brian wilson-400x

Por Fabian Chacur

No dia 20 de junho deste ano, Brian Wilson completou 80 anos de idade. Uma bela efeméride, sem sombra de dúvidas. A beleza de tal celebração se torna muito maior se levarmos em conta a trajetória deste genial cantor, compositor, músico, arranjador e produtor norte-americano. Se há alguém que merece ser colocado entre os exemplos de que, sim, milagres são possíveis, é o fundador dos lendários The Beach Boys.

Desde muito jovem Brian viu seus dons musicais virem à tona. Fã do grupo vocal The Four Freshmen, do compositor George Gershwin e do rock de Chuck Berry, entre outras influências bacanas, ele soube como poucos mesclar esses elementos e criar uma sonoridade própria.

Ao lado dos irmãos Carl (1946-1998) e Dennis Wilson (1944-1983), do primo Mike Love e do amigo Alan Jardine, criou os Beach Boys em 1961, grupo que rapidamente se tornou um marco da história do rock.

Com vocalizações intrincadas, e deliciosas, aliadas a melodias caprichadas e letras evocando o surf, o mar, o amor, os carros e a diversão, o grupo invadiu as paradas de sucesso com hits marcantes como Help Me Rhonda, California Girls, I Get Around e inúmeros outros, que continuam até hoje soando deliciosos, ingênuos e extremamente cativantes.

Em dezembro de 1964, Brian começou a sofrer com problemas emocionais, e deixou os shows dos Beach Boys, concentrando-se na função de compositor e músico de estúdio do grupo. Inicialmente, foi substituído nos shows pelo então ainda desconhecido Glenn Campbell (que depois se tornaria um astro) e a seguir por Bruce Johnston, que se incorporaria à banda de forma efetiva.

Ao ouvir o álbum Rubber Soul (1965), dos Beatles, Brian Wilson ficou apaixonado pelo que ouviu, e se sentiu impelido a buscar caminhos ainda mais ousados para a já ousada música que fazia. Esse processo desembocaria em Pet Sounds (1966), um dos trabalhos mais elogiados e influentes da história do rock e sempre nas listas dos melhores LPs de todos os tempos.

Ao lançar o single Good Vibrations naquele mesmo 1966, Wilson entusiasmou público e crítica, com uma verdadeira sinfonia pop com menos de 4 minutos. A canção saiu como uma espécie de prévia do que seria o próximo álbum dos Beach Boys, cujo título seria Smile. Começava ali um dos momentos mais inacreditáveis da história da música pop, ainda mais se levarmos em conta o seu final.

Durante aproximadamente 10 meses, até a metade de 1967, Brian levou seus colegas de grupo e a diretoria da gravadora Capitol à loucura, com suas ousadias estéticas, pirações completas e excentricidades do tipo colocar um piano em uma grande caixa de areia para que pudesse compor se sentindo na praia. Chegou um momento em que o álbum parecia que não iria ser concretizado. E, de fato, infelizmente não foi.

Quando os Beatles lançaram Sgt Peppers, em junho de 1967, aparentemente Brian se sentiu incapaz de encarar tal poderosa concorrência, e o projeto Smile foi engavetado, com suas músicas aparecendo aqui e ali em outros álbuns da banda, inicialmente em Smiley Smile (1967). E as drogas foram tornando o estado mental do artista cada vez pior e sua produção cada vez mais esparsa.

Quando as mortes prematuras de grandes nomes do rock tiveram início em 1969, com a perda de Brian Jones, dos Rolling Stones, as macabras listas de quem seria o próximo a seguir Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison sempre traziam Brian Wilson entre os primeiros colocados. Vídeos dos anos 1970 mostravam ele preso a uma cama, engordando e parecendo cada vez mais fora de sintonia com o mundo. Pouco trabalho criativo e muito desperdício de tempo e de saúde.

As coisas começaram a tomar uma feição diferente, após muitas idas e vindas que geraram internações e diversos problemas para ele e seus entes queridos, a partir dos anos 1980. Sua parceria com o psicólogo Eugene Landy a princípio se mostrou positiva, e o direcionou rumo à criação do seu primeiro álbum solo, Brian Wilson, lançado em 1988 e muito elogiado. Mas, em 1991, ele se afastaria de Landy, que tentava controlá-lo e se aproveitar do músico de forma abominável.

A partir deste momento, sua vida começou a tomar rumos surpreendentes. Casou-se novamente, desta vez com Melinda Ledbetter, adotou cinco filhos e voltou a se dedicar à música de forma mais efetiva. Gravou com as filhas Wendy e Carnie, de seu primeiro casamento e conhecidas como integrantes do grupo pop Wilson Phillips. Lógico que nada aconteceu em um clima de mar de rosas. Ele teve, por exemplo, de lidar com a perda dos irmãos, Dennis em um acidente em 1983 e Carl por problemas de saúde, em 1998.

Sua relação com os remanescentes dos Beach Boys, especialmente o primo Mike Love, que se tornou o líder da banda, foi recheada de altos e baixos, de reuniões eventuais e de brigas judiciais. E Brian sempre teve de se cuidar para dar conta de seus problemas emocionais. No entanto, mesmo assim, ele deu uma linda volta por cima.

A partir de 1999, voltou com tudo aos shows. Passou a lançar álbuns solo com canções inéditas e também relendo material dos filmes da Disney e de seu ídolo George Gershwin. Em 2002, surpreendeu o mundo ao tocar na íntegra o repertório de Pet Sounds, gerando o sublime álbum Brian Wilson Presents Pet Sounds Live. Mas uma surpresa maior chegaria logo a seguir.

Novamente reunido com o letrista Van Dyke Parks, Brian Wilson se debruçou nas composições de Smile e finalizou o repertório e a respectiva ordem das músicas. Acompanhado por músicos de orquestra e por integrantes da banda de rock alternativo The Wondermints, apresentou ao vivo em 2004 em Londres a sua obra enfim finalizada. Em seguida, o registrou em estúdio. Sim, Smile saiu em 2004, 37 anos após ter sido iniciado, agora como obra-solo dele. E que trabalho maravilhoso!

Ainda ativo e lutando bravamente contra os seus demônios, Brian Wilson celebra 80 anos de idade como um dos grandes criadores da história da música popular. Tive a honra de cumprimentá-lo e ter o seu autógrafo em meu exemplar de Brian Wilson Presents Smile em 2004, na extinta e saudosa FNAC Paulista. Ele também fez shows no Brasil. Que Deus abençoe esse incrível sobrevivente, um exemplo de como é possível realizar os sonhos mais improváveis e tidos como impossíveis.

Ouça Smile, de Brian Wilson, em streaming: