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Dia da Consciência Negra, dia da celebração a guerreiros geniais

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Por Fabian Chacur

“Porque Dia da Consciência Negra, e não Dia da Consciência Humana?” Você certamente já ouviu alguém aparecer com esse argumento, sempre que o dia 20 de novembro está próximo. Como em inúmeras situações análogas, a origem dessa ideia pode até não ser mal intencionada, pode até tentar pregar uma “união de todas as raças” ou coisa do gênero. Mas, no fim das contas, é uma ideia péssima. Lamentável. Se bem que, sejamos sinceros, Dia da Consciência Negra deveria ser não só hoje, mas amanhã, depois de amanhã… Sempre, sempre, sempre!

A dívida que o Brasil tem com os afrodescendentes é do tamanho de uma galáxia, e teve início de forma deprimente. Afinal de contas, tente imaginar algo pior do que ser tirado à força de seu lugar de origem, perder sua liberdade, ser enviado para o outro lado do oceano nas piores condições possíveis e, ao chegar, ter de servir a pessoas de temperamento péssimo, gananciosas e incapazes de ter qualquer noção de dignidade e empatia em relação ao outro.

De passar séculos sendo humilhado, usado como mercadoria de terceira qualidade, fazendo o serviço que ninguém queria fazer, alimentando-se mal e tendo como perspectiva de vida subsistir, se tanto. O que poderia se esperar de pessoas tratadas dessa forma aviltante durante tanto tempo? Rigorosamente nada de bom. No entanto, essas pessoas deram em troca ao país em que foram obrigados a viver um tesouro inestimável.

Dá para imaginar como teria sido o Brasil se os afrodescendentes não tivessem aportado por aqui? Sua presença forte e criativa se espalhou para todos os setores deste país, com ênfase na parte cultural. Nossa identidade cultural e o melhor de nossa produção nessa área tem forte sotaque negro. A miscigenação também ajudou a moldar o brasileiro, que se tornou um povo capaz de driblar as piores condições humanas e culturais, sempre.

No icônico filme Queimada, do diretor italiano Gilo Pontecorvo e lançado há exatos 60 anos, o personagem William Walker (vivido de forma esplêndida por Marlon Brando) se torna uma espécie de conselheiro de um líder popular que comanda uma revolução, tomando o poder. E um de seus conselhos parece muito coerente com o que ocorreu por aqui, no dia 13 de maio de 1888.

“Dê aos escravos a liberdade. Será a melhor alternativa. Como escravo, você é obrigado a sustentá-los, a dar a eles um lar. Como trabalhador, basta pagar um salário, e ele que se vire”. Parece com algo que você já viu por aqui? Ou melhor, vê até hoje, mais de um século após a tal da libertação dos escravos?

Mas, insisto em ressaltar, os afrodescendentes não se transformaram no que poderiam ter sido, de forma até compreensível, vale dizer. Tipo assassinos cruéis, seres violentos dispostos a se vingar de qualquer jeito dos brancos opressores. No geral, o negro no Brasil nos ofereceu os mais comoventes e inspiradores exemplos de superação, de criatividade, de dignidade e superação.

Em um dia como o de hoje, penso mais do que nunca nos incríveis Cartola, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Racionais MC’s, Tim Maia, Tony Tornado, Clemente (dos Inocentes), Elza Soares, Pelé, Milton Santos, Jair Rodrigues, Seu Jorge, os fundadores do Olodum, Jairzinho, Luiz Pereira, Nei Lopes, Luis Gama, Milton Gonçalves… Ah, essa lista vai longe, muito longe e muito além da minha tacanha capacidade de reconhecimento.

Sim, hoje é o Dia da Consciência Negra, e se nunca conseguiremos saldar o nosso saldo negativo em relação a essa gente tão maravilhosa, o que nos resta é não só louvar a sua cultura, como, e principalmente, tratá-los com o respeito, admiração e dignidade que tanto merecem. Viva o afrodescendente brasileiro!

Texto dedicado a Oswaldo Faustino, meu mestre e uma das pessoas mais sábias e generosas com quem tive a honra de conviver nesses meus 58 anos de vida!

Sorriso Negro– Dona Ivone Lara:

Documento Inédito, de Cartola, volta às lojas no formato vinil

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Por Fabian Chacur

Sempre é tempo de se ouvir o genial Cartola (1908-1980). Com poucos registros lançados em sua carreira, o saudoso cantor, compositor e músico carioca nos deixou uma obra absolutamente fundamental para os fãs da melhor música brasileira. Um desses discos, o mais informal deles, Documento Inédito, está sendo relançado pela Polysom como parte de sua coleção Clássicos Em Vinil, no formato vinil 180 gramas. Inúmeros grandes intérpretes regravaram suas canções, mas ouvi-las em sua própria voz proporciona um grande deleite a quem assim o fizer.

O álbum nos traz gravações feitas em São Paulo para um programa da rádio Eldorado, nas quais Cartola responde a perguntas sobre sua carreira e também canta com a categoria habitual oito clássicos de seu repertório, como Acontece, O Inverno do Meu Tempo e Que Sejas Bem Feliz. Documento Inédito foi lançado originalmente em 1982, pela Gravadora Eldorado.

Cartola fez parte de uma geração de compositores refinados e inspirados que deram à nossa música popular um toque de classe que se eternizou. Sabia como poucos falar sobre as agruras do amor, com versos muito bem concatenados e dotados de uma inspiração sempre à flor da pele, escritas ou sozinho ou com outros parceiros. Deixou uma marca profunda em nossa cultura popular.

Ouça Documento Inédito, de Cartola, em streaming:

Polysom relança em vinil dois LPs incríveis do genial Cartola

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Por Fabian Chacur

Não me condenem por usar dois adjetivos tão escancaradamente positivos no título desse post. Aliás, imagino que vocês não irão mesmo fazer isso. Afinal, estou me referindo a Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), um dos maiores gênios da história da nossa riquíssima música popular brasileira. E a razão é das mais simples. Seus dois primeiros álbuns estão sendo relançados em vinil de 180 gramas pela Polysom, como parte integrante da série Clássicos em Vinil. São trabalhos que ultrapassam o conceito de discoteca básica. São obrigatórios.

Cartola já tinha 66 anos de idade quando finalmente conseguiu lançar o seu primeiro LP. Provavelmente, nem esperava mais ter a possibilidade de gravar um disco como esse. Mas, felizmente, e graças ao apoio da gravadora Marcus Pereira e do produtor J.C. Botezelli, o Pelão, ele conseguiu realizar esse sonho, no ano de 1974, com direito a 12 músicas de sua autoria, sozinho ou com vários parceiros.

Em 1976, veio o segundo, também pela Marcus Pereira, mas desta vez com produção de Juarez Barrozo, incluindo 10 de suas obras e duas de outros autores. Os dois discos são maravilhosos, e neles Cartola mostra que sua voz pequena e bem colocada era perfeita para interpretar tais canções. Vale lembrar que esses dois trabalhos foram incluídos na caixa Todo Tempo Que Eu Viver, lançada em 2016 pela Universal Music no formato CD (leia a resenha de Mondo Pop aqui).

Cartola (1976)- ouça em streaming:

Box com 3 CDs traz clássicos e gravações raras de Cartola

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Por Fabian Chacur

Nenhum apelido poderia ter sido tão preciso para definir um artista como o recebido por Angenor de Oliveira (1908-1980). Afinal de contas, quando a gente pensa em Cartola, o artista, pensa em elegância, em requinte, em poesia bem elaborada, em melodias deliciosas. A obra deste cantor, compositor e violonista carioca é coisa finíssima. A Universal Music acaba de lançar Todo Tempo Que Eu Viver, box com três CDs que nos oferece alguns dos melhores momentos da carreira desse indiscutível gênio da MPB.

O conteúdo desta caixa tem duas origens distintas, e reúne tudo que Cartola gravou entre 1967 e 1976. Vale lembrar que, antes disso, ele havia sido em 1928 um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, provavelmente a mais icônica escola de samba de todos os tempos, e viu suas músicas gravadas por artistas do porte de Carmen Miranda, Francisco Alves, Mario Reis e Silvio Caldas, entre outros. Como cantor, no entanto, fez apenas uma gravação (em 1940) da música Quem Me Vê Sorrir, e participou de programas de rádio.

Problemas de saúde e de outros tipos o levaram a sumir de cena a partir do final dos anos 1940, e muitos acreditavam até que ele tivesse morrido. Em 1957, no entanto, foi redescoberto pelo jornalista Sérgio Porto (também conhecido pelo codinome Stanislaw Ponte Preta), e a partir dali aos poucos retomou a carreira. As grandes gravadoras, no entanto, relutavam em contratá-lo para o lançamento de um LP, afirmando de forma cruel que “aqui não é asilo”.

Sorte que o produtor musical João Carlos Botezelli, o Pelão, não acreditava naquela frase infeliz, e batalhou o quanto pode para concretizar seu sonho de ver Cartola gravar um álbum. E a gravadora independente Marcus Pereira topou o desafio. O LP, intitulado Cartola, saiu em 1974, e é o primeiro CD desta caixa. Com produção elegante e despojada, traz maravilhas do porte de O Sol Nascerá (A Sorrir), Acontece, Alvorada e Tive Sim, entre outras. Foi um sucesso, com mais de 20 mil cópias vendidas. Que asilo, que nada!

O bom resultado comercial resultou no lançamento de um segundo disco, também intitulado Cartola e lançado em 1976. O bacana é que o artista incluía canções feitas recentemente, entre elas O Mundo é um Moinho e As Rosas Não Falam, fruto de sua maturidade como ser humano e compositor. Com o mesmo formato classudo e repleto de sutilezas, o trabalho, segundo CD desta caixa, traz também Cordas de Aço, Meu Drama (Senhora Tentação) e Ensaboa como outros destaques.

O terceiro disco incluído nesta caixa, intitulado Tempos Idos, é inédito, e se trata de uma coletânea reunindo gravações feitas pelo autor de Acontece em discos de outros artistas e também álbuns temáticos. São dez registros raros e nunca reunidos antes em um único CD, que mostram Cartola ao vivo, em estúdio e também junto com Elizeth Cardoso, Clementina de Jesus, Odete Amaral, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Canhoto e Conjunto de José Menezes.

O trabalho de remasterização realizado nos três CDs foi excelente, com qualidade de som impecável, especialmente se levarmos em conta se tratarem de registros feitos há mais de 40 anos. Os encartes são simplesmente sensacionais, com direito à reprodução dos textos incluídos nas edições originais, novos textos (feitos por Eduardo Magossi, curador do projeto desta box set) contextualizando cada álbum, fichas técnicas e as letras de todas as canções. Um trabalho belíssimo e à altura desse mestre da MPB.

Vale registrar que uma audição atenta desses CDs nos proporciona chegar a uma conclusão óbvia: Cartola não era só um compositor iluminado, um sujeito que falava sobre as idas e vindas do amor com classe, precisão cirúrgica e inspiração. O cara era também um violonista extremamente eficiente e, acima de tudo, um cantor impecável, que usava sua pequena extensão vocal com uma classe que envolve o ouvinte. Para ouvir trajado de fraque e…cartola!

As Rosas Não Falam– Cartola:

O Sol Nascerá– Cartola:

Acontece– Cartola:

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