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Vanusa, 73 anos, a cantora talentosa de personalidade forte

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Por Fabian Chacur

No início dos anos 2000, estava em uma loja de CDs e vi, em um balcão de ofertas, a coletânea Grandes Sucessos, de Vanusa, lançada em 1998 pela gravadora BMG. Quando peguei o disco em minhas mãos e conferi o repertório, lembrei-me de que não tinha um único álbum dela em minha coleção, mesmo amando a sua voz. Nem é preciso dizer que comprei rapidamente esta compilação. Acho que isso ilustra como as polêmicas em torno dela ofuscaram o que ela teve de maior, que era o talento como cantora e compositora. Ela infelizmente nos deixou neste domingo (8), aos 73 anos.

Vanusa Flores Santos nasceu em Cruzeiro (SP) em 22 de setembro de 1947, e foi criada em Uberaba (MG). Sua carreira como cantora teve início com o apoio de Eduardo Araújo e Carlos Imperial, não por acaso os autores do primeiro sucesso da moça, a deliciosa Pra Nunca Mais Chorar, lançada em 1967, nos estertores da Jovem Guarda. Embora tenha tido outros hits pouco depois, o melhor mesmo viria nos anos 1970.

O auge de Vanusa teve o pontapé inicial em 1973 com o sucesso da maravilhosa Manhãs de Setembro, composição dela em parceria com o músico e produtor musical Mario Campanha, o eterno produtor das Irmãs Galvão. Em 1975, fez a gravação definitiva de Paralelas, de Belchior, estouro ao ser incluída na trilha sonora da novela global Duas Vidas.

Com uma voz potente e muito bem colocada, ela logo emplacou outras canções nas paradas de sucesso, como Amigos Novos e Antigos (João Bosco e Aldir Blanc, da trilha de Anjo Mau) e Estado de Fotografia (Malim e Sérgio Sá, da trilha de O Astro), além de uma gravação irresistível de Congênito, de Luiz Melodia. Ela até estrelou uma novela, Cinderela 77, tendo Ronnie Von como o seu par romântico.

Mulher de personalidade forte e de opiniões diretas e sem rodeios, Vanusa foi casada com dois nomes importantes da cena cultural brasileira, o cantor e compositor Antônio Marcos, nos anos 1970, e o diretor e ator Augusto César Vannucci. Curiosamente, ambos morreram no mesmo ano, 1992, e ela nos deixa no exato dia em que seria comemorado o 75º aniversário de Antônio Marcos. E Vanucci nos deixou também no mês de novembro, no dia 30.

A partir dos anos 1980, a artista infelizmente deu uma bela sumida das paradas de sucesso, voltando à mídia apenas por entrevistas apimentadas e problemas particulares. A coisa piorou muito a partir de 2009, quando ela se enrolou toda ao interpretar o Hino Nacional Brasileiro durante uma cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em plena era da internet, o vídeo com o registro desse momento triste viralizou, e as pessoas e a imprensa exploraram esse momento infeliz da cantora de forma cruel.

A única notícia positiva e ligada à música nesses últimos 11 anos ocorreu em 2015, quando a cantora, com o apoio de Zeca Baleiro, lançou o que viria a ser seu último álbum de estúdio, Vanusa Flores Santos. Nos últimos dois anos, Vanusa morou em uma casa de repouso em Santos, e foi vítima de problemas respiratórios. Ela deixa os filhos Amanda, Aretha e Rafael.

Paralelas- Vanusa:

Florian Schneider, 73 anos, figura chave do emblemático Kraftwerk

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Por Fabian Chacur

Qualquer lista básica dos grupos mais influentes da história da música pop precisa incluir o Kraftwerk. Não dá para escapar. A banda alemã criada há 50 anos nos proporcionou uma discografia concisa e repleta de grandes momentos. Um de seus fundadores e figura chave para seu desenvolvimento, Florian Schneider, teve sua morte anunciada oficialmente nesta quarta-feira (6), embora o falecimento tenha de fato ocorrido poucos dias após ele completar 73 anos de idade (no dia 7 de abril). Ele foi vítima de um câncer aparentemente agressivo.

Tudo aconteceu quando Florian conheceu em 1968, em uma Academia de Artes alemã, seu parceiro de banda, Ralf Hutter. Dois anos depois, com algumas experiências musicais no currículo, criaram na cidade de Dusseldorf o Kraftwerk (usina de força, em alemão). Em seus três primeiros discos, fizeram experiências em busca de uma sonoridade própria, misturando instrumentos tradicionais com sintetizadores e efeitos eletrônicos.

A fórmula se materializou em seu quarto álbum, Autobahn (1974), que se tornou seu maior sucesso comercial nos EUA, onde chegou ao 5º posto. A faixa-título serviu como um bom cartão de apresentações do que pretendiam: uma sonoridade essencialmente eletrônica, repleta de timbres novos e efeitos construídos de forma sistemática e criativa, soando totalmente à parte do chamado krautrock alemão de então.

Em 1977, lançaram uma verdadeira obra-prima, o álbum Trans-Europe Express, cuja faixa-título equivale a uma trilha sonora para um hipotética e sensorial viagem de trem. Lançado em plena era da disco music, era um som que podia ser dançado ou ouvido no silêncio de sua casa, mas não sem causar uma total estranheza por parte dos apreciadores dos maiores hits da época.

The Man-Machine (1978) veio a seguir e provou que o novo universo sonoro proposto por Florian e Ralf tinha possibilidades ilimitadas, alimentadas pela criatividade do grupo e em especial pelo perfeccionismo de Florian, muito elogiado por seu parceiro nesse quesito.

Computer World (1981), outro trabalho incrível da banda, chegou às lojas quando já era público e notório o teor influencial de seu som. Ainda em 1977, David Bowie (que tentou em algumas ocasiões fazer parcerias com o grupo, sem conseguir) lançou em seu álbum Heroes, a faixa V-2 Schneider, evidente homenagem à banda e a Florian em particular.

Praticamente todos (para não dizer todos!) os grupos do chamado tecnopop tiveram o Kraftwerk como sua biblioteca sonora inicial. Depeche Mode, Human League, OMD, Ultravox, Human League, Erasure, Yazoo, a lista é longa, e ultrapassa aquele período específico, vide o Daft Punk, surgido nos anos 1990 e um evidente filhotinho de muito talento dos geniais músicos alemães.

Em uma associação para muitos improvável, Afrika Bambaataa And The Soul Sonic Force, pioneiros do rap e hip-hop, usaram em sua marcante Planet Rock (1982) trechos de Trans Europe Express e Numbers, sendo seguido por outros artistas desse universo e do r&b dos anos 1980.

Electric Cafe (1986) marcou o momento em que o grupo alemão veio para o mainstream, mesmo sem vender milhões de discos. A imprensa os colocava nas manchetes, embora Hutter e Schneider sempre tenham preferido ser lacônicos em entrevistas e se dedicar ao seu estúdio, o Kling Klang, que passou a ser levado para a estrada em seus shows, totalmente diferente dos da concorrência.

A partir daqui, a banda passou a gravar de forma extremamente esparsa, embora, curiosamente, tenha em alguns momentos intensificado seus shows pelo mundo, incluindo uma passagem marcante pelo Brasil em 1998 com direito a uma lacônica e hilariante (nesse sentido) entrevista para o canal a cabo Multishow de Florian (veja aqui).

Em novembro de 2006, Florian Schneider fez sua última aparição em um show do Kraftwerk. Sua saída do grupo que fundou só foi anunciada no final de 2008, e a partir dali, só Ralf Hutter permaneceu no time, ladeado por outros integrantes e basicamente só fazendo shows.

É óbvio que não foi o Kraftwerk quem inventou a música eletrônica, que já existia de forma experimental ao menos desde os anos 1950. Mas certamente foram eles, ao lado de nomes como o de Giorgio Moroder, que ajudaram a trazer aqueles novos recursos sonoros ao mundo da música pop, conseguindo ao mesmo tempo criar um trabalho consistente e criativo e também capaz de atingir as grandes massas. E o perfeccionismo de Florian se mostrou decisivo.

Outro aspecto interessante do trabalho do Kraftwerk é o fato de suas músicas terem sido utilizadas para a sonoplastia de inúmeros programas de rádio e TV no Brasil e no mundo. Por aqui, a música The Hall Of Mirrors, por exemplo, foi trilha sonora do comercial dos calçados Starsax, só para citar um exemplo bacana.

Trans Europe Express- Kraftwerk (ouça em streaming na íntegra):

Moraes Moreira, o criador de um inesquecível bloco do prazer

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Por Fabian Chacur

Moraes Moreira é festa. Moraes Moreira é amor. Moraes Moreira é mistura fina. Moraes Moreira é um eterno novo baiano. Moraes Moreira é inesquecível. Esse grande cantor, compositor e músico baiano nos deixou nesta segunda-feira (13) vítima de um enfarto agudo do miocárdio sofrido em seu apartamento no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Ele tinha 72 anos, e deixa um legado marcante para os fãs de música. Uma verdadeira mancha de dendê que nunca sairá de nossos ouvidos, de nossas mentes, de nossas almas.

Este que é um dos grandes nomes da história da nossa música nasceu em Ituaçu, Bahia, em 8 de julho de 1947, e mostrou amor pela música desde criança. Aos 19 anos de idade, mudou-se para Salvador para estudar e por lá conheceu Tom Zé, Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor. Foi com esses dois últimos que ele montou um grupo que começou a ser conhecido na cena local e logo nacionalmente em 1969, Novos Baianos.

Pouco depois acrescidos de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, esse time inicialmente se concentrou no velho e bom rock and roll, com um certo sotaque brasileiro. Já morando no Rio de forma comunitária, eles receberam a visita de João Gilberto, e a influência do músico se mostrou evidente no antológico álbum Acabou Chorare (1972). Nele, fortes elementos da música brasileira se uniram com mais força ao rock, gerando dessa forma uma sonoridade ao mesmo tempo moderna e reverente na medida certa ao que já havia sido feito de bom no passado por outros mestres.

No grupo, Moraes sempre foi o mais ligado ao samba, frevo e outros ritmos tipicamente brasileiros, com sua voz swingada e seu violão deliciosamente dedilhado com rara categoria. Suas parcerias com o poeta Luiz Galvão e também com Pepeu Gomes geraram alguns dos maiores clássicos dos Novos Baianos, entre os quais Preta Pretinha, cantada por ele e um sucesso colossal.

Em 1975, Moraes sentiu que era hora de seguir seu próprio caminho, e deixou o grupo para investir em uma carreira-solo. Após o sucesso de uma boa releitura de Se Você Pensa (de Roberto e Erasmo Carlos), que entrou na trilha da novela global Pecado Capital, ele varreu o país todo com o estouro de Pombo Correio. Essa música ajudou a atrair a atenção do público jovem para os maravilhosos trios elétricos, como o dos pioneiros Dodô e Osmar.

Nos anos 1980, Moraes não só se consolidou como um artista de muito sucesso como também teve suas composições gravadas com muito êxito por grandes nomes da MPB, com destaque para Gal Costa, que invadiu as paradas de sucesso com duas dessas composições, as contagiantes Festa do Interior e Bloco do Prazer. Sua romântica Sintonia ganhou as rádios de todo o país lá pelos idos de 1986.

Em 1990, lançou um belo álbum em dupla com o parceiro Pepeu Gomes, Moraes e Pepeu, que emplacou o megahit A Lua e O Mar. A dobradinha renderia mais um álbum, Moraes e Pepeu Ao Vivo no Japão (1994), e seria uma espécie de prévia do sonhado retorno dos Novos Baianos, que ocorreria em 1997 com direito a um álbum duplo gravado ao vivo, Infinito Circular, e uma turnê de sucesso. O grupo voltaria a se reunir em outras ocasiões, sempre com grande repercussão.

Tive a oportunidade de entrevistar Moraes e também os Novos Baianos algumas vezes, e sua lucidez sempre se mostrava presente. Ele soube transmitir essa sabedoria para seu filho Davi Moraes, que iniciou a carreira tocando com o pai e depois soube enveredar por um trabalho próprio e também ao lado de grandes artistas como Maria Rita, Ivete Sangalo, Vanessa da Mata, Caetano Veloso e Marisa Monte, entre outros.

Bastante ativo, Moraes há pouco publicou em suas redes sociais um belo cordel (em sua própria definição) intitulado Quarentena, no qual comentava as incertezas de nossos dias atuais. Uma bela despedida para um artista que nos deixou grandes lições de brasilidade, musicalidade e poesia.

Pombo Correio– Moraes Moreira:

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