Beatles 1966por Fabian Chacur

Pra começo de conversa, achei estranho encontrar esse DVD, The Beatles Live At Budokan 1966, ao preço de apenas R$10,00 em uma das filiais das Lojas Americanas. Ainda mais com o selo Coqueiro Verde, a gravadora da qual Erasmo Carlos e seu filho são sócios. Porque não é da EMI?

Embora sentindo um cheiro de picaretagem ou pirataria no ar, desembolsei os dez contos e levei o DVD para casa. E não me arrependi. Embora a qualidade de imagens e som não seja a ideal (o que pode explicar o fato de a EMI não lançá-lo), vale como belo documento histórico.

Live At Budokan 1966 é o registro de uma fase na qual o show business na área da música pop ainda engatinhava. Basta analisar o local onde eles tocaram, o Budokan Hall, um ginário reservado a disputas de artes marciais e localizado em Tokio. O show ocorrem em 30 de junho de 1966.

Apenas quatro amplificadores estão por lá, um para cada instrumento e o que sobra, para as vozes. A bateria de Ringo Starr ficou em cima de um praticável precário.

Temos apenas três microfones disponíveis, um para Ringo e dois, divididos por John Lennon, Paul McCartney e George Harrison.

O pior fica por conta da “decoração”. A única coisa existente no fundo do palco é um pano horrível, azul, com o nome The Beatles escrito enorme, sendo que cada letra é apresentada como se saísse de um arco-íris.

Nem o mais patético grupo de pagode de hoje faria algo tão brega.

Para piorar, o suporte do microfone usado por McCartney não está bem fixado, e se mexe o tempo todo, desafiando a paciência do sempre cordato e genial cantor, compositor e baixista. “Se esse microfone ficasse parado….”, reclama discretamente, antes de uma das músicas.

A qualidade de reprodução dos microfones também não é das melhores, o que faz que, volta e meia, alguma das vozes suma, levando Lennon, com seu humor sarcástico, a soltar esse comentário: “Espero que estejam gostando, se é que vocês nos ouvem desse microfone”.

Ringo Starr toca durante todo o show com a cara feia. Reza a lenda que ele estava com uma tremenda de uma dor de barriga, e que até grita “quieto!” ao ser ridicularizado por George Harrison em um momento.

Outro detalhe bem curioso é a duração do show. Para quem vai hoje a uma performance de pop rock e reclama quando vê menos de uma hora e meia de espetáculo, fica o registro: os Beatles tocavam durante apenas meia hora. Nem mais, nem menos. E sem direito a bis. Esse era o acordo.

No Budokan Hall, essa duração permitiu a execução de onze músicas. A festa começou com uma versão capenga e mais curta de Rock And Roll Music, visivelmente prejudicada pela levada de bateria de Ringo.

Melhora muito logo a seguir, com uma performance vigorosa de She’s a Woman que, se não é tão boa quanto a do célebre show do Shea Stadium em 1965, não perde tão feio.

As belíssimas vocalizações marcam o desempenho do quarteto em If I Needed Someone, de e com vocais principais a cargo de George Harrison.

O rockão Day Tripper vem a seguir, com pique total. Faixa não tão badalada da discografia dos Beatles, a quase valsa Baby’s In Black vem a seguir, com vocais arrepiantes e a prova de ser uma música fantástica.

I Feel Fine dá prosseguimento ao show com vigor. Gravada em disco só com voz, violão e quarteto de cordas, Yesterday aparece neste show em arranjo com o grupo tudo, e agrada, apesar da levada meio estranha de Ringo.

Se de fato o baterista estava com uma revolução ocorrendo em sua barriga, provou que é macho ao cantar com muita garra e swing I Wanna Be Your Man, um dos momentos mais sacudidos do show.

Outro show de vocalizações ocorre em Nowhere Man, uma das grandes composições de John Lennon para os Beatles, e Paperback Writer, outro daqueles singles fantásticos compostos por Paul McCartney.

O show é encerrado com o rockão básico I’m Down, também com pique abaixo da célebre versão ao vivo do show do Shea Stadium. E, como já havia revelado acima, a banda agradece o público e se manda, sem bis.

Nos extras, temos o registro, em condições técnicas ainda piores do que as do show, da entrevista coletiva concedida à imprensa japonesa. Outro momento bem divertido.

Fica claro que os jornalistas não sabiam muito bem o que perguntar para ídolos pop na época. Então, tome obviedades, do tipo “o que vocês conhecem da cultura japonesa”, “porque usam os cabelos desse jeito” etc.

The Beatles Live At Budokan 1966 é indispensável para fãs dos Beatles, e também muito instrutivo para quem estuda a música pop.

Mas os mais exigentes com a qualidade técnica certamente não irão ficar muito felizes com esse disco. Mas a dez paus é uma pechincha.