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Jards Macalé mostra Coração Bifurcado com shows em SP

Por Fabian Chacur

Aos 80 anos de idade, Jards Macalé permanece muito produtivo, para felicidade de seus inúmeros fãs. Além de ter feito o histórico show ao lado de Caetano Veloso referente ao cinquentenário do álbum Transa do astro baiano, ele nos proporcionou um novo trabalho, Coração Bifurcado. É para apresentar o repertório deste novo bebê sonoro que o cantor, compositor e músico carioca volta a São Paulo para shows neste sábado (2) às 21h e domingo (3) às 18h no Sesc Pompéia (rua Clélia, nº 93- fone 0xx11-3871-7702), com ingressos de R$ 15,00 a R$50,00.

Coração Bifurcado reúne composições inéditas de Macalé ao lado de parceiros como Capinam, Ronaldo Bastos, Kiko Dinucci e Rômulo Fróes, entre outros, e foi concebido levando em conta o atual espirito das coisas no nosso conturbado Brasil. Ele explica melhor:

“Desde antes da pandemia, foi me batendo um sentimento de que o ódio crescia, a cizânia crescia, o desentendimento orgânico no Brasil crescia. Então, eu resolvi fazer um disco falando de amor como um gesto político, mas também amoroso”.

Para acompanhá-lo, ele montou uma banda feminina integrada por Maíra Freitas (teclado, talentosíssima filha de Martinho da Vila), Navalha Carrera (guitarra),Lelena Anhaia (baixo), Aline Gonçalves (sopros), Victoria dos Santos (percussão) e Flavia Belchior (bateria).

O repertório traz canções do álbum como Amor In Natura, A Arte de Não Morrer, Mistérios do Nosso Amor e O Amor Vem da Paz, e certamente incluirá alguns dos clássicos dos mais de 50 anos de carreira deste artista seminal.

OBS.: Jards Macalé divulgou nas suas redes sociais na manhã deste sábado (2) que não tinha condições físicas para realizar os dois shows, que foram adiados para uma data ainda a ser divulgada. Quando tivermos essa confirmação informaremos vocês, queridos leitores.

Amor In Natura– Jards Macalé:

Luiz Gonzaga Jr.- Luiz Gonzaga Jr. (EMI-Odeon-1973)

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Por Fabian Chacur

Quando lançou o seu 1º álbum, Luiz Gonzaga Jr. (1973), no ano em que completou 28 anos, Gonzaguinha já tinha uma trajetória com boas realizações em seu currículo. Não é de se estranhar que soe como um trabalho bastante maduro e bem formatado. Ele entrou em estúdio com experiência suficiente para dar conta do recado com categoria. Para situar bem o leitor, vamos fazer uma viagem por essa fase inicial da carreira deste grande cantor, compositor e músico.

Gonzaguinha foi fruto de um relacionamento de menos de dois anos entre seu pai, Luiz Gonzaga (1912-1989) e a cantora, dançarina e compositora Odaléia Guedes dos Santos. Eles se conheceram quando ela fez vocais de apoio em gravações do Rei do Baião, como integrante do coro de Erasmo Silva. Foi ele quem sugeriu a Gonzaga que hospedasse a jovem artista, que há pouco havia sido expulsa de casa.

Odaléia também atuava no Rio de Janeiro em dancings, salões de baile nos quais os frequentadores pagavam para dançar com as meninas disponíveis, que tinham cartões nos quais marcavam suas atividades. O músico pernambucano não aceitava o jeito mais independente e rebelde da parceira. Mesmo assim, tiveram um filho, que nasceu no dia 22 de setembro de 1945.

Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. teve pouca convivência com a mãe. Por volta de dois meses após o nascimento de Luizinho (como ele era chamado quando era criança), Odaléia foi diagnosticada com tuberculose, e precisou ser internada em Minas Gerais. Gonzagão, então, pediu aos padrinhos da criança, seus amigos desde que chegou ao Rio, em 1939, que cuidassem dele.

Entre idas e vindas, Odaléia acabou falecendo por volta dos 23 anos, quando o filho não tinha nem 4 aninhos. O pai se casou com Helena em 1948, e ela não aceitou que o sanfoneiro levasse o garoto para morar com eles. Aí, os padrinhos, Leopoldina (Dina) de Castro Xavier e Henrique Xavier Pinheiro, o Baiano do Violão, passaram a criar de forma efetiva Luizinho.

Dina sempre fez de tudo para manter o menino próximo do pai, levando-o para visitá-lo de forma regular. Morando no Morro do São Carlos, no célebre bairro do Estácio, um dos berços do samba carioca, Luizinho aprendeu as malandragens na rua e também se apaixonou pela música, inspirado no pai, no padrinho e naquilo que ouvia nas programações das rádios de então- boleros, sambas-canção, baião, som de orquestras etc.

Rebelde e introspectivo, Gonzaguinha resolveu aos 16 anos tentar se aproximar do pai de uma forma mais efetiva, indo morar com ele. A madrasta desta vez aceitou, mesmo a contragosto, e dessa forma duas pessoas com personalidades muito distintas foram aprendendo a se entender aos poucos, mesmo que aos trancos e barrancos.

O autor de Asa Branca queria que o filho tivesse um curso superior, “virasse doutor”, como se dizia na época. Luizinho estudava, mas a música sempre se mostrou uma opção profissional que cresceu cada vez mais na sua vida. E, ao contrário do que alguns pensam, foi exatamente o pai quem lhe abriu as portas na carreira que viria a exercer.

Em 1964, Gonzagão gravou pela primeira vez uma música de seu filho, Lembrança de Primavera (ouça aqui), incluída no seu álbum A Triste Partida e canção que Luizinho escreveu quando tinha apenas 14 anos.

Papai mostrou que tinha fé no seu rebento, pois em seu álbum seguinte, Quadrilhas e Marchinhas Juninas (1965), registrou mais duas canções dele, Matuto de Opinião (ouça aqui) e Boi Bumbá (ouça aqui).

O álbum Canaã (1968), de Gonzagão, marcou o auge desse período, pois inclui nada menos do que quatro composições assinadas por Luiz Gonzaga Jr.: Pobreza por Pobreza (ouça aqui ), Erva Rasteira (ouça aqui), Festa (ouça aqui) e Diz Que Vai Virar (ouça aqui).

Quando resolveu gravar um álbum com canções de novos valores da música brasileira, O Canto Jovem de Luiz Gonzaga (1971), o Rei do Baião obviamente não iria deixar seu filho de fora, e não só registrou Morena (ouça aqui) como convidou-o para um dueto na releitura de Asa Branca (ouça aqui).

Completa essa sequência a música From U.S. Of Piaui (ouça aqui), composição de Gonzaguinha que Gonzagão gravou em seu álbum Aquilo Bom (1972). Vale registrar que o jovem compositor, que raramente pedia dinheiro ao pai, teve como ganhos iniciais no mundo musical exatamente os direitos autorais provenientes dessas gravações.

Entre 1964 e 1972, portanto, Luiz Gonzaga gravou nada menos do que 9 composições do filho em seus discos. De quebra, ainda foi o padrinho de casamento do seu herdeiro em 1971, com Angela Porto Carreiro. Ou seja, aquela história de que eles só se entenderam a partir de 1979, quando gravaram juntos A Vida do Viajante, é pura balela.

Uma das razões pelas quais Gonzaguinha passou a morar com o pai foi para poder ingressar em uma universidade, algo que seus padrinhos não tinham como ajudá-lo a fazer em termos financeiros. E isso ocorreu em 1967, quando ele entrou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes com o intuito de se tornar economista.

A entrada no meio universitário o ajudou a se aproximar de outros talentos musicais. O primeiro trabalho de Gonzaga Jr. fora do universo do pai ocorreu quando compôs a trilha sonora da peça teatral Joana em Flor, do grupo teatral Arena da Ilha (no caso, a do Governador). Nessa mesma época, foi levado pela amiga Angela Leal (que depois se tornaria uma famosa atriz) a uma certa casa situada na rua Jaceguai nº 27, no bairro da Tijuca.

Naquela residência simples de classe média, o médico Aluizio Porto Carrero, que também era músico, fazia reuniões musicais no melhor espírito dos saraus de antigamente. Ele, a esposa Maria Ruth e as filhas Angela e Regina recebiam jovens amigos, geralmente estudantes universitários, para tocar música e conversar. Gonzaguinha se sentiu à vontade logo na primeira visita.

Em 1968, Gonzaguinha lançou o seu primeiro disco, um compacto simples produzido por conta própria incluindo Tema Joana em Flor (ouça aqui), da trilha da peça teatral Joana em Flor, e Pobreza por Pobreza (ouça aqui).

Esta última, além de ter sido posteriormente gravada pelo pai, participou do I Festival Universitário da Música Brasileira, realizado pela TV Tupi. A composição ficou entre as finalistas, e acabou incluída no LP do evento em interpretação do cantor Jorge Nery (ouça aqui ). E foi ali que ele conheceu um de seus melhores amigos na cena musical, Ivan Lins.

Vale dizer que, a partir de 1965, os festivais de música se tornaram a grande plataforma através dos quais os novos nomes chegavam ao grande público. Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jair Rodrigues, entre outros, ganharam fama participando dessas competições organizadas pelas emissoras de TV.

Interagindo na casa da rua Jaceguai com Ivan Lins (que também se tornou figura assídua por lá), Aldir Blanc, Cesar Costa Filho, Guinga e outros jovens talentos, Gonzaguinha foi mergulhando cada vez mais na cena dos festivais, e em 1969 foi o vencedor do II Festival Universitário, da TV Tupi, com a música O Trem (Você se Lembra Daquela Nega Maluca Que Desfilou Nua Pelas Ruas de Madureira?) (ouça aqui).

Com elaborado arranjo fortemente influenciado pelo jazz de artistas como Miles Davis e escrito pelo consagrado músico Luizinho Eça, O Trem recebeu vaias intensas do público, obviamente não preparado para ouvir algo tão refinado, e com uma letra profunda e inspirada na fugacidade e dificuldade da vida de uma pessoa comum.

A vitória valeu a Luiz Gonzaga Jr. um contrato com o selo Forma, da gravadora Philips. Naquele mesmo 1969, outro resultado expressivo: venceu na categoria melhor letra com Moleque (ouça aqui) no 5º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.

Em 1970, a turma da Rua Jaceguai resolve participar do 5º Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela Rede Globo. Embora apresentem suas músicas de forma individual, os integrantes usam coletes da mesma cor e se definem como MAU (Movimento Artístico Universitário).

Ivan Lins atinge o 2º lugar, com O Amor é o Meu País, e Gonzaguinha fica com o 4º posto com Um Abraço Terno em Você, Viu, Mãe? (ouça aqui), canção que cita Asa Branca e é claramente inspirada em Tropicália, também aproveitando elementos de versos da mesma.

No III Festival Universitário da Canção, Gonzaguinha participa com Parada Obrigatória Para Pensar (ouça aqui), que seguia a mesma fórmula elaborada de O Trem e lhe valeu um honroso 4º lugar na classificação geral.

O bom desempenho dos integrantes do MAU no 5º FIC chamou a atenção de sua organizadora, a TV Globo, que pensava em fazer um programa musical dedicado aos jovens. Surgiu, dessa forma, o Som Livre Exportação, que no início de 1971 trazia como apresentadores Ivan Lins e Elis Regina e a turma de universitários participando, entre eles Gonzaguinha.

Após o contrato inicial, de dois meses, a Globo ofereceu renovação a apenas três integrantes do MAU: Ivan, Gonzaguinha e Cesar Costa Filho. Eles aceitaram, e assim tivemos o fim do movimento. O programa durou aquele ano de 1971, e teve boa repercussão perante o público.

Gerou o lançamento de dois LPs com performances dos convidados e dos apresentadores, com duas músicas inéditas de Gonzaguinha: Eu Quero (ouça aqui), bastante inspirada em Batmacumba, de Gilberto Gil, e Raça Superior (ouça aqui), ironizando o brasileiro naquele momento.

Mesmo com a presença expressiva de Luiz Gonzaga Jr. nos festivais e na mídia, o selo Forma não se mostrava animado em investir em um LP dele. Naquele ano efervescente, lançaram apenas um compacto simples (com Afriasiamérica) e um compacto duplo que destacava a faixa Por Um Segundo.

Por Um Segundo (ouça aqui), com sua roupagem meio soul pop que caberia feito luva na voz de Wilson Simonal, foi a que mais tocou em rádios, e é excelente, embora à parte do estilo habitual do cantor e compositor carioca.

A experimental e roqueira Afriasiamérica (ouça aqui), a lírica e no melhor estilo voz e violão Felícia (ouça aqui) e a deliciosa Plano Sensacional (ouça aqui), com inspiração no estilo de Milton Nascimento, são provas da qualidade da sua produção na época.

O compacto duplo era completado por Sanfona de Prata (ouça aqui), uma tocante homenagem ao pai que ressalta sua proximidade com o povo e as viagens pelo país inteiro divulgando a cultura popular. Embora ainda em processo de amadurecimento, ele já merecia a deferência de lançar um LP.

Com o fim do Som Livre Exportação e o aparente desinteresse da Forma/Philips em investir mais forte na sua carreira, Gonzaguinha assinou em 1972 um contrato com a EMI-Odeon.

Sua estréia na nova casa fonográfica foi no formato compacto, trazendo uma nova e bem melhor versão de Pobreza Por Pobreza (ouça aqui) e Mundo Novo Vida Nova (ouça aqui), linda canção que em 1969 foi interpretada por Claudete Soares no 2º Festival Universitário da Música Brasileira e em 1980 seria gravada por Elis Regina no álbum Saudade do Brasil.

O último lançamento daquele 1972 foi Depois do Trovão (ouça aqui), que concorreu no 5º Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora e foi incluída no LP com músicas daquele evento em versão ao vivo voz e violão, na qual Gonzaguinha cita novamente Asa Branca.

As músicas lançadas pelo autor de Explode Coração no selo Forma foram reunidas e lançadas no CD Gonzaguinha (2001), em ótimo trabalho do pesquisador Marcelo Fróes. Só ficou de fora Raça Superior, lembrando que as versões originais de Tema Joana em Flor e Pobreza por Pobreza são de um compacto independente. Esta última entrou no CD com Jorge Nery.

Em 1973, portanto, Luiz Gonzaga Jr. estava mais do que pronto para lançar um consistente álbum de estreia. E foi exatamente isso o que ele fez. A direção musical ficou a cargo do então já veterano Maestro Lindolfo Gaya (1921-1981). Para atuar como assistente de produção, orquestrador e regente, entrou em cena o brilhante J.T. Meirelles (1940-2008), conhecido por sua atuação com o grupo Copa 5.

O principal mérito dos arranjos neste álbum é não se perder em climas rebuscados que eventualmente frequentavam algumas gravações na época. As roupagens sonoras procuravam enfatizar as letras e os vocais.

O disco não traz ficha técnica completa, mas é possível deduzir que o guitarrista e violonista Sidney Mattos(que é citado nos agradecimentos especiais) tenha tocado nele, pois o músico tinha sido colega de Gonzaguinha no MAU e está na ficha técnica do segundo álbum do artista, de 1974.

A capa é enigmática. De forma apressada, pode parecer uma foto do artista em um porta-retratos cujo vidro estaria rachado. No entanto, se olharmos mais atentamente, podemos imaginar que seja, na verdade, o reflexo de Gonzaguinha em uma janela ou espelho, que estava refletindo também uma árvore. Como a outra foto do álbum traz o cantor atrás de plantas, esta segunda hipótese se mostra a mais pertinente.

As 10 faixas deste trabalho giram em torno de estilos musicais que seriam constantes nos álbuns de Gonzaguinha. Basicamente, bolero, baião, samba e rock sob o viés de Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Vamos a uma análise música a música deste LP.

Sempre Em Teu Coração (ouça aqui)

O álbum abre com uma canção lírica, com um delicado arranjo de cordas ao fundo e violão conduzindo tudo. A influência do Clube da Esquina se mostra nítida. A letra é ambientada em um salão de danças, certamente inspirada na atuação da mãe Odaléia, e cita a Orquestra de Waldir Calmon (1919-1982), que viveu o seu auge na década de 1950, ou seja, na infância-adolescência de Gonzaguinha. Ele exploraria esse mesmo universo futuramente.

Minha Amada Doidivanas (ouça aqui)

Neste bolero estilizado, o ouvinte desavisado pode achar que se trata de alguém lamentando um amor persistente por uma pessoa que o despreza em nome de outra pessoa-paixão. No entanto, a citação de trecho do Hino Nacional Brasileiro (para ser mais preciso, “No Teu Seio Mais Amores”) e os versos “dói saber, amada tropicana, somente eu não estou a fim de te explorar, doidivana” deixam claro se tratar de lamentações contra a ditadura militar que deitava e rolava naquele cinzento Brasil de 1973.

Página 13 (ouça aqui)

Em sua carreira, Gonzaguinha sempre se mostrou um ácido cronista do cotidiano brasileiro. Aqui, em uma mistura de samba-canção e jazz rock (com passagens de metais e guitarra simplesmente matadoras), narra a tragédia ocorrida com um vizinho que ele tinha em grande conta por razões absolutamente superficiais, e que acabou virando estrela macabra de matéria em um jornal popular. Ele tira conclusões acerca de um cara que viveu por 10 anos na vizinhança, e que ele só encontrava no elevador e de quem nem sabia o nome, “ele nunca falou”. Obra-prima, raramente citada.

Românticos do Caribe (ouça aqui)

Essa faixa é mais uma prova concreta de como o romantismo sempre fez parte da obra deste artista, taxado por alguns apressados como “cantor-rancor” nessa sua fase inicial. Com direito a uma guitarra jazzística e musicalidade envolvente, o tema aqui é uma relação afetiva que de certa forma entrou no piloto automático, longe da paixão dos tempos iniciais. E o que Gonzaguinha propõe é exatamente isso, a retomada do prazer da dança ao som de um bom bolero à meia luz. O romance resiste!

Sim, Quero Ver (ouça aqui)

Com tempero de samba-canção e acompanhamento em ritmo meio marcial, o tema aqui é o desejo de ver a festa de volta, “sem máscaras negras e com o pierrot vencendo o arlequim”. Lógico que o assunto aqui é o repúdio à ditadura militar e o sonho do retorno à democracia. A interpretação sutil e delicada em termos vocais mostra o quanto o Gonzaguinha cantor havia amadurecido em relação aos anos anteriores.

A Felicidade Bate à Sua Porta (ouça aqui)

Um dos temas recorrentes de Gonzaguinha é o retorno da festa, da alegria, de um tempo mais alegre e pra cima, em meio àqueles anos de chumbo vividos durante a ditadura militar. Aqui a abordagem é do tipo vamos voltar aos bons tempos da felicidade com a ajuda de um certo trem da alegria, “e que importa a mula manca, se eu quero…”. O arranjo pende para o rock latino percussivo. Com uma roupagem disco music, esta canção se tornaria o primeiro hit das Frenéticas, em 1977.

Palavras (ouça aqui )

Este samba-canção com um certo tempero de fado é explícito ao condenar quem fala muito e não faz nada para minorar ou mesmo acabar com o sofrimento e a tristeza. O ouvinte mais atento pode identificar ecos melódicos de Negue (Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos), clássico da nossa música que fez sucesso nas vozes de Nelson Gonçalves, Maria Bethânia e até do Camisa de Vênus.

Moleque (ouça aqui)

Esta canção equivale a um auto-retrato do autor, lembrando de suas origens como moleque nas ruas do Morro do São Carlos, onde aprendeu muito sobre a vida e firmou sua personalidade irreverente, contestatória e inconformista. A gravação original de 1969 trazia um arranjo orquestral um pouco rebuscado demais. Aqui, o acompanhamento é exato, com ênfase na parte rítmica (bem nordestina), uma flauta precisa e o vocal de Gonzaguinha mandando uma de suas melhores letras. Ele a regravaria em 1977, em pot-pourry com Festa, no álbum intitulado, não por acaso Moleque Gonzaguinha. Uma das canções essenciais do songbook gonzaguiano.

Comportamento Geral (ouça aqui)

Se em outras canções tínhamos críticas feitas de forma um pouco mais sutil, aqui o filho do Rei do Baião vai direto ao assunto, ironizando o conformismo das pessoas ao aceitar as imposições dos patrões e dos ditadores de plantão. “Você merece, você merece, tudo vai bem, tudo legal, cerveja, samba e amanhã, seu Zé, se acabarem com o teu carnaval?”, diz o ácido refrão. Este samba fantástico foi lançado em compacto simples que rapidamente vendeu mais de 20 mil cópias, especialmente após ter sido apresentado no Programa Flávio Cavalcanti, uma das maiores audiências da TV de então. Outro momento estelar da obra de Gonzaguinha.

Insônia (ouça aqui)

O momento mais introspectivo e tenso do álbum, e que o encerra, começa com o tic-tac de um relógio e flagra alguém na cama, de madrugada, tenso e obviamente inseguro com aqueles dias cinzentos, com versos agudos como “e esse lençol gelado,e esse sono que não vem”.

A versão em CD de Luiz Gonzaga Jr. saiu em 1997 incluindo como faixa-bônus Depois do Trovão (ouça aqui).

Com a grande repercussão obtida por Comportamento Geral, a censura se mostrou implacável e determinou não só o recolhimento do compacto simples como também do álbum, que só seriam liberados novamente em 1980, quando vivíamos a abertura.

Embora reflita aquele tempo tão difícil, trata-se de um trabalho repleto de musicalidade, esperança e fé em um futuro melhor, e que seria uma espécie de template (molde) para os trabalhos posteriores de Gonzaguinha, artista que se valeu com rara habilidade da autorreferência e do desenvolvimento de um mesmo tema em várias canções diferentes, marca também de Belchior, vale registrar.

Ouça Luiz Gonzaga Jr. (1973) em streaming na íntegra:

Ivan Lins dá uma geral em seus sucessos no Bourbon Street (SP)

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Por Fabian Chacur

Quando ouço o nome Ivan Lins, sempre me vem à mente o fato de ele ser menos reconhecido do que merece em termos de crítica no Brasil do que no exterior, onde é cultuado em vários e vários países. No entanto, isso não o impede de ter um público fiel, que sempre lota seus shows por aqui. E isso certamente ocorrerá neste domingo (2) às 19h30 em São Paulo no Bourbon Street (rua dos Chanés, nº 194- Moema- fone 11 5185-6100- saiba mais informações aqui).

O novo show deste brilhante cantor, compositor e tecladista carioca tem como título A Gente Merece Ser Feliz, nome do lindo samba composto por ele em parceria com o grande Paulo Cesar Pinheiro e lançada em 2006 no álbum Acariocando. É uma forma de registrar o momento atual pelo qual o brasileiro passa, querendo deixar para trás o sofrimento desses últimos anos.

O repertório dá uma geral nos mais de 50 anos de carreira de Ivan, com direito a clássicos do gabarito de Madalena, Novo Tempo, Começar de Novo e Vitoriosa, só para citar alguns deles. A ideia é trazer o público para cantar junto e curtir essas canções que marcaram época e se mantém na memória afetiva dos fãs da melhor música brasileira.

O formato do show será compacto, com Ivan (no vocal e teclados) tendo a seu lado Marco Brito (teclados) e o genial Mario Manga (guitarra, violão e cello), este último conhecido como um dos líderes do Premeditando o Breque e um desses músicos versáteis e criativos capazes das mais surpreendentes e lindas sonoridades. Será difícil não sair de alma lavada dessa apresentação…

A Gente Merece Ser Feliz– Ivan Lins:

Belchior é bem apresentado em Apenas Um Coração Selvagem

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Por Fabian Chacur

Os dez últimos anos da vida de Belchior (1946-2017) foram tão marcados pelo sensacionalismo da mídia em geral que todos os projetos que forem feitos em prol de reabilitar a sua imagem como um seminal cantor, compositor e músico devem ser louvados. E esse é precisamente o caso de Apenas Um Coração Selvagem, documentário de Camilo Cavalcanti e Natália Dias que será exibido no canal a cabo Curta! neste sábado (4) às 15h45 e domingo (5) às 22h15.

Com 90 minutos de duração, o documentário se vale de diversas entrevistas concedidas pelo autor de Apenas Um Rapaz Latino Americano durante a sua vida para servirem como narração, através da qual é apresentada a sua trajetória. O material foi muito bem pesquisado, e é legal poder conferir as memórias e pontos de vista de Belchior em várias fases de sua vida.

Além dos ótimos depoimentos dele, também temos apresentações ao vivo em shows e em programas de TV, que servem como bons exemplos não só da excelência e peculiaridade da obra do artista cearense, mas também para registrar o quanto ele era não só um inspirado compositor, mas também um extremamente competente intérprete, no seu estilo de trovador eletrônico.

Nesse aspecto, dois momentos são particularmente arrepiantes. Um é Bel (como seus amigos mais próximos o chamavam) mostrando toda a sua categoria como cantor em Paralelas.

Outro é uma performance simplesmente sensacional de Elis Regina interpretando Como Nossos Pais. As gravações de Elis dessa música e de Velha Roupa Colorida abriram o caminho para o compositor enfim estourar nacionalmente, já aos 30 anos de idade, com o antológico Alucinação (1976).

Como os autores optaram por não colher depoimentos atuais sobre Belchior, a excelente montagem feita pelo craque Paulo Henrique Fontenelle nos dá um clima de como se estivéssemos absorvendo as informações no tempo em que as mesmas estavam ocorrendo.

Isso evita um tom de endeusamento do artista, mostrando até mesmo momentos em sua carreira nos quais a crítica foi ácida com ele, e suas reações em relação a isso, sempre com muita classe e também uma pitada de acidez bastante compreensível para quem chegou a ser avacalhado.

Quem teve a oportunidade de conhecer e conviver com Belchior sabe o quanto ele era acessível, simpático e inteligente, e essas características surgem naturalmente durante Apenas Um Coração Selvagem.

A boa sacada fica por, na parte final do documentário, mostrar apenas de passagem aqueles dez anos de folclorização da vida particular do artista, vendido como um fujão, picareta e maluco. Esse período surge com citações rápidas de programas de TV e imagens de matérias de jornais e revistas.

Aquilo foi muito triste, pois entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 2000, Belchior ficou praticamente no limbo, ignorado por TVs, rádios e quetais, mesmo sendo acessível e tendo o que falar. Virar personagem de programas sensacionalistas nos seus anos finais foi realmente algo que ele não merecia, independente do que ocorreu naqueles anos dolorosos.

Belchior Apenas Um Coração Selvagem é uma bela forma de apresentar às novas gerações um dos grandes nomes da nossa cena cultural, alguém que soube usar a música e a poesia de forma inspiradíssima e própria, gerando assim uma obra que certamente permanecerá.

Lógico que não esgota o assunto, o que seria impossível em um único filme, mas certamente se torna indispensável para quem quer ter uma ideia de quem foi esse artista como também para quem, como eu, tem muita saudade daquele rapaz latino americano tão talentoso e tão gente boa.

Leia mais sobre Belchior aqui.

Belchior Apenas Um Coração Selvagem- trailler:

Alceu Valença e Paulo Rafael em uma inspirada despedida

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Por Fabian Chacur

Surpreendido pela pandemia, Alceu Valença usou como forma de se distrair durante o confinamento exigido pela situação extraordinária tocar e tocar seu violão. Dessa forma, ele selecionou 33 músicas, entre sucessos, lados B, composições alheias e algumas inéditas, e gravou três álbuns em 2021 via gravadora Deck, todos disponíveis em lindas edições digipack em CD: Sem Pensar no Amanhã, Senhora Estrada e Saudade. Todos no esquema voz-violão.

No mesmo período, ele gravou um 4º álbum, ao lado de seu parceiro musical de 46 anos, o grande guitarrista e violonista pernambucano Paulo Rafael. O que não estava na programação, outra surpresa inesperada, foi a partida daquele músico genial em 23 de agosto de 2021, aos 66 anos. O trabalho chegou às lojas e às plataformas digitais em 2022, com o título Alceu Valença e Paulo Rafael, e equivale a uma inspirada despedida.

Alceu toca seu violão e canta com uma voz menos agressiva e mais aveludada do que na fase de seu estouro nas paradas de sucessos, nos anos 1970 e 1980. O resultado é ótimo, ainda mais contando com o apoio da guitarra, violão e viola tocadas com maestria por Paulo Rafael.

Uma composição é inédita, a linda Fada Lusitana, que encerra o repertório de 11 faixas com muito lirismo e inspiração. Sabiá (Luiz Gonzaga- Zé Dantas) é a única não autoral. As outras 9 foram registradas originalmente por Alceu Valença entre 1974 e 2019.

A ordem das músicas no álbum é muito bem sacada, e um bom exemplo é o fato de Eu Vou Fazer Você Voar e Girassol antecederem Anunciação, sendo que ambas são posteriores e trazem ecos melódicos e poéticos desse megahit do artista pernambucano, que ficou arrepiante nessa nova roupagem.

Uma pena essa parceria de quase 50 anos ter sido desfeita pela partida prematura de Paulo Rafael, mas ao menos teve um encerramento digno de todas as conquistas musicais obtidas por eles.

Anunciação– Alceu Valença e Paulo Rafael:

João Bosco, voz e violão, em show no Bourbon Street (SP)

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Por Fabian Chacur

Um dos melhores shows que vi na minha vida (e olha que eu vi centenas, quem sabe milhares deles!) foi no Centro Cultural São Paulo, lá pelos idos de 1984. No palco, João Bosco, no melhor estilo voz e violão. Em casa mais do que lotada, o cara deu simplesmente uma aula de música. E é exatamente neste formato, no qual ele se dá muito bem, que esse grande cantor, compositor e exímio violonista mineiro se apresentará neste domingo (11) às 19h30 em São Paulo.

O local será o Bourbon Street (rua dos Chanés, nº 213- Moema- fone 0xx11 5095-6100), com ingressos a R$ 165,00. Com direção de produção a cargo do grande Zé Luiz Toledo, Bosco se incumbirá de dar uma geral em algumas das músicas mais legais de seu vasto repertório, construído em cinco décadas de uma carreira impecável que lhe deu fama sólida no Brasil e também no exterior, onde faz turnês constantes e bem-sucedidas.

Aos 76 anos de idade, o autor de O Bêbado e a Equilibrista, A Nível de…, Bala Com Bala, Linha de Passe e tantos outros clássicos da nossa música (muitos deles em parceria com o saudoso Aldyr Blanc), João Bosco continua esbanjando energia e categoria, naquela mescla de samba, bossa nova, bolero, latinidades, brasilidades e “jazzistidades” mil. Tipo do show do qual você sai com a alma lavada e vontade de ver e ouvir mais.

A Nível de…(ao vivo)- João Bosco:

Paulinho da Viola: 80 anos do mestre zen da nossa música

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Por Fabian Chacur

Trabalhar como jornalista especializado em música já me proporcionou alguns momentos de raro prazer. Entre eles, coloco as oportunidades que tive de entrevistar alguns grandes nomes. Entre eles, destaco Paulinho da Viola, que neste sábado (12) completa 80 anos de idade. É o Mestre Zen da MPB.

Simpático, inteligente e articulado, Paulinho é daqueles entrevistados dos sonhos, pois facilitam e muito a tarefa do repórter. Sua humildade é impressionante. Após a primeira ocasião em que tive a honra de entrevistá-lo, pedi um autógrafo em uma coletânea de vinil com seus maiores sucessos. Olha o que ele escreveu: “obrigado pelo papo”. Eu é quem deveria agradecer!

Nascido em 12 de novembro de 1942 no Rio, Paulinho começou a se tornar conhecido do grande público nos anos 60, e estourou em termos de popularidade com o espetacular samba Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida, em 1970. A partir daí, suas músicas ganharam as paradas de sucesso, aliando qualidade artística e apelo comercial.

O maior mérito dele em termos artísticos é provavelmente o fato de dialogar tanto com as gerações anteriores à sua quanto com as novas, criando dessa forma uma obra que paga respeitoso tributo ao chorinho e ao samba tradicional, mas sempre com a mente aberta para elementos de bossa nova, do samba renovado e de outras possibilidades, como bem relata em sua maravilhosa carta de intenções Argumento.

Com uma voz deliciosa, ele também toca com maestria o violão e o cavaquinho. Seus shows são sempre uma delícia de se ver, pois além de investir em seu repertório imbatível,Paulinho nos conta de forma fluente e afetiva causos maravilhosos de sua vida e dos seus parceiros de música e de vida. Você se sente na sala da casa dele!

O primeiro disco dele que eu comprei foi o compacto simples com Guardei Minha Viola (1973). Esse é apenas um dos vários clássicos lançados por ele nesse período, entre os quais Dança da Solidão, Coração Leviano, Pecado Capital, Argumento, Pode Guardar as Panelas e Por Um Amor No Recife, só para citar alguns dos mais significativos e marcantes.

Mestre como compositor de sambas, ele também soube investir em experimentação, como a fantástica Sinal Fechado prova de forma enfática, e demonstrou categoria na releitura de composições alheias, entre as quais destaco sua reinterpretação simplesmente espetacular de Nervos de Aço, pérola do compositor e cantor gaúcho Lupicínio Rodrigues.

Se viveu o seu auge na década de 70, a produção artística de Paulinho não caiu de qualidade nas décadas seguintes. Ele passou a gravar em quantidade menor, mas sem deixar a qualidade de lado, como atestam álbuns como Eu Canto Samba (1989), Bebadosamba (1996) e Acústico MTV (2007).

Paulinho da Viola felizmente completa 80 anos repleto de saúde, maturidade e capacidade de trabalho. Que venham em breve novos shows, novos discos e novas manifestações de seu enorme talento. E que eu possa voltar a entrevistá-lo em breve, sempre um prazer indescritível.

Guardei Minha Viola– Paulinho da Viola:

Renato Teixeira e Fagner nos oferecem o singelo Naturezas

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Por Fabian Chacur

Renato Teixeira e Raimundo Fagner são da geração de músicos brasileiros que invadiram as paradas de sucesso na década de 1970 com trabalhos consistentes e sempre preocupados com a qualidade de letras e melodias. Amigos há muito tempo, estreitaram sua relação nos últimos anos, valendo-se dos recursos tecnológicos para, mesmo de longe, escreverem várias canções em parceria. Tinha tudo para dar em um disco em dupla, e deu mesmo, Naturezas, que a gravadora Kuarup disponibiliza nas plataformas digitais e em uma belíssima edição em CD.

O álbum conta com 10 faixas, sendo oito delas parcerias inéditas dos dois feitas especialmente para o projeto. Um hit marcante de cada um completa o repertório. Tocando em Frente, inspirada composição de Teixeira e Almir Sater, traz também a participação deste último na releitura, que ficou muito bonita. Da seara de Fagner, temos Mucuripe, clássico escrito com o saudoso Belchior. As duas abrem o disco, como que abrindo o caminho para as novidades. Uma ideia bem interessante.

O trabalho foi gravado em São Paulo no estúdio da gravadora Kuarup, que curiosamente fica em um imóvel no qual Renato Teixeira morou, na década de 1970, e onde compôs sua canção mais conhecida, Romaria. Entre os músicos que participaram das gravações, vale destacar o grande Natan Marques, guitarrista e violonista que atuou com Elis Regina e Simone.

O clima básico de Naturezas é bem singelo e tranquilo, enveredando por caminhos sempre presentes nas obras de Renato Teixeira e Raimundo Fagner, com ênfase no lado folk-rural. As vozes dos dois se encaixaram muito bem, com cada um fazendo seus solos de forma bem competente. A tendência de interpretações mais contidas do artista cearense dos últimos tempos se mantém por aqui.

Além de Tocando em Frente, Almir Sater também está presente em Para o Nosso Amor Amém, um dos pontos altos do disco, ao lado de Arte e Poesia, Eu Comigo Mesmo e Rastros da Paixão. Eu Só Quero Ser Feliz tem um terceiro parceiro, o grande Antonio Adolfo, autor da melodia original que acabou recebendo letra de Fagner e Teixeira.

A bela capa de Naturezas foi o último trabalho com finalidade discográfica do saudoso e icônico Elifas Andreato, que nos deixou em março deste ano. O álbum certamente irá agradar e muito os fãs mais fiéis, apostando em simplicidade, lirismo e sutilezas nos arranjos. Uma reunião prazerosa de dois grandes amigos que rendeu belos frutos.

Para o Nosso Amor Amém– Renato Teixeira, Fagner e Almir Sater:

Ruy Maurity, 72 anos, um craque da música popular brasileira

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Por Fabian Chacur

Em 1976, quando tinha apenas 15 anos, comprei um compacto simples de um certo Ruy Maurity, com Nem Ouro Nem Prata de um lado (ouça aqui) e Bebemorando do outro (ouça aqui). Era o começo da minha admiração por esse talentosíssimo cantor, compositor e músico fluminense que infelizmente nos deixou aos 72 anos de idade na madrugada desta sexta-feira (1º), após duas semanas na UTI e vítima de duas paradas cardíacas. Um artista do primeiro escalão da nossa música.

Irmão de outro monstro sagrado da nossa música, o cantor, compositor, músico e maestro Antonio Adolfo, Ruy Maurity nasceu na cidade fluminense de Paraíba do Sul em 12 de dezembro de 1949. Sua primeira aparição mais destacada no meio musical foi em 1970 ao vencer o Festival Universitário do Rio de Janeiro com a música Dia Cinco, escrita por ele com José Jorge, seu parceiro fiel na maior parte das canções que escreveu. Neste mesmo ano, saiu o seu primeiro LP, Este é Ruy Maurity, o início de uma belíssima trajetória.

Em 1971, estourou nacionalmente com Serafim e seus Filhos, belíssima canção com raízes rurais e uma espécie de precursora do chamado rock rural brasileiro. Tocou muito nas rádios, e posteriormente mereceu regravações de sucesso nas vozes de Sérgio Reis, Zezé di Camargo & Luciano e diversos outros intérpretes, especialmente na área sertaneja.

Várias canções de Ruy entraram em trilhas sonoras de novelas globais, entre elas Menina do Mato (ouça aqui), que marcou presença em O Casarão (1976) na interpretação de Márcio Lott (ouça aqui) e A Xepa, tema de abertura de Dona Xepa (1977- ouça aqui).

Em 1976, escreveu e gravou Marcas do Que Seu Foi (ouça aqui), que seria apenas a trilha de uma campanha publicitária de ano novo. No entanto, a música, belíssima, marcou tanto que foi lançada tanto com o autor como com o grupo The Fevers, e é frequentemente relembrada nesses períodos anos. Você conhece: “este ano, quero paz no meu coração…”.

Nos ótimos trabalhos que lançaria até o início da década de 1980, podemos destacar, entre outras possíveis, canções deliciosas como Bananeira Mangará (ouça aqui), Batismo dos Bichos (ouça aqui -versão de José Jorge para God Gave Name To All The Animals, canção de Bob Dylan lançada por ele em 1979 no LP Slow Train Coming) e A Natureza (ouça aqui).

O estilo musical de Ruy Maurity foi uma felicíssima mistura de vários elementos da cultura musical brasileira, e pode-se ver nele pioneirismo em pelo menos duas delas, o rock rural e, acredite, a axé music. Pois ouça Nem Ouro Nem Prata e perceba nela nítidos elementos percussivos e rítmicos que seriam explorados pelos músicos baianos dos anos 1980, tipo Luis Caldas e Jerônimo…

A partir da década de 1980, Maurity deu uma sumida de cena, com aparições bastante eventuais. Curiosamente, tive a honra de ser seu amigo na rede social Facebook, onde ele sempre se manifestava de forma simpática quando abordado pelos inúmeros fãs. Pensei seriamente em tentar entrevistá-lo, como recentemente fiz com seu irmão Antonio Adolfo, mas vacilei feio. Infelizmente, agora não rola mais. Mas ficam as lembranças deixadas por suas belas canções, sempre inspiradas. Ele se foi, mas nos deixou marcas positivas que estarão presentes em todos os nossos sonhos.

Serafim e Seus Filhos– Ruy Maurity:

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