Sabe a brincadeira do “tenho duas notícias, uma boa e a outra ruim?”. Pois cabe feito luva na notícia a seguir. Comecemos com o lado positivo. A Universal Music acaba de disponibilizar na sua loja virtual uma reedição de Água Viva (1978), um dos álbuns mais bem-sucedidos da carreira da saudosa Gal Costa. A parte negativa: cada exemplar custa a bagatela de R$ 169,90, fora o frete (saiba mais aqui).
Ou seja, para quem não estiver nadando em dinheiro, quem sabe valha mais a pena ir atrás de uma edição em CD, ou mesmo de um exemplar em vinil da época ou de outra reedição mais antiga e menos, digamos assim, salgada em termos de preço. Vai do bolso de cada um.
Em termos musicais, Água Viva é um álbum impecável. Seus maiores sucessos são Folhetim (Chico Buarque), que Gal interpretou em um capítulo da novela global Dancin’ Days (1978), e Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso), esta última uma belíssima homenagem ao amor sem preconceitos, fronteiras ou restrições.
Com um total de 12 faixas, traz também um delicioso dueto de Gal com Gonzaguinha em uma composição deste, o sacudido forró moderno O Gosto do Amor. A releitura de Olhos Verdes (Vicente Paiva), sucesso em 1950 na voz de Dalva de Oliveira é outro destaque, entre composições assinadas por craques como Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil, Suely Costa, Moacyr Albuquerque, Ruy Guerra e Abel Silva.
Paralelamente a seu trabalho com o grupo que o consagrou, a Nação Zumbi, o cantor Jorge Du Peixe nos mostra uma outra faceta da sua personalidade musical com o álbum solo Baião Granfino, lançado pelo selo Babel. O artista pernambucano fez releituras das músicas do repertório de um dos mestres máximos da nossa música, Luiz Gonzaga. Ele apresenta o repertório desse álbum em show neste domingo (5) às 18h no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros (rua Paes Leme, nº 195- Pinheiros- fone 0xx113095-9400), com ingressos de R$ 12,00 a R$ 40,00.
Como seria de se esperar de um artista criativo que ajudou a fundar o mangue beat pernambucano, Du Peixe fez uma incursão criativa em torno do repertório do grande Gonzagão, mesclando canções mais conhecidas como Assum Preto a outras escolhidas a dedo de seu vasto repertório, como Baião Granfino e Cacimba Nova. Os arranjos são diferenciados, e a voz grave do intérprete dá o tom a um trabalho dos mais interessantes.
No show, Jorge Du Peixe será acompanhado por Bruno Buarque (bateria), Lello Bezerra (guitarra), Sthe Araújo (percussão e voz), Victória dos Santos (percussão e voz), Fábio Pinczowski (baixo) e Nanda Guedes (sanfona). Além das músicas do álbum, também entraram no set list outras do mesmo universo musical, como as icônicas Festa e Erva Rasteira, ambas de Gonzaguinha e gravadas pelo seu pai com maestria.
No início de 2020, o cantor Fábio Jorge (leia mais sobre ele aqui) celebrou 50 anos de vida sem nem ao menos imaginar o que estava se aproximando ali na esquina. Sim, veio a terrível pandemia do novo coronavírus, capaz de chacoalhar e apavorar o mundo. Uma das 1ª vítimas dessa terrível doença em nosso país, uma das mais de 600 mil que nos deixaram precocemente, foi a sua querida mãe. Em meio a essa dor insuportável, ele viu como forma de externar seus sentimentos mais profundos gravar um novo álbum. Eis a semente que gerou O Tempo, disponível nas plataformas digitais e com belíssima tiragem limitada em CD físico.
O 5º álbum do intérprete marca o fato de ter, pela primeira vez, quase todo o seu conteúdo em português, ele que até então se concentrava em canções escritas no idioma pátrio de sua mãe, o francês. Desta vez, a única música nesta língua é La Mamma, clássico sessentista do repertório do ícone da canção francesa Charles Aznavour. As outras nove canções foram selecionadas com precisão cirúrgica e muito bom gosto por Fábio, que fugiu de opções mais óbvias.
Ouvidas como um todo, as canções equivalem a um bom bate-papo com o ouvinte, envolvendo temas como a passagem do tempo, as idas e vindas do amor, as tristezas, as perdas e também a esperança de uma volta por cima e de seguir em frente com muita felicidade e fé, apesar dos pesares. Tudo com arranjos sucintos, de muito bom gosto e executados por músicos extremamente capacitados e sensíveis como Alexandre Vianna (piano), Joan Barros (violão), Thadeu Romano (bandoneon) e Rovilson Pascoal (também responsável por gravação, mixagem e masterização).
Do sempre inspirado Guilherme Arantes, temos a clássica Cuide-se Bem (1976), recado cada vez mais atual, e uma joia não tão conhecida, a intensa Nosso Fim Nosso Começo (1989), profunda análise de um relacionamento que fica em suspenso devido aos problemas de percepção típicos dos seres humanos. Ah, como seria bom dar um pé na porta dessas concepções medrosas e encarar a paixão de peito aberto! Eis o que essa música nos incentiva a fazer, nas suas maravilhosas entrelinhas, que Fábio nos oferece com finesse.
Do grande Gonzaguinha, que o intérprete já homenageou em show só com suas canções, temos a maravilhosa Pra Fazer o Sol Adormecer, que Maria Bethânia gravou em 1983 em seu álbum Ciclo. Outra canção do tipo dor-amor e centrada em contradições que se encaixam com rara felicidade é a absurdamente inspirada A Paz, parceria dos geniais Gilberto Gil e João Donato lançada nos anos 1980 e que tinha uma versão definitiva na voz de Zizi Possi. Tinha. Agora, a minha favorita é esta aqui. Ouçam e tentem não se emocionar, não ver as lágrimas vertendo de seus olhos sem que você as controle. Apenas tentem…
A melancólica e linda O Tempo foi defendida por seu autor, Reginaldo Bessa, no festival global Abertura, aquele vencido por Como Um Ladrão, na voz de Carlinhos Vergueiro, e não é de se estranhar que tenha sido escrita em plena ditadura militar que nos assolou naqueles anos de chumbo. Outras canções que vem daquele período são as ótimas Porta Estandarte (Geraldo Vandré, 1966) e Canção do Medo (Gianfrascesco Guarnieri-Toquinho, de 1972). A primeira virou um belo dueto de Fábio com Consuelo de Paula.
As escolhas mais recentes do repertório, que teve como consultor artístico o grande mestre Thiago Marques Luiz, são Tempestade (Zélia Duncan, 1994), com um arranjo surpreendente que ressalta sua letra densa, e Tá Escrito (2009), sucesso do grupo Revelação e de autoria do talentosíssimo Xande de Pilares (hoje em carreira-solo) que também surge aqui bem longe de seu clima de samba original, e belíssima.
Eis o momento de ressaltar o valor do dono da festa. A forma como Fábio Jorge resolveu botar pra fora suas dores, inseguranças e esperanças não poderia ter sido mais bem realizada. Com interpretações maravilhosas nas quais usa sua voz de veludo sempre na medida exata, sem excessos nem faltas, ele parece acariciar cada melodia, cada verso, nos fazendo entender todo o contexto da coisa. É coisa de craque, de talento absoluta.
Espero que esse trabalho possa ter dado a Fábio Jorge o alívio de que ele tanto necessita. Perder um ente querido é uma dor que nunca passa, nunca cicatriza, mas com a qual a gente aprende a conviver. E, na verdade, esses entes queridos permanecem vivos nas boas lembranças que nos deixaram, e que nos ajudam a suportar suas ausências. Dona Renée, onde estiver, deve estar sorrindo, orgulhosa do filho. E nós, ouvintes, somos gratos por tanta generosidade do filho dela de dividir esse processo artisticamente maravilhoso conosco.
Tive a oportunidade de participar de uma entrevista coletiva de Agnaldo Timóteo lá pelos idos de 2006, e o achei, pessoalmente, bem mais simpático do que em suas aparições na TV. Ele não tinha medo de falar o que pensava, mesmo que pagasse caro por isso, e dessa forma ganhou inimizades e antipatia. Mas aparentemente nunca traiu suas convicções, o que é algo a se elogiar. Ele nos deixou neste sábado (3) aos 84 anos, no Rio de Janeiro, mais uma vítima do novo coronavírus, após ter ficado internado por 17 dias. Grande perda para a nossa música.
Nascido em Caratinga (MG) em 16 de outubro de 1936, Timóteo desde sempre se mostrou um fiel seguidor da escola de cantores românticos de vozeirão do tipo Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Francisco Alves, e não se deixou influenciar pela bossa nova ou outros gêneros musicais do tipo mais contido. Antes de gravar seu 1º disco, em 1961, ganhou a vida do jeito que dava, tendo sido, inclusive, motorista da cantora Angela Maria, que não só o incentivou a seguir a carreira artística como, posteriormente, fez show e gravou com ele.
O primeiro sucesso veio em 1965 com A Casa do Sol Nascente, versão em português para The House Of The Rising Sun, que tornou o grupo britânico The Animals conhecido no mundo todo. Em 1967, invadiu as paradas de sucesso com Meu Grito, do amigo Roberto Carlos, que ele conheceu antes do artista virar o Rei. Os Brutos Também Amam, já nos anos 1970, foi outro hit que ele ganhou do autor de Detalhes.
Além de versões e algumas canções de sua autoria, entre as quais a corajosa e polêmica A Galeria do Amor, ele também gravou autores badalados, como Chico Buarque (Olhos nos Olhos) e Gonzaguinha. Deste último, ele gravou Grito de Alerta, que na verdade o compositor escreveu inspirado em conversas que teve com Timóteo. O cantor mineiro explicou essa curiosa situação em um depoimento publicado no livro Gonzaguinha e Gonzagão- Uma História Brasileira, de Regina Echeverria (2006- Ediouro):
“Eu fiquei pau da vida com o Gonzaguinha porque aquela história era minha, eu deveria ter sido até parceiro dele na música. Eu falei: puta que pariu,m Gonzaguinha, então eu te conto uma história da minha cama e você dá a música para a Bethânia gravar?”, comentou sobre o fato de Maria Bethânia ter tido a chance de gravar em primeira mão essa canção, que fez muito sucesso em 1980.
Em 1982, quando seu sucesso comercial começava a decair, ele se candidatou a deputado federal pelo Rio de Janeiro, e foi eleito. Tinha início o seu envolvimento com a política, que lhe rendeu alguns mandatos no Rio e também em São Paulo, mas que lhe trouxe grandes antipatias por causa de suas posições conservadoras e por vezes difíceis de se entender por serem de alguém de origem tão modesta em termos financeiros.
Mesmo assim, manteve-se gravando discos e fazendo shows durante esses anos todos. Timóteo, inclusive, chegou a vender seus CDs lançados de forma independente em praças públicas, em momentos mais complicados de sua trajetória. Mas o vozeirão nunca o traiu, como podemos ver em uma live feita por ele em janeiro com fins beneficentes, nas quais o sujeito solta a voz com a categoria habitual.
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (1945-1991) teve como marca a sensibilidade à flor da pele. Essa característica o levava a atingir os extremos, indo do extremamente ácido ao incrivelmente doce às vezes em uma mesma canção. Puro coração. Sujeito que se indignava com as injustiças, que tinha paixão por se apaixonar, por viver, por “andar por esse país pra ver se um dia descanso feliz”, como bem retratam os versos de Vida de Viajante, parceria do pai Gonzagão com Hervê Cordovil que fez grande sucesso em 1979, em versão incluindo pai e filho nos vocais.
Sua poesia era direta e sem rodeios, enquanto em termos melódicos e rítmicos suas canções apresentavam influências de música nordestina, jazz, rock, bossa nova, samba, bolero e o que mais aparecesse.
Em uma discografia repleta de preciosidades, Recado, lançado em 1978 e seu sexto álbum, se sobressai por várias razões, a começar pela maravilhosa faixa título, espécie de carta de intenções de Gonzaguinha enquanto ser humano. “Se é para ir, vamos juntos, se não é já não tô nem aqui”, finaliza esse clássico da MPB, com sua levada bossa nova e o piano marcante de Gilson Peranzzetta, conhecido por também participar de discos essenciais de Ivan Lins, um dos raros parceiros de Gonzaguinha e seu amigo fiel desde sempre.
A única composição alheia é O Que Foi Feito Devera, de Milton Nascimento (provavelmente o maior ídolo do artista carioca) e Fernando Brant, relida de forma brilhante e com a participação do próprio Milton no violão e vocais.
O romantismo intimista é a marca de Lindo, balada jazzística sublime em sua sutileza, enquanto a mãe do astro carioca, uma cantora da noite que morreu quando ele era ainda muito criança, vítima de tuberculose, é homenageada de forma tocante em Odaléia Noites Brasileiras, balada voz e piano.
A indignação do artista com a infeliz e então recente declaração dada por Pelé, dizendo que, para ele, “brasileiro não sabe votar”, gerou E Por Falar No Rei Pelé…, uma espécie de “MPB heavy metal” na qual ele toma as dores do povão, com versos ácidos e certeiros como “craque mesmo é o povo brasileiro carregando esse time de terceira divisão”.
E o final fica com a magnífica Petúnia Resedá, sacudida mistura de rock e forró que fez sucesso na releitura de Simone. E tem a voz. Fora dos padrões convencionais, Gonzaguinha cantava com paixão, assinatura própria e muita, mas muita personalidade. Lá do fundo, das entranhas, paixão total.
E vale destacar também o elenco de músicos presentes neste álbum. Além de Gilson Peranzzetta nos teclados, também temos Fredera (guitarra), Toninho Horta (guitarra), Luis Alves (baixo), João Cortez (bateria), Danilo Caymmi (flauta), Mauro Senise (flauta), Paulo Jobim (flauta), Ronaldo Alvarenga (percussão) e Novelli (baixo), com produção a cargo do compositor Ronaldo Bastos, parceiro de Milton Nascimento em vários clássicos da MPB.
Recado é daqueles discos padrão vinho: sua audição melhora, com o decorrer dos anos. Clássico da MPB que você precisa conhecer, ouvir de novo e degustar com prazer. E paixão, obviamente.
A cantora Roberta Spindel, em parceria com o cantor, ator e produtor Marcus Brandão, estrela o show Começaria Tudo Outra Vez- Um Tributo ao Cantor Gonzaguinha, que tem como objetivo homenagear um dos maiores nomes da história da MPB que nos deixou há 25 anos, em um triste 29 de abril de 1991. O espetáculo será realizado no Rio nos dias 22 e 29, duas sextas-feiras, sempre às 21h, no Paris Show- Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa (Praia do Flamengo, nº 340- Flamengo-RJ- fone 0xx21-2551-1278), com ingressos custando R$ 80,00.
No repertório, alguns dos momentos mais impactantes da carreira de Gonzaguinha, como De Volta Ao Começo, Redescobrir, Explode Coração, Grito de Alerta, O Homem Chegou e Eu Apenas Queria Que Você Soubesse, entre outras maravilhas. No acompanhamento, uma banda integrada por Guilherme Menezes (guitarra e direção musical), Gabriel Gravina (piano), Victor Brun (piano), Bruno Marques (flauta), Ares D’Athayde (bateria) e Carlos Henrique de Souza (baixo).
Roberta ficou conhecida a partir de 2008 ao participar dos musicais Cazuza- Jogado a seus Pés, A Feliz Árvore de Natal e Por Uma Noite- Um Sonho Nos Bastidores da Broadway. Em 2011, lançou seu primeiro CD solo, Dentro do Meu Olhar, com produção de Max Pierre, repertório com músicas de Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento e Gilberto Gil e a participação especial de Caetano em Como Dois e Dois.
Duas de suas gravações foram incluídas em trilhas de novelas globais, Esquinas (Morde & Assopra) e Se Eu Quiser Falar Com Deus (Amor Eterno Amor), enquanto Unwritten entrou na trilha de Bicho do Mato, da Record. Ela lançou recentemente Fina Flor, sua primeira música autoral, com produção a cargo do experiente Nilo Romero, que trabalhou com Cazuza. O segundo álbum já está a caminho.
Esquinas– Roberta Spindel:
Se Eu Quiser Falar Com Deus– Roberta Spindel:
Fina Flor (ao vivo, voz e violão)- Roberta Spindel:
Estou com o CD Gonzaguinha Presente- Duetos há meses na pilha daqueles trabalhos a serem ouvidos, sempre sendo precedido por outros trabalhos e deixado para trás. A razão era simples: estava com medo de ouvir o resultado final. Agora, finalmente resolvi acabar com essa história e conferir essa obra. Meus temores infelizmente se confirmaram. São várias as razões que tornam esse álbum totalmente desnecessário e infeliz.
Desde o estouro em 1991 de Unforgettable, dueto proporcionado pela moderna tecnologia entre a cantora Natalie Cole e seu pai Nat King Cole (falecido em 1965), vários outros projetos similares tomaram o mundo. Aqui, o conceito é o mesmo: a voz de Gonzaguinha (1945-1991) foi extraída de 14 gravações feitas originalmente em estúdio e ao vivo e disponibilizada pelo produtor Miguel Plopschi para que novos instrumentos e arranjos fossem acrescentados, assim como somadas às vozes de 14 convidados especiais.
Logo de cara, vale o questionamento ético. O autor de Recado e tantos outros clássicos da MPB era um sujeito de personalidade forte. Como teria ele encarado o elenco escalado para esses duetos? Teria curtido ouvir sua voz utilizada à revelia em um trabalho cujo objetivo básico pode até ser uma homenagem justa, mas que no fim das contas tem como grande objetivo vender discos e downloads, ou seja, faturar?
Deixando essas questões de lado, chega a hora de conferir o resultado. E aí é que a coisa pega de vez. Logo de cara, vale ressaltar que alguns dos vocais do homenageado foram extraídos de versões ao vivo que não são as melhores dessas canções, como a de Espere Por Mim Morena, provavelmente para tentarem criar um clima mais descontraído e facilitando teoricamente a qualidade dos duetos. Não rolou, não.
A escolha dos convidados é bem abrangente, o que tem a ver com o espírito nada preconceituoso de Gonzaguinha, que era fã de artistas populares como Joanna e Agnaldo Timóteo (ambos deveriam estar em um projeto como esse, por sinal). Mas o desempenho de alguns deles é quase constrangedor, sendo os casos mais explícitos os de Ana Carolina em Não Dá Mais Pra Segurar (Explode Coração) (exagero puro), Luiza Possi em Recado (totalmente insossa) e Victor & Leo em Espere Por Mim Morena (totalmente perdidos).
No geral, as gravações são frias, sendo que os piores momentos ficam por conta das tentativas de interação “além túmulo” entre os convidados e Gonzaguinha, como as de Zeca Pagodinho em E Vamos à Luta e de Alexandre Pires em O Que É O Que É. Fica difícil entender como Daniel Gonzaga, filho do homenageado, entrou nessa, fazendo dueto tecnológico com o pai e o avô Gonzagão em A Vida do Viajante. Dá arrepios negativos…
Gonzaguinha merece ser louvado como um dos nomes mais expressivos da história da MPB, com suas belas canções indo do mais doce romantismo ao engajamento político-social mais ácido, sem perder a ternura jamais. Não teria sido mais decente fazer um disco com esses convidados interpretando as músicas entre si? Ou o lançamento de uma coletânea com as gravações originais? Da forma que saiu, que me perdoem, mas gerou um produto absolutamente desnecessário e constrangedor. Melhor ouvir os discos originais do autor de Recado.
Ouça sampler das faixas de Gonzaguinha Presente Duetos:
Se estivesse ainda entre nós, Gonzaguinha, que nos deixou em 1991, teria completado 70 anos neste 2015. Como forma de louvar sua belíssima obra, o cantor Fábio Jorge fará nesta sexta-feira (20) às 21h no Teatro do Ator (Praça Roosevelt, nº 172- Consolação- fone 0xx11-3257-3207) o show tributo Um Mergulho na Obra de Gonzaguinha- Eu Apenas Queria Que Você Soubesse, incluindo apenas canções do autor de Explode Coração e de tantos outros clássicos da MPB. Os ingressos custam R$ 40,00.
Para Fábio, a homenagem que fará ao cantor, compositor e músico carioca nascido em 1945 é repleta de justificativas. “Considero Gonzaguinha um dos cinco maiores compositores do Brasil. Versátil e sensível, em sua obra abraçou todas as verves do cotidiano: sócio-político, sentimental, cronista ou tão apenas um expectador da vida, celebrando a mesma em todos os seus aspectos, festivos ou contemplativos, irônicos ou sinceros”.
O espetáculo contará com as participações especiais das consagradas cantoras Claudette Soares e Milena. Vale lembrar que Fábio gravou Jeu de Blâme, versão em francês para Grito de Alerta, de Gonzaguinha, em seu CD Chanson Française 2 (2011). Com dez anos de careira, o artista lançou três CDs solo, e cita como influências Edith Piaf, Charles Aznavour, Paralamas, Cazuza, Guilherme Arantes e Zizi Possi.
Bravo Pour Le Clown (ao vivo)- Fabio Jorge:
La mer (ao vivo)- Fábio Jorge & Orquestra Pinheiros:
Se ainda estivesse entre nós em termos físicos (porque no aspecto espiritual nunca saiu daqui), Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, completaria 70 anos nesta terça-feira (22). Tenho ótimas recordações desse cara, que ainda hoje é um dos meus grandes ídolos no cenário musical. Logo de cara, vale lembrar que foi dele o primeiro show que vi, ao vivo, na minha vida. E não poderia ter começado melhor.
O espetáculo ocorreu em um domingo de 1979 no Teatro Procópio Ferreira, situado na rua Augusta, nº 2.823 em São Paulo e sempre associado ao fato de ter sido palco, durante anos, das gravações do programa humorístico global Sai de Baixo. Comprei meu ingresso algumas horas antes do show, para me garantir.
A casa estava cheia. Fui sozinho, e fiquei na parte de trás da plateia. O show foi simplesmente maravilhoso. Adorei mesmo. Gonzaguinha e sua banda mandaram bala, tocando músicas de seus discos anteriores e, especialmente, de Gonzaguinha da Vida, que ele estava divulgando naquela turnê. E rolou um incidente que serve como prova do temperamento incisivo do artista.
Em determinado momento, ele citou o nome de um artista veterano (Angela Maria, Nelson Gonçalves ou alguém dessa mesma geração- n.da.r>: na verdade, foi o Agnaldo Timóteo, segundo o leitor de Mondo Pop Peninha-Wagner, que também estava lá. Valeu, amigo!), e ficou surpreso ao ouvir vaias. Pouco depois, falou o nome do pai ilustre, o eterno Gonzagão, e aí as palmas vieram, fáceis. Ele não perdoou, e no fim do show, chamou a atenção do público, exigindo respeito para com esses nomes “das antigas”. Um puxão de orelhas feito com classe.
Em 1983, fui a um show ao ar livre no Parque do Ibirapuera, e lá estava ele, Gonzaguinha da Vida, dividindo o palco com Blitz, Dalto, Lauro Corona (???) e outros. Naquele momento, nem podia imaginar que, quatro anos depois, teria a oportunidade de entrevista-lo. Mas isso ocorreu, quando o artista divulgava seu álbum ao vivo Geral (1987).
A entrevista ocorreu no extinto hotel Bristol, que ficava no início da rua Augusta. Era para ser uma coletiva, mas no fim estavam presentes apenas dois jornalistas: eu e o repórter Dílson Osuji, que trabalhou em grandes órgãos de imprensa, como o Jornal da Tarde. E ali, tive a chance de conferir in loco o temperamento apimentado do artista.
Durante boa parte da entrevista, rolou uma troca de farpas entre Gonzaguinha e Dílson, no melhor estilo “tapas com luva de pelica”. E eu com a bandeirinha da paz, no meio do tiroteio, apenas querendo fazer perguntas para aquele cara que eu idolatrava há tanto tempo. No fim da entrevista, pedi um autógrafo no LP Geral. “Um autógrafo?”, perguntou ele. Eu gelei, mas ganhei o mimo, que guardo até hoje, com orgulho. Só fui saber muitos anos depois que Gonzaguinha não era muito fã de dar autógrafos…Escapei de boa!
Em 1988, já como repórter do Diário Popular, fui cobrir uma entrevista coletiva do autor de Explode Coração no hotel Maksoud Plaza. Lá, tive meu segundo contato com Gonzaguinha, e desta vez, o papo fluiu de forma gostosa e produtiva. No fim, não resisti e perguntei se ele lembrava de mim e da entrevista anterior. Ah, ele lembrava, sim!
“Lembro muito bem daquela entrevista. Aquele cara era muito arrogante, e fiz questão de responder à altura, não tinha nada a ver com você”. Menos mal! E por volta de 1990, tive a terceira e última oportunidade de conversar com o meu ídolo. Desta vez foi uma exclusiva em um apart hotel nos Jardins, e mais uma vez foi ótimo. Ele me disse que curtia ficar ali pois tinha a alternativa de cozinhar ele próprio, se lhe desse na telha. Figuraça!
Um artista bastante peculiar, talentoso e único
Gonzaguinha pode ser considerado um dos artistas mais polêmicos e de personalidade mais forte na história da música popular brasileira. Ninguém é apelidado “cantor rancor” por acaso. Mas também ninguém foi tão perseguido por censores e críticos durante suas quase três décadas de carreira como esse artista, nascido no Rio em 22 de setembro de 1945.
O curioso é pensar que Gonzaguinha era quase o oposto do pai famoso. Gonzagão sempre teve como marca a simpatia e a capacidade de se dar bem com todos. Luiz Gonzaga Júnior não era assim. Pé na porta em algumas ocasiões, sempre falava o que pensava de forma direta e sem meias palavras. Sua música Recado é bem representativa dessa forma de ser: “se é para ir, vamos juntos, se não é já não tô nem aqui”.
Em termos musicais, Gonzaguinha fazia uma bela mistura de samba, bossa nova, ritmos nordestinos, ritmos latinos (especialmente o bolero) e até mesmo um pouco de rock e pop no meio. Com sua voz marcante e de timbre inconfundível, sabia ir de um extremo ao outro, do amor mais generoso à denúncia social mais dura e agressiva. Sem rodeios.
A poesia desse grande cantor, compositor e músico era digna do seu temperamento. Nada de muito rebuscado, mas sempre levada pela emoção e pelo compromisso com o povo que tanto amava. Um bom exemplo é a irada e quase heavy metal E Por Falar no Rei Pelé, que fez após ter ficado puto com a declaração do Rei do Futebol dizendo que “o povo não sabe votar”.
Encarou a Ditadura Militar de frente, com músicas fortes como Comportamento Geral, mas enterneceu os corações mais românticos com Espere Por Mim Morena, Começaria Tudo Outra Vez, O Lindo Lago do Amor e Explode Coração. E era o profeta da esperança, do eterno recomeço, eternizado nas vibrantes É e O Que É O Que É.
Uma de suas marcas como compositor era ser bastante autorreferente, citando trechos de suas próprias canções em obras posteriores, dando continuidade e reforçando ideias defendidas anteriormente e fazendo algumas músicas que podem ser consideradas claras continuações de outras, como Diga Lá Coração, por exemplo, espécie de inspirada sequência de Espere Por Mim Morena.
Tem também o espírito desbravador e estradeiro dele, o de “minha vida é andar por esse país pra ver se um dia descanso feliz”, canção do repertório do pai que regravou com ele e que falava muito sobre sua forma de viver. Gostava de fazer shows pelo Brasil afora, e é uma trágica ironia pensar que ele morreu em uma dessa viagens, em acidente próximo à cidade de, olha só o nome, Renascença, no Paraná.
Poucos artistas conseguiram agradar simultaneamente o povão e o público mais sofisticado como Gonzaguinha, e a prova é ver a ampla e abrangente lista de artistas que o gravaram, indo de Maria Bethânia a Joanna, de Elis Regina a Ângela Maria, de Erasmo Carlos a Daniel. Como diria Zeca Pagodinho, ele sabia falar a linguagem do povão e sabia falar a linguagem do bacana.
O legado desse grande artista é uma obra rica e perene que merecia ser mais reverenciada, tal a sua consistência. Romântico, engajado, sonhador, agressivo, ele soube como poucos transformar em canções as emoções, os sonhos e as ambições positivas desse verdadeiro continente que é o Brasil. Um brilhante artista brasileiro com bê maiúsculo, ontem, hoje e sempre!
Nesta quinta-feira (13), Gonzagão, o rei do baião, um dos grandes gênios da história da música popular mundial, completaria 100 anos. Morto em 2 de agosto de 1989, aos 76 anos, ele nos deixou um legado extremamente precioso, e continua sendo influência forte no meio musical.
O músico, compositor e cantor pernambucano é o grande responsável por incorporar de uma vez por todas a sanfona no seio da nossa música, e também de popularizar em termos nacionais os ritmos nordestinos, especialmente o baião, do qual é o eterno patrono. Aliás, de tudo que venha desse veio criativo de nossa música, como forró, xaxado e o que seja.
Curiosamente, ele precisou se mudar para o Rio de Janeiro, em 1939, para, distante do rincão natal, ter percebido que só mergulhando de cabeça nas sonoridades de sua região é que ele poderia se tornar especial. Seu coquetel musical composto por muito ritmo e melodias belíssimas ganharia o mundo a partir dos anos 40.
Em parceria com o brilhante advogado e poeta Humberto Teixeira, compôs Asa Branca (1947), uma canção simplesmente emblemática. Na interpretação de Gonzagão, ela consegue conciliar um ritmo ágil e dançante a uma letra cortante que retrata a dura despedida do nordestino de sua terra seca e agreste, sonhando com o retorno.
A melodia de Asa Branca consegue conciliar uma beleza arrebatadora a uma aparente simplicidade total, que permitiu a ela atravessar o planeta e cativar fãs por todos os cantos. Um verdadeiro hino do Brasil profundo, ainda atual.
Com letristas inspirados como Humberto Teixeira, Zé Dantas e Hervé Cordovil, Gonzagão escreveu músicas fantásticas como Baião, Respeita Januário, Xote das Meninas e A Vida do Viajante, entre inúmeras outras, vivendo seu auge criativo nas décadas de 40 e 50.
Depois de passar a década de 60 e boa parte da de 70 mais longe das paradas de sucesso, o eterno Rei do Baião voltou à cena com força total ao regravar com o filho Gonzaguinha A Vida do Viajante, o que lhe abriu as portas para as novas gerações. Os shows que fez com o filho e os discos que gravou com Fagner e outros fãs ilustres ajudaram a consolidar esse retorno.
Sua relação com o filho Gonzaguinha teve capítulos de muita tensão, mas Gonzagão foi o primeiro a gravar composições do filho, ainda nos anos 60, e a reconciliação entre eles no fim dos anos 70 gerou grandes trabalhos conjuntos.
De temperamento conciliador e uma simpatia impressionante, Luiz Gonzaga pode ser considerado um dos primeiros astros pop brasileiros, com direito muito carisma, talento a visual próprio, valendo-se de elementos próprios do nordestino. Sua música cativou, cativa e cativará fãs para sempre, pois veio para ficar.
Curiosidade: conheci a música de Gonzagão no meu 10 aniversário, em 25 de setembro de 1971, quando ganhei de um padrinho o compacto com a deliciosa música Ovo de Codorna, cuja letra é o depoimento de um cara maduro que busca solução para ampliar seus anos de virilidade. Um barato!
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