Por Fabian Chacur

Modéstia à parte, tenho um currículo dos mais legais em termos de shows vistos e apreciados nesses anos todos de vida. Existia, no entanto, uma lacuna bastante significativa nele: nunca havia conferido uma apresentação ao vivo de Joyce Moreno, essa autêntica joia rara da MPB. Felizmente, esse vazio foi preenchido no último domingo (27) no Sesc Bom Retiro (SP).

Valeu a espera. Em aproximadamente 1h15, ficou claro o porque gosto tanto da música feita por esta cantora, compositora e violonista carioca, cujos 65 anos de idade não parecem nem 40. Joyce Moreno, para mim, é sinônimo de finesse musical e pessoal. Sua musicalidade é desenvolvida de forma classuda, sofisticada e elaborada, mas com resultado facilmente assimilável por quem tem sensibilidade e bom gosto.

Neste novo show, ela privilegiou músicas de seu novo CD, Tudo, composto apenas por músicas inéditas e que já nasce como um clássico, tal a consistência de seu repertório. Prova concreta de que, embora tenha um passado de glórias como o fenomenal álbum Feminina (leia texto sobre ele aqui) e um repertório repleto de bons momentos, Joyce quer mesmo é olhar para frente, oferecer novidades aos fãs e não dormir em cima das conquistas anteriores.

Músicas como Tudo, Aquelas Canções em Mim, Quero Ouvir João e Pra Você Gostar de Mim são provas de como a autora de Mistérios continua com a inspiração nos trinques, sendo metalinguagem pura o fato de ela ter esse disco lançado no Brasil por uma gravadora denominada Biscoito Fino. Pois é exatamente isso o que ela nos oferece, sofisticados e deliciosos biscoitos musicais.

Além das músicas novas, Joyce também nos deslumbrou com releituras de obras alheias como Águas de Março e Adeus América e também algumas de suas pérolas do passado presente, entre as quais Feminina, Clareana (uma das mais belas e singelas canções de boas vindas de todos os tempos) e Essa Mulher. Músicas que soavam, soam e sempre soarão como novas, pois música boa é para sempre.

A musicalidade do quarteto que apresentou essas músicas merece um capítulo à parte. Joyce é aquilo que se sabe: voz controlada com maestria e capaz de unir sobriedade, personalidade cool, afinação máxima e muita emoção, sempre. Seu violão é um banho de ritmo, uma batida de mão direita de entortar os olhos dos observadores e fluência em harmonizações sempre inteligentes e perfeitas.

A seu lado, o parceiro de uma vida, o lendário baterista Tutty Moreno, cuja sutileza no uso das baquetas é merecedor de um estudo. Como o sujeito é capaz de tocar de forma tão precisa, tão poderosa e ao mesmo tempo tão discreta, sempre capaz de ressaltar partes específicas das canções com tanta classe? Tutty é um baterista raro, mezzo jazz, mezzo MPB, mezzo tudo, sempre nas doses certas.

O baixista Rodolfo Stroeter, dos grupos Pau Brasil, Grupo Um, Divina Increnca e carreira solo, além de ter acompanhado Edu Lobo, Chico Buarque e outros desse gabarito, dividiu-se entre baixo acústico e elétrico e se mostrou uma verdadeira âncora musical, segurando a parte rítmica e interagindo com os outros músicos de forma sólida, fluente e swingada. Um craque.

Na função de solista, o pianista Rafael Vernet deu provas de ter uma sólida formação musical, mas sempre utilizada sem virtuosismos excessivos ou “viagens ao centro do umbigo”, como alguns músicos similares infelizmente fazem. Esse aqui, não. Vernet joga em função da música, solando com maestria e se aproveitando divinamente da bela base oferecida pelos colegas.

Em resumo, o show de Joyce Moreno no Sesc Bom Retiro foi uma prova concreta de que é possível fazer música popular de altíssimo teor criativo sem deixar de lado a busca pelo prazer auditivo e por aquele swing que nos faz bater os pés, mexer as cabeças e querer bailar o tempo todo. Desculpe, Joyce, mas, com todo o respeito, eu não quero ouvir João algum. Quero é ouvir você e seus asseclas, uma, duas, quantas vezes for possível.

Ouça músicas do CD Tudo, de Joyce Moreno: