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Por Fabian Chacur

Os dez últimos anos da vida de Belchior (1946-2017) foram tão marcados pelo sensacionalismo da mídia em geral que todos os projetos que forem feitos em prol de reabilitar a sua imagem como um seminal cantor, compositor e músico devem ser louvados. E esse é precisamente o caso de Apenas Um Coração Selvagem, documentário de Camilo Cavalcanti e Natália Dias que será exibido no canal a cabo Curta! neste sábado (4) às 15h45 e domingo (5) às 22h15.

Com 90 minutos de duração, o documentário se vale de diversas entrevistas concedidas pelo autor de Apenas Um Rapaz Latino Americano durante a sua vida para servirem como narração, através da qual é apresentada a sua trajetória. O material foi muito bem pesquisado, e é legal poder conferir as memórias e pontos de vista de Belchior em várias fases de sua vida.

Além dos ótimos depoimentos dele, também temos apresentações ao vivo em shows e em programas de TV, que servem como bons exemplos não só da excelência e peculiaridade da obra do artista cearense, mas também para registrar o quanto ele era não só um inspirado compositor, mas também um extremamente competente intérprete, no seu estilo de trovador eletrônico.

Nesse aspecto, dois momentos são particularmente arrepiantes. Um é Bel (como seus amigos mais próximos o chamavam) mostrando toda a sua categoria como cantor em Paralelas.

Outro é uma performance simplesmente sensacional de Elis Regina interpretando Como Nossos Pais. As gravações de Elis dessa música e de Velha Roupa Colorida abriram o caminho para o compositor enfim estourar nacionalmente, já aos 30 anos de idade, com o antológico Alucinação (1976).

Como os autores optaram por não colher depoimentos atuais sobre Belchior, a excelente montagem feita pelo craque Paulo Henrique Fontenelle nos dá um clima de como se estivéssemos absorvendo as informações no tempo em que as mesmas estavam ocorrendo.

Isso evita um tom de endeusamento do artista, mostrando até mesmo momentos em sua carreira nos quais a crítica foi ácida com ele, e suas reações em relação a isso, sempre com muita classe e também uma pitada de acidez bastante compreensível para quem chegou a ser avacalhado.

Quem teve a oportunidade de conhecer e conviver com Belchior sabe o quanto ele era acessível, simpático e inteligente, e essas características surgem naturalmente durante Apenas Um Coração Selvagem.

A boa sacada fica por, na parte final do documentário, mostrar apenas de passagem aqueles dez anos de folclorização da vida particular do artista, vendido como um fujão, picareta e maluco. Esse período surge com citações rápidas de programas de TV e imagens de matérias de jornais e revistas.

Aquilo foi muito triste, pois entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 2000, Belchior ficou praticamente no limbo, ignorado por TVs, rádios e quetais, mesmo sendo acessível e tendo o que falar. Virar personagem de programas sensacionalistas nos seus anos finais foi realmente algo que ele não merecia, independente do que ocorreu naqueles anos dolorosos.

Belchior Apenas Um Coração Selvagem é uma bela forma de apresentar às novas gerações um dos grandes nomes da nossa cena cultural, alguém que soube usar a música e a poesia de forma inspiradíssima e própria, gerando assim uma obra que certamente permanecerá.

Lógico que não esgota o assunto, o que seria impossível em um único filme, mas certamente se torna indispensável para quem quer ter uma ideia de quem foi esse artista como também para quem, como eu, tem muita saudade daquele rapaz latino americano tão talentoso e tão gente boa.

Leia mais sobre Belchior aqui.

Belchior Apenas Um Coração Selvagem- trailler: