família, com direito a um depoimento tocante e sem rodeios de um de seus filhos, o filme se vale das fotos incríveis e dos históricos registros de áudio feitos por ele, com direito a diálogos deliciosos de Hall e Monk e trechos simplesmente encantadores das jam sessions.

A permanência de W. Eugene Smith no loft durou até 1971, quando foi despejado do local. Seu absurdamente importante acervo, que também envolvia 25 mil discos e 8 mil livros, foi doado ao Centro de Fotografia Criativa da Universidade do Arizona. Bom saber que estes registros fundamentais de uma das eras mais importantes do jazz estão devidamente preservados. O documentário é a primeira utilização desse material em um filme, e tomara que não seja a única. O filme está disponível no exterior em formato físico (DVD).

Veja o trailer de The Jazz Loft According To W. Eugene Smith: