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Por Fabian Chacur

A expressão “rock clássico” era inicialmente usada para denominar trabalhos roqueiros com influência erudita, um sinônimo de rock progressivo. Nos últimos 20 e tantos anos, passou a designar o melhor do rock das décadas de 1950 a 1970, e também artistas atuais influenciados por essa sonoridade de Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple e quetais. Ouvir Ohblackbagual Canção Contaminada, álbum capitaneado pelo gaúcho Bebeto Alves, nos remete ao que há de melhor nesse conceito tão amplo e vago.

Com 40 anos de carreira discográfica, o cantor, compositor e músico oriundo de Uruguaiana (RS) nos oferece em sua discografia composta por mais de 25 títulos um trabalho essencialmente roqueiro, mas repleto de outras influências muito bem digeridas, entre as quais o folk, a milonga e as diversas variações da música gaúcha, e a música portenha. Autor da deliciosa 433, um dos destaques do álbum de 1983 de Kleiton & Kledir (aquele que inclui Nem Pensar, Tô Que Tô e Viva), Bebeto é um cara extremamente gregário e aberto a parcerias.

Canção Contaminada é creditado ao Blackbagual, espécie de “alter ego coletivo” que já havia nos oferecido em 2004/2006 o CD/DVD Blackbagualnegoveio. Além de Bebeto (vocal, guitarra e violões), temos no time Rodrigo Reinheimer (baixo e vocais), Marcelo Corsetti (guitarras) e Luke Faro (bateria). Trata-se de um time coeso ao extremo, que esbanja virulência, tesão e qualidade técnica durante todo o álbum.

O conceito em torno do qual o músico gaúcho criou o repertório deste disco é o novo tempo em que vivemos, no qual a ilusão de que o mundo digital/internético nos deixaria mais livres e próximos se tornou um verdadeiro pesadelo que deixa livros futuristas sombrios como 1984 e Admirável Mundo Novo com cara de contos de carochinhas. Mas Bebeto prefere enxergar esperança em meio a uma verdadeira nuvem de poeira escura que nos circunda.

Bebeto é o autor de todas as faixas do álbum, mas se vale de parceiros certeiros em algumas delas. Humberto Gessinger, por exemplo, que já havia composto e gravado com ele em 2014 a incrível Milonga Orientao (ouça aqui), agora retoma a parceria com seu mestre na incrível e virulenta Outro Nada, um dos destaques do álbum.

O excelente cantor e compositor uruguaio Walter Bordoni é o coautor de Quimera e Bajo La Misma Ciudad, que escancaram essa adorável proximidade do som de Bebeto Alves com o rock uruguaio e argentino. E André Bolívar, que conheceu o rocker gaúcho através da internet, é o parceiro na ótima Águas Barrentas.

Nada melhor do que ouvir um CD (também disponível nas plataformas digitais) conciso como este, no qual nenhuma nota está fora do lugar, e nenhuma música está ali para tapar buracos ou encher linguiça. Aqui, meus amigos, é som pra cabeça, como diriam os antigos, petardo atrás de petardo, e quando você vê, já iniciou novamente a audição.

Com um jeitão meio dylaniano, O Espírito Santo abre o álbum com forte sabor folk-rock. É o início de uma verdadeira festa roqueira, que nos oferece maravilhas como a incrivelmente filosófica Religar, a potente Outro Nada, a deliciosa Quimera, a intensa faixa-título, a radiofônica Tira Mancha e o mantra Você, canto de esperança que encerra um álbum brilhante. Do alto de seus 63 anos de pura sabedoria, Bebeto Alves nos mostra que vale a pena perseverar, mesmo em tempos bicudos. Se existe rock clássico no Brasil, este álbum merece tal rótulo.

Canção Contaminada– Bebeto Alves Ohblackbagual: