nat king cole espanol capa-400x

Por Fabian Chacur

Minha saudosa mãe Victoria amava a música, e tinha um gosto bem diversificado. Entre os artistas que mais curtia, figurava o saudoso compositor e músico americano Nat King Cole. Não foram poucas as vezes em que o LP Cole Español (1958) virava a trilha sonora daquela casa situada na Vila Mariana, nos anos 1960 e 1970. Uma das músicas, particularmente, conquistou-me para a vida, a deliciosa Cachito. Com o decorrer dos anos, vi que aquilo era apenas a ponta de um iceberg musical daquele artista, que se estivesse entre nós estaria completando 100 anos de idade neste domingo (17). Um sujeito realmente unforgettable.

Como forma de celebrar essa data, peguei na minha videoteca e revi o excelente documentário The World Of Nat King Cole, lançado em DVD em 2005 e altamente recomendável. Nathaniel Adams Coles nasceu em Montgomery, Alabama, no dia 17 de março de 1919. Quando o garoto completou quatro anos, sua família resolveu se mudar para Chicago, com a esperança de buscar dias melhores, além de fugir do forte racismo daquele estado americano. Uma atitude que se mostrou certeira para o futuro dele.

Com apenas 16 anos, Nat já era um elogiado pianista, em no fim dos anos 1930 já liderar seu grupo. Aliás, a formação de seu King Cole Trio se mostrou revolucionária, pois trazia ele no piano e voz, um baixista e um guitarrista. Ou seja, sem bateria. Quando a música americana vivia o auge das big bands, em plena Segunda Guerra Mundial, ele teve seu primeiro hit, Straighten Up And Fly Right, mesma época em que iniciou sua parceria com a Capitol Records.

O repertório de Cole no início investia no jazz, com bons espaços para a parte instrumental. Com o tempo, no entanto, sua bela voz e o estouro de baladas românticas como Nature Boy (1947), Monalisa (1950), Unforgettable (1951) e Too Young (1951) o levaram a priorizar o canto, o que levou ao fim do trio. Ele vendeu tantos discos que a gravadora Capitol construiu um novo prédio, imenso, em Los Angeles, para abrigar sua nova sede. O prédio recebeu o apelido de “The House That Nat Build” (a casa que Nat construiu). E não há exageros aqui, foi exatamente isso o que ocorreu.

Com seus ternos elegantes e estilosos, sua simpatia e uma voz de timbre doce e envolvente, acompanhada por caprichados arranjos orquestrais, Nat King Cole atravessou a década de 1950 como um dos maiores astros da música. Isso, mesmo tendo de enfrentar o racismo no seu país natal em várias ocasiões, como a rejeição que sofreu dos seus vizinhos endinheirados e racistas em um bairro nobre nos arredores de Los Angeles, ou quando foi atacado no palco durante um show em Birmingham, Alabama, em 1956.

Entre 1956 e 1957, tornou-se o primeiro apresentador negro de um programa na TV americana. Apesar dos ótimos índices de audiência e dos convidados bacanas que recebia, não conseguiu ficar no ar por mais de um ano. A razão: falta de patrocinadores que tivessem a coragem de superar as reações racistas que a atração atraiu em alguns estados americanos, especialmente os do sul, que não admitiam um negro em posto tão nobre. Algo absolutamente lamentável. Mas ele, mesmo magoado, levantou a cabeça e seguiu adiante.

Com suas canções começando a perder a disputa nas paradas de sucesso para o então emergente rock and roll, Nat diversificou sua área de atuação, e começou a fazer shows no exterior, além de gravar em outras línguas. Tal estratégia deu super certo, e lhe valeu muitos discos vendidos e turnês pela Europa, América Latina e Central, Ásia etc. Fumante inveterado (fumava em torno de três maços por dia), Cole foi vítima de câncer e nos deixou em 15 de fevereiro de 1965, com apenas 45 anos. Mas deixou uma obra deliciosa, que permanece cativando ouvidos e corações de diversas gerações e inspirando novos músicos e cantores.

Nat King Cole em curiosidades diversas

*** Os discos que Nat gravou em outras línguas, especialmente espanhol, não são provas de um sujeito multilíngue. Na verdade, ele fazia uma leitura fonética para gravar as músicas, o que gerava um sotaque particularmente curioso. Sua voz, no entanto, era tão boa que mesmo dessa forma levemente caricata ele conseguiu cativar os fãs, especialmente pelo fato de dar uma demonstração de carinho para seus admiradores de fora dos EUA ao cantar em seus idiomas, incluindo japonês!

*** Embora amável, educado e polido, Nat era tido como mulherengo. Foi casado por 12 anos com Nadine Robinson, e ainda estava legalmente comprometido com ela quando começou a sair com Maria Hawkins (que cantou nas orquestras de Duke Ellington e Count Basie), em 1948, mesmo ano em que contraíram matrimônio. Maria resistiu a algumas “puladas de cerca” do marido, incluindo algumas com a cantora e atriz Eartha Kitt, mas foi em seus braços que Nat passou suas última semanas. Eles tiveram cinco filhos.

*** Natalie Cole (1950-2015) seguiu os passos do pai e fez muito sucesso em sua carreira como cantora a partir dos anos 1970, vendendo milhões de discos e faturando um total de nove troféus Grammy, incluindo o de artista revelação. Em 1991, ela trouxe a obra de Nat de volta às paradas de sucesso com força total, graças ao álbum Unforgettable…With Love, que vendeu milhões de cópias e trouxe como destaque um dueto entre pai e filha viabilizado pela tecnologia. Nem é preciso dizer que minha mãe AMOU esse disco, que gravei para ela em fita cassete.

*** Nat esteve no Brasil em abril de 1959, quando fez um total de oito shows, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, além de participar de programas de TV, entrevistas e até de um almoço com o presidente Juscelino Kubitscheck. Ele também aproveitou a viagem para gravar por aqui faixas que entrariam no álbum A Mis Amigos, lançado naquele mesmo ano e incluindo gravações em espanhol e português, entre as quais Não Tenho Lágrimas e Suas Mãos.

*** Mais duas curiosidades envolvendo Cole e o Brasil. Em seu último álbum, L-O-V-E (1965), lançado pouco antes de sua morte, ele releu The Girl From Ipanema, de Tom Jobim, em versão bem elegante. Não seria de se estranhar um álbum totalmente de bossa nova, se ele continuasse entre nós. E no documentário The World Of Nat King Cole, temos cenas de sua chegada ao Brasil, provavelmente no Rio, quando podem ser vistos diversos cartazes com os dizeres “Biscoitos Aymoré (uma marca bem popular por aqui na época e uma das patrocinadores da turnê) welcomes Nat King Cole”.

*** O intérprete de When I Fall In Love nunca se mostrou um fã muito grande de rock and roll, de certa forma o ritmo que ajudou a tirá-lo do topo das paradas de sucesso. Mas algumas de suas gravações dos anos 1940 com o King Cole Trio são consideradas inspiração para o rock, especialmente (Get Your Kicks On) Route 66, composição de Bobby Troup lançada pelo trio em 1946. Muita gente a regravou posteriormente, incluindo uma releitura fantástica dos Rolling Stones em seu álbum de estreia (ouça aqui).

*** Alguns jazzistas mais puristas repudiam as gravações mais românticas de Nat King Cole, preferindo suas performances com o trio nos anos 1940. O mesmo ocorreria com George Benson, fã incondicional de Cole que iniciou sua carreira no jazz e depois também investiria fortemente em canções com vocais e pegada pop. A primeira conexão entre eles ocorreu quando Benson regravou em 1977 um grande sucesso de Cole, Nature Boy, e se cristalizaria em 2013 com o álbum Inspiration- A Tribute To Nat King Cole.

Cachito– Nat King Cole: