Por Fabian Chacur

No press-release enviado à imprensa junto com seu recém-lançado álbum Samba Mesmo (Volumes 1 e 2) pela gravadora Som Livre, Jair Rodrigues afirmava, ao comentar seus 75 anos de idade e 55 de carreira artística: “A gente só para quando Deus leva. E eu converso sempre com Ele pra me deixar ainda bastante tempo por aqui”. Infelizmente, a realidade foi outra, bem menos agradável.

Jair Rodrigues, o Cachorrão, o cara mais simpático da história da MPB, um verdadeiro dínamo de alto astral, alegria, carisma e simpatia, um dos melhores cantores de todos os tempos, saiu desta dimensão nesta quinta-feira (8) para encontrar com sua parceria e amiga Elis Regina. Vítima de infarto, ele foi enterrado nesta sexta-feira (9) no Cemitério do Morumbi.

Entrevistei inúmeros artistas nesses meus 29 anos como jornalista, mas poucos se mostravam tão bem-humorados e acessíveis como o Jairzão. Tive a oportunidade de fazer isso várias vezes, sendo a melhor de todas há uns 20 e poucos anos, em um local nobre: o sítio no qual morava, em Cotia, o mesmo no qual infelizmente encontrou o seu momento derradeiro de vida.

Eu e o fotógrafo que me acompanhou para a matéria fomos extremamente bem recebidos, com direito a uma deliciosa limonada feita com limão galego extraído do pomar ali localizado. Era uma delícia conversar com esse cara, pois as histórias sempre valiam a pena, ainda mais contadas com tanto bom humor, simpatia e carisma. Duvido que alguém não gostasse dele no meio artístico. Como resistir a tanta alegria?

Nascido em 6 de fevereiro de 1939 na cidade de Igarapava (SP), Jair batalhou muito até conseguir seu espaço no meio artístico, o que ocorreu de fato a partir do estouro em 1964 com Deixa Isso Pra Lá, aquele samba descontraído que hoje é considerado pioneiro do rap nacional. No ano seguinte, a parceria com Elis Regina se iniciou, gerando três LPs e o programa O Fino da Bossa.

Sua performance em 1966 no 2º Festival da MPB interpretando Disparada ajudou a firmá-lo de uma vez por todas no cenário da música brasileira. Dono de um vozeirão e swing inconfundíveis, ele se consagrou inicialmente como sambista, mas também se deu bem ao abraçar gêneros musicais como a seresta e a música sertaneja, esta última com o megassucesso de A Majestade o Sabiá, música de Roberta Miranda gravada por Jair em parceria com a dupla Chitãozinho & Xororó.

A partir dos anos 80, continuou lançando novos discos e fazendo shows. Se não emplacou novos hits nas paradas de sucesso, nunca foi esquecido, sendo figura constante em programas de TV, shows e na mídia. O sucesso de seus dois filhos na carreira artística, o cantor e músico Jair Oliveira e a cantora Luciana Mello, ajudou nessa permanente evidência.

Samba Mesmo Volumes 1 e 2 mostra o mestre em ótima forma, relendo sambas e clássicos da MPB com categoria. Produzido por Jair Oliveira, os dois álbuns são ótimos, e trazem músicas como Fita Amarela, Conceição, No Rancho Fundo (dueto com a filha Luciana), Apesar de Você, Trem das Onze e Barracão. Jairzão também participou do DVD/CD Jair Oliveira 30, lançado recentemente pelo filho (leia a crítica aqui). Uma bela despedida.

Será difícil, a partir de agora, ouvir sua fantástica interpretação para a música Tristeza sem um travo de amargura na garganta. É só lembrar dos primeiros versos: “tristeza, por favor vá embora, minha alma que chora…” A única forma é ouvir os discos e registros de vídeo desse grande ser humano e grande artista. E lembrar do gostinho daquela maravilhosa limonada…

Disparada, com Jair Rodrigues:

Tristeza, com Jair Rodrigues: