Por Fabian Chacur
Há uns 20 anos, mais ou menos, começou um papo furado sobre uma tal de “morte da canção”. Não haveriam novos autores capazes de dar prosseguimento a um dos formatos mais bacanas do universo musical, diziam. Com todo o respeito, mais uma tolice jogada ao vento com ares de erudição. Mais uma prova de que esse absurdo não faz o menor sentido é A Flor do Som, 2º álbum (disponível em CD e nas plataformas digitais) do cantor, compositor e músico gaúcho Leandro Bertolo, um verdadeiro craque nessa praia sonora.
Na estrada desde os anos 1980, Bertolo aprendeu o caminho das pedras musical tocando em bares de Porto Alegre e participando de grupos como Conexão e Estação Hits. Também marcou presença no Projeto Coisas do Brasil, cujo objetivo era homenagear os grandes compositores da nossa música. Nesse processo, fez amizade e criou laços com vários músicos de qualidade, além de ao mesmo tempo fazer um treinamento intensivo de como compor, por tabela.
Sua estreia no mundo discográfico ocorreu em 2016 com o álbum Clareza, que lhe rendeu quatro indicações para o Prêmio Açorianos de Música em 2017, incluindo o de disco do ano. A Flor do Som dá continuidade a essa estreia promissora, e impressiona logo de cara pelo texto de apresentação incluído em seu encarte, assinado por ninguém menos que Arnaldo DeSouteiro, consagrado jornalista, crítico musical, diretor de shows, roteirista e membro votante do Grammy-Naras. Tipo do aval que não é dado a torto e a direito.
Com um repertório de onze composições próprias, sendo três delas em parceria com a esposa, Bianca Marini, e uma escrita com Gustavo Filho, Leandro mergulha de cabeça em um universo sonoro que nos remete às obras de Djavan, João Bosco e Gonzaguinha, só para citar algumas influências mais explícitas, com direito a jazz pop, sambossa, baladas com tempero latino, afoxé e outras levadas.
Se essa origem de sua musicalidade salta aos ouvidos, que fique claro: não estamos aqui diante de um mero diluidor. O artista gaúcho soube se valer desses parâmetros para dar vasão às suas próprias ideias, falando com desenvoltura sobre amor, metalinguagem musical, sonhos e temas sociais. Tudo embalado por uma voz muito bem treinada nos bares da vida, que ajuda a dar o toque final a um produto da melhor qualidade.
Em outros tempos, especialmente na década de 1970 e início dos 1980, Leandro Bertolo teria tudo para se tornar um artista de sucesso em termos de execução em rádios e mesmo em termos de ser procurado por outros intérpretes para reler essas composições inspiradas. A Flor do Som, por exemplo, envolve com sua levada jazzy e os paralelos entre a beleza musical e a de um amor que dá certo.
O lado latino aflora em Armadilha, Náufragos de Amar e Te Espero Na Canção, com uma sensualidade bem concatenada. Luz do Amor, com seu ritmo sutilmente funkeado, traz um dueto bacana entre Leandro e a parceira Bianca, enquanto o samba-choro Darcy Alves reverencia um saudoso mestre e inspirador de seu trabalho como músico e também por sua atitude como ser humano.
O lado mais rítmico e ligado à tradição brasileira no setor de sua criação surge em Momentos Felizes, espécie de sambossa solar, Rotas do Sonhar, um afoxé à moda do autor gaúcho, e At’ki, esta puxando mais para o frevo. Belo arranjo de cordas torna ainda mais atraente a bela balada Adormecido Coração
Difícil ouvir a poderosa Canto Forte e não pensar em Gonzaguinha, pois sua letra com forte apelo social e a levada de sambão puro remetem ao trabalho do saudoso cantor, compositor e musico carioca que nos deixou há 30 anos. Muita sensibilidade e talento em um brado pela liberdade e valorização do nosso povo, tão sofrido e cada vez mais judiado por nossa mesquinha elite econômica, com requintes de crueldade.
Ouvir A Flor do Som é ganhar um salvo conduto para sair por preciosos minutos dessa realidade violenta, surreal e maluca de 2021 e viajar por um momento de sonho em que o lirismo, o respeito e o amor é quem comandam todo o resto. Um bálsamo para nossas almas tão torturadas. A canção acabou? Até parece!
A Flor do Som (clipe)- Leandro Bertolo:
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