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Gilson Peranzzetta e Marcel Powell fazem show em SP

gilson peranzzetta e marcel capa 400x

Por Fabian Chacur

Sebastião Tapajós (1943-2021) foi um dos maiores violonistas brasileiros, além de um compositor inspirado e conhecido internacionalmente. Como forma de homenageá-lo, dois músicos fortemente ligados a ele, o tecladista e maestro Gilson Peranzzetta e o violonista Marcel Powell, gravaram o álbum Pro Tião, que a gravadora Kuarup já disponibilizou nas plataformas digitais e em breve lançará em CD.

O duo mostra este repertório em show nesta sexta (2) às 20h no Blue Note São Paulo (avenida Paulista, nº 2.073- 2º andar- saiba mais aqui), com ingressos a R$ 45,00 (meia) e R$ 90,00 (inteira).

A faixa que dá nome ao álbum é uma inspirada parceria de Peranzzetta e Powell, que durante todo o álbum investem basicamente no formato piano e violão. Temos também uma composição de Tapajós, Tocata Pra Billy Blanco, um clássico do chorinho (Pedacinho de Céu, de Waldir Azevedo) e também obras de autoria de Baden Powell e Vinícius de Moraes.

Na ativa desde a década de 1960 como músico profissional, Gilson Peranzzetta possui um currículo repleto de pontos altos, e entre eles se encontra uma frutífera parceria com Ivan Lins, com quem toca e compõe desde meados dos anos 1970. Muito elogiado e respeitado por gente do calibre de Quincy Jones, ele desenvolveu uma parceria com o paraense Sebastião Tapajós entre 1986 e 2021.

Filho do lendário violonista e compositor Baden Powell (1937-2000), Marcel seguiu os passos do pai, e aos 40 anos de idade pode ser considerado um jovem veterano, com vários discos e shows elogiados no seu currículo. Ele teve um relacionamento muito afetivo com Tapajós, e o considerava um padrinho musical, o que justifica essa homenagem tão bela.

Pro Tião (ao vivo)- Gilson Peranzzetta e Marcel Powell:

Novo Tempo (1980): Ivan Lins consolida e cria outros caminhos

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Por Fabian Chacur

Em 1980, Ivan Lins encerrou a sua passagem pela EMI-Odeon, período iniciado em 1977. De todas as fases de sua brilhante carreira como cantor, compositor e músico, esta pode ser considerada a de maior brilhantismo e criatividade. O astro carioca lançou por aquela gravadora quatro excelentes álbuns. O que pôs ponto final a esse período, Novo Tempo, traz peculiaridades muito interessantes que dão a este trabalho uma grande importância em sua discografia.

Pra começo de conversa, a fase EMI-Odeon de Ivan serviu para consolidar a parceria entre ele, Vitor Martins e Gilson Peranzzetta. Com o poeta, cujo marco inicial é a maravilhosa Abre Alas (de 1974), firmou-se uma dobradinha de entendimento impecável, com versos inspirados sobre relacionamentos, a condição humana e a situação política daquele momento de trevas no Brasil sempre musicados com melodias deliciosas e originais.

Em termos musicais, Gilson Peranzzetta, que iniciou seu trabalho com Ivan Lins no LP Chama Acesa (1975, lançado pela gravadora RCA), mostrou-se o lugar-tenente perfeito, em uma combinação de dois tecladistas que se completam de forma precisa, cirúrgica mesmo. De quebra, seus arranjos e orquestrações ajudaram a dar a cada canção a moldura adequada, sem amarras ou limitações estilísticas. Valia tudo, desde que fosse bem feito e coerente.

Essa trinca incrível deu seus passos iniciais rumo à perfeição em Somos Todos Iguais Nessa Noite (1977), estreia na EMI, e atingiria seu auge criativo nos sublimes Nos Dias de Hoje (1978, leia a resenha aqui) e A Noite (1979, leia a resenha aqui). Como igualar tanta qualidade e sucesso logo a seguir?

Esse foi provavelmente o principal desafio de Novo Tempo. E Ivan o encarou com garra, e incorporando as características daquele momento. No Brasil, vivíamos o início de uma abertura política, que tinha como marco principal a Lei da Anistia, que permitiu o retorno ao país de diversos exilados políticos. Havia esperança no ar, mesmo que a ditadura militar continuasse, com o General Figueiredo na presidência. Eis a inspiração que gerou a maravilhosa canção que deu nome a este álbum. Esperança permeada por temores.

Novo Tempo, a canção, é quase que um contraponto a Aos Nossos Filhos (1978), uma torcida intensa para que dias melhores estivessem mais perto do que se imaginava há apenas dois anos. “No novo tempo, apesar dos perigos, a gente se encontra, cantando na praça, fazendo pirraça, pra sobreviver”. Bem, seriam mais cinco longos anos de ditadura, mas é melhor seguir no tema música.

Nesse mesmo espírito, surgiu Coragem, Mulher, inspirada no triste Caso Marli, ocorrido em 1979, quando PMs invadiram um barraco em Belford Roxo (RJ) e sequestraram e mataram um rapaz, Paulo Pereira Soares, de 18 anos, que acabou sendo morto com 12 tiros por três policiais militares.

Sua irmã, Marli Pereira Soares, uma empregada doméstica, encarou o desafio de reconhecer os assassinos de Paulo, oriundos do 20º Batalhão de Polícia Militar de Belford Roxo. A moça tinha 25 anos, e virou um símbolo da resistência contra a violência policial afligindo os pobres.

“Como te atreves a mostrar tanta decência, de onde vem tanta ternura e paciência, qual teu segredo, seu mistério, seu bruxedo, pra te manter em pé até o fim”. Uma bela homenagem a uma personagem de nossa história recente que, infelizmente, ainda sofreria muito nos anos seguintes, com direito a ter sua casa saqueada e incendiada, além de perder um filho e um afilhado também vítimas da violência, já nos anos 1990.

Duas das canções do disco poderiam ter feito parte do trabalho anterior em termos temáticos, A Noite, pois são centradas em complicadas relações afetivas. Curiosamente, elas mostram dois caminhos possíveis para um casal em fase complicada. Uma, Bilhete, encerra a partida de vez, com direito a mala na porta, pedido de chave de volta e um adeus sem muita vontade de um novo contato.

Enquanto isso, Virá reflete o ponto de vista de quem não se conformou com o final, e aguarda, paciente, o retorno do parceiro-parceira: “virá, de qualquer jeito virá, virá a contragosto, virá por amizade, virá por desespero, virá por cama e comida, por boa bebida, por dinheiro”.

Também retomando caminhos anteriores, a rural Sertaneja nos traz ecos de Ituverava (1977), bela homenagem de Vitor Martins a sua cidade natal, enquanto Barco Fantasma vem da mesma lavra inspirada na música portuguesa que gerou a inspirada Um Fado (1977).

A única canção de fora do núcleo Ivan-Vitor-Gilson é a inspirada releitura de Coração Vagabundo (1967), de Caetano Veloso, que de certa forma dialoga em termos poéticos com Novo Tempo, com versos como “meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer”.

Desde o início de sua carreira, Ivan Lins sempre se mostrou aberto à mistura da música brasileira com elementos do jazz, soul e r&b. Na fase EMI, pode-se dizer que um novo formato dessa vertente surge em Dinorah Dinorah (1977), com uma levada mais moderna e próxima da sonoridade internacional. Não por acaso, essa música foi regravada por George Benson no álbum Give Me The Night, lançado naquele mesmo 1980 e que também inclui Love Dance (Ivan Lins, Gilson Peranzzetta e Paul Williams).

Há pelo menos duas representantes dessa sonoridade híbrida e genial neste álbum: a faixa-título, que alguns afirmam ter sido cogitada para entrar em um álbum de Michael Jackson (Thriller, para ser mais preciso), e a fantástica Arlequim Desconhecido, que abre o álbum. Ambas seriam regravadas por artistas internacionais posteriormente, e não por acaso, pois se encaixam feito luva na sonoridade jazz-pop então prevalente nas rádios americanas.

Uma faixa é totalmente à parte do resto do material. Trata-se de Setembro, assinada por Ivan e Gilson e dividida em duas partes, Antonio e Fernanda e Caminho de Ituverava. Sem letra, ela traz vocalizações arranjadas pelo genial Tavito, cordas e um clima que em alguns trechos pode nos levar surpreendentemente à fase mais experimental dos Beach Boys.

Outro momento muito significativo é a encantadora Feiticeira, canção leve, romântica e delicada com direito a um arranjo ousado que incorpora elementos de baião. Pode-se considerá-la uma espécie de pioneira de uma veia da obra de Ivan que posteriormente nos renderia sucessos maravilhosos do porte de Vitoriosa (1986) e Iluminados (1987).

Entre os músicos participantes do álbum, todos ótimos, um merece destaque especial. Trata-se de Alex Malheiros, baixista do grupo Azymuth que marca presença em 9 das 10 faixas. Sua forma moderna e swingada de tocar ajudou a dar uma roupagem mais próxima do jazz-funk americano ao som do disco, com direito a alguns momentos absurdamente inspirados. Ouça suas linhas de baixo em Arlequim Desconhecido, Setembro e Novo Tempo e tente não concordar comigo.

Curiosamente, nos créditos do álbum, Malheiros é identificado apenas como “Alexandre”, o que me levou a fazer uma extensa pesquisa para descobrir quem era esse cara, até que consegui a resposta ao ouvir uma entrevista feita por Nelson Faria com o saudoso baixista Arthur Maia, no qual ele relembra que entrou na banda de Ivan Lins para substituir precisamente Alex Malheiros, que gravou Novo Tempo mas não participou da turnê.

A embalagem de Novo Tempo também merece ser elogiada. Na capa, Ivan aparece com a camisa aberta, com jeitão de quem está pronto pra qualquer parada. Na parte interna e na contracapa (a capa é dupla), Ivan está ao lado dos parceiros Martins e Peranzzetta, sendo que em uma foto eles compartilham um jornal com manchetes típicas de um país pressionado por momentos difíceis.

Se não fez tanto sucesso como os trabalhos anteriores pela EMI, Novo Tempo conseguiu manter Ivan Lins nas paradas de sucesso e lotando os seus shows. Típico disco de transição, encerrou com classe uma fase brilhante de sua carreira e, por tabela, deu o pontapé inicial em outra, também das mais ricas. Mas essa é uma outra história, que a gente conta futuramente.

Ouça músicas de Novo Tempo em streaming:

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