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Por Fabian Chacur

Se eu tiver de listar minhas 10 gravações favoritas de todos os tempos, acho difícil não incluir a versão ao vivo de Tonight’s The Night feita em 1978 por Betty Wright. Por isso, é muito dolorido ter mais uma vez de fazer um obituário sobre uma artista da qual eu gosto muito. A espetacular cantora, compositora e arranjadora vocal americana teve a sua morte anunciada neste domingo (10), de causa ainda não revelada. Com apenas 66 anos de idade, deixa uma obra repleta de clássicos.

Nascida em Miami, Flórida, em 21 de dezembro de 1953, Betty mergulhou no mundo da música ainda criança. Como boa parte dos artistas negros americanos, esse início foi na música gospel, cantando hinos religiosos e canções com essa temática. Em 1966, no entanto, resolveu entrar no cenário da música secular, como os evangélicos chamam a canção não religiosa. Em 1968, lançou seu primeiro álbum, My First Time Around, em um selo que seria a semente da futura T.K. Records, a gravadora mais influente de Miami.

O primeiro hit gravado por Miss Wright não foi qualquer um. Trata-se de Clean Up Woman (ouça aqui), explosiva canção dançante com cunho feminista de Clarence Reid e Willie Clarke que invadiu as paradas de sucesso, atingindo o topo da de r&b e ao 6º posto no chart pop dos EUA.

Era o início de um repertório dos melhores. Com a certeira Where Is The Love (ouça aqui), Betty ganharia um Grammy na categoria melhor canção r&b de 1975 e firmaria seu estilo, com uma voz potente e assertiva que, no entanto, também trazia muita melodia e sensualidade. A música foi escrita por ela em parceria com Willie Clarke e a dupla Harry Wayne Casey e Richard Finch, líderes do célebre grupo KC & The Sunshine Band.

Na mesma época, ela lançou a versão de estúdio de Tonight’s The Night, parceria dela com Willie Clarke. Mas a gravação definitiva desta canção surgiu em seu espetacular álbum Betty Wright Live (1978), na qual o groove da canção é realçado e ela inclui uma introdução na qual explica como se inspirou na sua primeira relação sexual para escrever a letra, e na reação da mãe quando a ouviu. São mais de oito minutos de puro êxtase auditivo. Enchia as pistas da Chic Show e outros bailes blacks aqui em Sampa City!

Sempre generosa, foi ela quem indiciou George McCrae (do hit Rock Your Baby) e sua esposa Gwen para a gravadora de Henry Stone. Ela repetiria a gentileza em 1977 ao ser a madrinha do cantor, compositor e músico Peter Brown na TK Records, além de participar com destaque do hit da disco music Dance With Me.

Naquele mesmo 1978, gravou um dueto com ninguém menos do que Alice Cooper. A faixa é excelente, No Tricks (ouça aqui), e curiosamente foi lançada originalmente apenas como lado B do single How You Gonna See Me Now, só chegando ao formato CD na caixa The Life And Crimes Of Alice Cooper (1999).A música é uma parceria de Cooper com Bernie Taupin (o maior parceiro de Elton John) e do guitarrista Dick Wagner.

Em 1979, outro momento bem bacana: ela fez os shows de abertura da turnê na qual o grande nome da história do reggae, Bob Marley, divulgou o seu então mais recente álbum, Survival. Belo item no currículo!

Com a falência da T.K. Records, Betty Wright resolveu montar o seu próprio selo, Miss B Records, que teve início em 1985. E em 1987 ela lançou um álbum marcante, Mother Wit, que trouxe como destaque um de seus maiores e melhores hits, a deliciosa No Pain (No Gain) (composição só dela, ouça aqui).

Esse álbum rendeu a ela um disco de ouro, e afirma-se que se trata da primeira artista negra a criar seu próprio selo e conseguir essa façanha, motivada pela vendagem de mais de 500 mil cópias naquela época. Em 1988, a cantora veio a São Paulo para um show patrocinado por uma equipe de bailes, com ótima repercussão e direito a entrevista na TV Globo.

Os anos 1990 trouxeram alguns momentos bacanas. Em 1991, por exemplo, Gloria Estefan a convidou para fazer o arranjo vocal da maravilhosa balada Coming Out Of The Dark, que chegou ao número 1 na parada americana e integra o álbum de muito sucesso comercial Into The Light.

Em 1992, o jovem grupo vocal Color Me Badd estourou mundialmente com a sensual I Wanna Sex You Up, da trilha do filme New Jack City e também integrante de seu primeiro álbum, C.M.B. . O problema é que eles fizeram a música totalmente em cima de Tonight’s The Night, de Betty Wright, e não a creditaram. A questão foi resolvida na Justiça, com a cantora ganhando, no fim das contas, uma boa bolada de direitos autorais.

Betty também atuou como vocalista de apoio (backing vocals) para uma incontável lista de artistas. Além dos já citados por aqui, vale elencar mais alguns: Bill Wyman (ex-Rolling Stones), Timmy Thomas, Johnny Nash, Jimmy Cliff, David Byrne, Jon Secada, Erikah Badu, Billie Myers, Gerald Alston, Phylis Hyman e Clarence Clemons (o eterno saxofonista de Bruce Springsteen).

O sucesso de seu trabalho de arranjadora para Gloria Estefan gerou mais convites, e artistas como Jennifer Lopez e Joss Stone se valeram de seus préstimos profissionais nessa área. Ela também participou de programas de TV e gravou em 2011 o álbum Betty Wright:The Movie, em parceria com o ótimo grupo The Roots. Seu álbum mais recente, Living…Love…Lies, saiu em 2014.

No dia 2 de maio, em sua conta no Twitter, a cantora Chaka Khan pediu preces para Betty Wright, sem dar detalhes do que estava ocorrendo com a cantora. E agora, esta notícia péssima. 2020 está pegando pesado com todos nós, especialmente os fãs de boa música. Descanse em paz, querida Betty! E sua Tonight’s The Night continuará sendo minha trilha sonora, até chegar a minha vez de dar adeus, que espero que demore…

Tonight’s The Night (live)– Betty Wright: