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Macacafoo / Murder, um single muito misterioso e delicioso

murder selo 2-400x

Por Fabian Chacur

A música faz parte da minha vida desde sempre. Mesmo sem vir de uma família de profissionais ou mesmo semiprofissionais da área, a paixão musical dos meus pais e de meu irmão me proporcionou conhecer os mais diferentes estilos sonoros desde muito pequeno. Uma das minhas lembranças mais antigas é oriunda de um compacto simples do meu irmão lançado por um grupo intitulado The Blobs, incluindo as músicas Murder (no lado A) e Macacafoo (no lado B).

Creditada no selo do disco a S. Cates e L. Camps, Murder (ouça aqui) é instrumental, com apenas o título (que significa assassinato em inglês) sendo falado, e soa como se fosse a trilha sonora de uma perseguição a um bandido, com gritos e sons de viatura policial, que no fim leva tiros e vai dessa para a melhor, antes dando seus últimos suspiros. Isso, com uma sonoridade na melhor tradição do rock instrumental de Ventures e Shadows.

Macacafoo, cujos autores são J. Brol e C. Koopmans, traz uma letra curta em uma língua fictícia, pura onomatopeia (algo como “macacafoo foo foo sirifu fu fu zititi ziti bardá”), e um ritmo puramente dançante, valorizado pela sonoridade divertida da palavra que dá título à mesma. As duas músicas trazem como marcas, além da inspiração do rock instrumental, uma levada de bateria quase marcial, cirúrgica em termos rítmicos, um verdadeiro metrônomo de efeito hipnótico convidando à dança.

Lançado no Brasil em 1964 com o selo Dotis, representado por um simpático bonequinho usando cartola e uma bengala, o compacto fez bastante sucesso, a ponto de Macacafoo ter sido regravada na mesma época por dois grupos brasileiros, o The Bells (ouça aqui ), e The Clevers (ouça aqui ), este último na véspera de se tornar Os Incríveis. Aliás, eles fizeram seu registro desta música em um LP que gravaram em Buenos Aires creditado a Los Increibles.

Embora eficientes e muito simpáticas, as regravações feitas pelos artistas nacionais não chegam nem perto da versão original, especialmente por causa de sua inigualável levada rítmica. Durante muitos e muitos anos, eu não tinha a menor ideia de qual seria a origem desses tais The Blobs. Cheguei mesmo a pensar que poderiam ser brazucas, e me lembro de ter colocado para um amigão meu, o Giovanni, ouvir. Ele, de orelhada, mandou ver: “não parecem brasileiros”.

A busca para descobrir a origem dos Blobs e de Murder/ Macacafoo só obteve respostas, e mesmo assim algumas evasivas, depois de muito tempo. Este será o relato mais completo que você terá a oportunidade de ler sobre esse single que tanto me marcou. Vamos comigo nessa viagem? Só se for agora!

Dance Crazes, início do rock and roll, início do rock europeu

Nossa história começa na década de 1950, mais precisamente no dia 9 de julho de 1955, quando Rock Around The Clock, com Bill Halley And His Comets, atinge o topo da parada americana de singles. Para os historiadores, esse é considerado o início da chamada Era do Rock, o momento em que esse então novo gênero musical atinge o grande público e começa a se expandir pelo mundo afora.

Com o estouro de Haley e, logo a seguir, de Elvis Presley, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e tantos outros, essa nova vertente da música, que na verdade vinha surgindo aos poucos desde ao menos os anos 1940, começou a dar frutos e também gerar desdobramentos. Um deles foi o rock instrumental, que teve como grandes parâmetros os americanos The Ventures e os britânicos The Shadows.

Uma das inspirações para as músicas do rock and roll inicial eram variações tendo como foco central o apelo à dança. Afinal das contas, música para dançar é algo mais antigo do que a roda, e basta citar a valsa, o tango, o charleston e outros para exemplificar ritmos de outras eras com esse objetivo central.

O próprio rock, vale registrar, era encarado inicialmente como possivelmente mais um modismo dançante passageiro, mas não só quebrou essa previsão pessimista como permaneceu firme e forte até os nossos dias. Essa tendência dançante, porém, gerou músicas com dna rocker que, no entanto, tentavam virar novas danças. Uma espécie de dance craze (febre das danças), então, surgiu entre o fim dos anos 1950 e início dos 1960.

Como exemplos, podemos citar o Hully Gully, que teve o quarteto americano The Olympics como um de seus maiores divulgadores, o Twist, lançado por Hank Ballard e popularizado mundialmente por seu conterrâneo americano Chubby Checker, que graças aos hits The Twist e Let’s Twist Again girou o mundo, fazendo muita gente mexer os quadris e se esbaldar, inclusive no Brasil, onde o cantor americano esteve algumas vezes. E o ritmo inspirou Twist And Shout, sucesso com The Isley Brothers e depois com os Beatles.

Como seria de esperar, vários grupos mundo afora começaram a se inspirar nos pioneiros. E um dos países que teve seus talentosos representantes foi a Bélgica. Por lá, um dos nomes fundamentais para o desenvolvimento do rock naquela nação europeia foi o guitarrista e vocalista Leon Pooters, que também gravou e fez shows com um nome artístico “americanizado”, Lee West.

E foi exatamente Leon-Lee quem arregimentou os músicos Paul Nijsmans (guitarra-base), Jos Hooybergs (guitarra), Staf Michel (baixo) e Hugo Nijsmans (bateria) para, com o nome The Tramps (não confundir com o grupo americano The Trammps, que nos anos 1970 estouraria com Disco Inferno e outros hits da disco music, ou o The Tramps punk também belga dos anos 1970-80), gravar algo na linha de The Twist ou Baby Hully Gully.

Em novembro de 1961, surgiam, então, as duas gravações que tanto me cativaram, Murder e Macacafoo. E aí surge uma pergunta: mas o disco lançado no Brasil era creditado a The Blobs, e não a The Tramps. Porque, se as gravações são exatamente as mesmas, como pude constatar ao ouvi-las? E aqui não tenho uma resposta conclusiva para dar, apenas uma especulação.

Como Murder e Macafoo foram lançadas por um pequeno selo belga, é muito possível que esses fonogramas tenham sido negociados para outros países creditados a um outro “grupo” como forma de não pagar direitos autorais aos artistas originais. Ou mesmo os próprios artistas vendiam essas gravações com outros nomes para burlar os selos pelos quais os lançaram originalmente. Muitos artistas de blues americanos faziam isso, gravando por diferentes selos valendo-se de alcunhas distintas, como forma de ganhar uns cobres adicionais.

Se você ficou confuso, prepare-se para se confundir ainda mais. Uma das raras versões em CD dessas duas músicas pode ser encontrada em uma coletânea em 1994, que em 2000 foi reeditada pelo selo Rarity Records (cuja origem desconheço) intitulado The Story Of The Picknicks. Ou seja, outro grupo, com as mesmas gravações! Mas, ao menos, esse aqui conseguiu ser rastreado por esse precário aprendiz de arqueólogo musical.

the picknicks capa cd

Além dos Tramps, Leon Pooters-Lee West integrou diversos outros grupos, em alguns casos como músico de estúdio. E um deles foi exatamente The Picknicks, formado pelos irmãos belgas John, Paul, René e Sylvain Van Leere. O CD citado traz 28 faixas e pode ser conferido no Youtube. Curiosidade: uma das músicas, intitulada Maharadja (ouça aqui), é extremamente semelhante a Murder.

Leon Pooters também gravou e tocou com grupos como Lee West & The Westonians, The Black Birds, The Jokers e The White Birds. Nascido na cidade de Antuérpia em 31 de janeiro de 1932, ele nos deixou em 20 de junho de 2010.

O compacto que herdei do meu saudoso irmão Victor e cuja foto do selo ilustra a abertura desta matéria foi lançado pela Companhia Industrial de Discos (CID), do Rio de Janeiro. Existe pelo menos um outro lançamento brasileiro de Macacafoo com os supostos The Blobs.

macacafoo tarantela 400x

Traz o selo Fermata, e tem foto na capa de dançarinos, com as frases “Novo Ritmo” e “Nova Dança”, sendo que a outra faixa aqui não é Murder, e sim Tarantella (creditada a Wilson, Bogle e Edwards).O curioso é que, na contracapa, é citado como engenheiro de som Diogo Ávila, direção de Manoel Barenbein (conhecido produtor brasileiro dos anos 1960) e o mais bizarro: “gravado nos estúdios da Magisom”. Ou seja, tentam dar a entender que se trata de uma gravação feita no Brasil!

É possível que isso explique mais uma confusão (e haja confusões nessa história que estou contando!). Na coletânea em CD Brazilian Nuggets Vol.1- Back From The Jungle, lançada em 2011 em Portugal pelo selo Groovie Records e reunindo raridades brasileiras de rock dos anos 1960, está lá Murder, com The Blobs, como se brasileiros fossem!

Há uma postagem de Murder no Youtube extraída deste álbum (ouça e veja aqui), e nos comentários Ronny Winants, provavelmente belga, alerta sobre o erro bizarro. Saiba mais sobre esse CD aqui.

Um misterioso compacto simples gravado na Bélgica em novembro de 1961 (mesmo ano em que nasci) sai no Brasil em 1964 e cativa um garotinho na Vila Mariana, bairro de São Paulo, e também um montão de gente. Teríamos aqui um dos momentos iniciais da globalização que passaria a dar as cartas no mundo a partir dos anos 1990?

Macacafoo– The Tramps:

2 Comments

  1. Valdimir D"Angelo

    May 13, 2021 at 5:29 pm

    Belíssima pesquisa! Conheço este compacto desde seu lançamento e, por uma incrível coincidência, esta semana iria começar uma pesquisa para descobrir o que você já descobriu! Obrigado!

  2. Fabian Chacur

    May 13, 2021 at 8:44 pm

    Nossa, Valdimir, assim você me emociona! Muito obrigado pelo elogio! Foram muitos anos de idas e vindas até conseguir chegar a esse resultado que, se não responde a todas as perguntas, pelo menos dá uma visão um pouco mais clara de como surgiram essas músicas deliciosas. Grande abraço e muita saudade de você!

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