Por Fabian Chacur

Quando eu me dei por gente, lá pelos idos do início da minha infância rumo à adolescência, Hebe Camargo já era uma figura de proporções mitológicas, no início dos anos 70. E vou ser bem sincero: durante um bom tempo, não ia muito com a cara dela, graças ao seu apoio a um certo político abominável de péssima repercussão. A antipatia por ele respingou forte nela.

Mas isso acabou no início dos anos 90,quando eu trabalhava como repórter no extinto jornal Diario Popular e fui escalado para cobrir a inauguração de uma franquia da griffe de bijuterias da apresentadora de TV, com a presença dela. O local era um shopping popular na região do bairro da Luz, onde antes ficava a rodoviária da cidade.

Lá, minha opinião sobre essa lenda da TV brasileira mudou. De cara, presenciei uma cena inesquecível. Do lado de fora da loja, um cara mostrou à eterna loiruda uma garrafa de cerveja geladinha e dois copos daqueles compridos. Imediatamente, ela chamou-o para dentro do local. O sujeito pôs a bebida no copo dela e no dele.

Em questão de segundos, a estrela mandou a bebida goela abaixo, arrancando risadas de todos. Pouco depois, concedeu uma entrevista aos jornalistas presentes, na qual ficou claro para mim que estava diante não de uma personagem criada pela mídia, e sim de uma mulher simples, carismática e adorável. Virei fã ali mesmo.

Em agosto de 1993, poucos meses após esse primeiro contato pessoal, coube-me outra tarefa jornalística, dessa vez bem pouco agradável: cobrir o velório do consagrado diretor e escritor de novelas (entre outras coisas) Cassiano Gabus Mendes, pioneiro e um dos gênios da história da TV brasileira. Curiosamente, nascido no mesmo ano que ela, 1929.

O velório do autor da novela Que Rei Sou Eu? ocorria no fim de tarde/começo de noite. Algumas pessoas presentes pareciam estar ali apenas para dar algumas entrevistas e aparecer. Melhor não citar nomes. Uma delas, no entanto, provou ser alguém de carne, osso e principalmente alma iluminada. Ela mesma, Hebe Camargo.

A apresentadora chegou ao velório, em um cemitério localizado na Vila Mariana, de óculos escuros e evidentemente abatida. Ao reconhecer a fotógrafa que estava comigo, Ione Guedes (o nome é certeza, o sobrenome pode não ser esse…), abraçou-a de forma calorosa e começou a chorar de forma copiosa. Sinto arrepios só de lembrar.

Em seguida, recompondo-se do jeito que deu, atendeu a nós, jornalistas, falando belas palavras sobre o amigo que se foi e provando que estava ali realmente para prestar uma homenagem a Cassiano. Coisa de gente bem educada, das antigas, que respeitava as pessoas e a dor alheia.

Posteriormente, tive a honra de participar de duas entrevistas coletivas, uma lá pelos idos de 1998 e outra bem recente, em 2010, nas quais Hebe estava presente para falar da vertente musical de sua carreira, que retomava após décadas nas quais se dedicou com exclusividade ao seu lado apresentadora, o que a tornou uma lenda.

Hebe Camargo nos deixou na madrugada deste sábado (29/09) em termos físicos. As inúmeras lembranças que ela nos deixou, essas irão viver para sempre, além de sua incrível lição de vida. Ou melhor, lição de aproveitar a vida. É preciso saber viver, diz a música de Roberto Carlos. Ela sabia, e como poucos. Saudades dessa gracinha!

Ouça Você Não Sabe, com Hebe Camargo: