let it be cena filme

Por Fabian Chacur

Se há um item cobiçado por beatlemaníacos de todo o mundo é o filme Let It Be. Indisponível desde o final dos anos 1980, trata-se de um registro cru do clima que gerou a dissolução da mais bem-sucedida banda da história da música pop. Após décadas de expectativa, parece que, em breve, teremos de volta esse importante documentário, mas em uma nova versão. A pergunta agora é como será essa reedição.

Enquanto isso, os fãs mais atentos se divertem com a divulgação não autorizada de material raro referente a Let It Be. A nova leva chegou ao Youtube em agosto, mas já foi devidamente tirada do ar a pedido da Apple Corps, detentora dos direitos autorais. Só que este crítico e jornalista especializado em música teve a oportunidade de ver esse rico material. Uma única, mas deliciosa vez. E aqui vai o relato, pedindo desculpas se por ventura algum ponto importante ficou de fora.

Foram postados dois arquivos. Um com aproximadamente 40 minutos de duração, trazia gravações realizadas de 2 a 14 de janeiro de 1969. O outro, com 2h08 de duração, compilava registros feitos de 15 a 31 de janeiro do mesmo ano.

Em entrevista recente, Paul McCartney afirma que existem mais de 56 horas das filmagens de Let It Be nos arquivos da Apple. Portanto, esse material vazado pode ser uma espécie de seleção prévia de momentos considerados mais significativos por quem fez esse trabalho e teve acesso ao total das gravações.

A qualidade dos registros varia do perfeito em cores ao mais precário em preto e branco. Em alguns casos, temos tomadas feitas de ângulos diferentes de uma mesma cena. A qualidade de áudio também varia. No entanto, os pontos mais interessantes para os seguidores mais detalhistas se mostram acima de quaisquer problemas técnicos.

O que mais impressiona são duas participações de Yoko Ono. Em uma delas, faz improvisos vocais agudos semelhantes a guinchos radicais acompanhada por John Lennon, que arranca sons de sua guitarra dando pequenos socos e tapas e também, em alguns momentos, provocando microfonia ao apontá-la em direção aos amplificadores. Sons de bateria são ouvidos, o que nos dá a entender que Ringo também está presente, embora não apareça em nenhum take.

Se essa primeira jam já seria um achado, a segundo vai ainda mais longe, pois, nela, o grupo aparece completo. Yoko berra John o tempo todo, como se fosse um refrão (há uma faixa em um dos discos experimentais que gravou ao lado de Lennon, The Wedding Album, que segue essa linha, com ele gritando Yoko em resposta), enquanto a banda faz uma trilha ardida como acompanhamento. Paul McCartney também provoca microfonia com seu baixo.

All Things Must Pass é uma das músicas que George Harrison tentou submeter à banda para entrar em Let It Be, mas ele só conseguiria lançá-la no álbum solo batizado pela mesma. Nos vídeos, temos o autor tocando-a duas vezes, sendo que, em uma delas, John Lennon aparece tocando piano e harmonizando o refrão com o amigo, aparentemente curtindo muito aquela canção.

Alguns momentos são bastante simpáticos, como, por exemplo, Lennon cantando com a enteada de Paul, Heather, em uma visita ao lado de Linda durante as gravações. Parte dessa visita aparece no filme original, mas não me lembro de ter visto esse dueto Lennon-Heather lá. Sarcástico, Lennon em um determinado momento aparece cantando sozinho um trecho do refrão de Let it Be, soltando um hilariante “Let it Be, Let It Ce”.

Em um determinado momento, enquanto a banda ensaia a canção que dá nome ao filme, Lennon dá uma de folgado e toca seu instrumento musical deitado no colo de Yoko, que, por sinal, aparece o tempo todo colada nele. Durante um ensaio de Two Of Us, temos ela sendo filmada durante o tempo todo pintando caracteres japoneses em pedaços de pano brancos, sem que os músicos sejam focados em momento algum.

I Want You (She’s So Heavy) é uma das faixas mais pesadas do maravilhoso Abbey Road. Neste vídeo, temos algo que eu nunca havia visto antes, que é seu autor, John Lennon, cantando um bom pedaço dela, acompanhando-se na guitarra. Também temos a banda ouvindo na mesa de som uma versão de Teddy Boy, outra canção que só seria lançada em um disco solo, no caso McCartney (1970).

Um momento muito legal ocorre quase no final do vídeo mais longo, quando a banda improvisa um trecho de Run For Your Life, do álbum Rubber Soul, em uma versão bem mais lenta do que a original. E também temos Commonwealth (ouça aqui), um divertido rock básico que já apareceu em discos piratas, mas que não me lembro de ter visto imagens da banda a tocando.

Outro ponto bem interessante é o bom humor que John Lennon demostra em diversos momentos dessas gravações, o que de certa forma reforça o ponto de vista defendido por Paul McCartney em algumas entrevistas de que a versão original de Let It Be tem um enfoque excessivo na parte mais, digamos assim, “beligerante” daquelas gravações. Aparentemente, tivemos também momentos em que os músicos estavam muito soltos e se divertindo.

Agora, fica a expectativa de como será a nova versão de Let It Be, e se teremos nele algumas das cenas mais bacanas dessa amostra pirata, especialmente as envolvendo Yoko Ono. Tomara que, em uma atitude de bom senso, o Let It Be original também seja disponibilizado oficialmente. Aliás, recentemente também uma versão aparentemente remasterizada do filme, com alta qualidade técnica, esteve disponível por um curto tempo no youtube.

Dig a Pony– The Beatles: